DECISÃO INEXATA DO STF É AD AETERNUM???

 

Quem se lembra da decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, do dia 11 de janeiro, após a notícia de que alguns grupos estavam organizando via redes sociais um evento com o título “Mega manifestação nacional pela retomada do poder”??? Alguém se lembra dessa decisão do ministro???

Muito bem, nessa decisão o ministro Alexandre proibiu qualquer tipo de manifestação no país, incluindo “tentativas de ocupação ou bloqueio de vias públicas ou rodovias, bem como de espaços e prédios públicos em todo o território nacional”. No texto da decisão, Alexandre não fez nenhuma menção explícita à data de validade da proibição.

Eis aí a grande questão: Alexandre não disse na sua decisão inexata até quando ela vai. Ou seja, o ministro não se deu ao trabalho de definir o lapso temporal da sua medida. Ninguém sabe explicar se a decisão está em vigor ou não. Ninguém sabe informar se essa decisão já caducou. Ninguém sabe dizer o prazo dessa decisão do ministro.

Vejamos a decisão do ministro Alexandre, segundo apontamentos da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 519:  

“Trata-se de requerimento apresentado pelo Advogado-Geral da União (PET 792/2023, doc. 3.627), em que informa a mobilização em redes sociais de grupos antidemocráticos, com o intuito de organizar, promover e divulgar a “MEGA MANIFESTAÇÃO NACIONAL – PELA RETOMADA DO PODER”, a ocorrer em todo o território nacional, especialmente nas capitais dos Estados, nesta data, 11/01/2023, às 18h. (...)

Em vista do exposto, DEFIRO INTEGRALMENTE OS PEDIDOS FORMULADOS PELO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO (PET 792/2023, doc. 3.627), para:

(a) DETERMINAR às Autoridades Públicas de todos os níveis federativos, em especial os órgãos de segurança pública, que adotem as providências necessárias para IMPEDIR QUAISQUER TENTATIVAS DE OCUPAÇÃO OU BLOQUEIO DE VIAS PÚBLICAS OU RODOVIAS, bem como de espaços e prédios públicos em todo o território nacional, notadamente – mas não só – nos locais indicados na postagem “MEGA MANIFESTAÇÃO NACIONAL – PELA RETOMADA DO PODER”, reproduzida no requerimento da AGU (e-doc. 3.627);

(b) DETERMINAR A PROIBIÇÃO DE INTERRUPÇÃO OU EMBARAÇO À LIBERDADE DE TRÁFEGO EM TODO TERRITÓRIO NACIONAL, bem como o acesso a prédios públicos, sob pena de APLICAÇÃO IMEDIATA, PELAS AUTORIDADES LOCAIS, DE MULTA HORÁRIA NO VALOR DE R$ 20.000,00 (vinte mil reais) PARA PESSOAS FÍSICAS E DE R$ 100.000,00 (cem mil reais) PARA PESSOAS JURÍDICAS que descumprirem essa proibição por meio da participação direta nos atos antidemocráticos, pela incitação (inclusive em meios eletrônicos) ou pela prestação de apoio material (logístico e financeiro) à prática desses atos;

(c) DETERMINAR às autoridades locais, em especial os agentes dos órgãos de segurança pública federais e estaduais, que deverão, sob pena de responsabilidade pessoal, EXECUTAR A PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO daqueles que, em desobediência às providências adotadas para o cumprimento desta decisão, ocupem ou obstruam vias urbanas e rodovias, inclusive adjacências, bem como procedam à invasão de prédios públicos;

(d) DETERMINAR às autoridades locais a IDENTIFICAÇÃO DE TODOS OS VEÍCULOS UTILIZADOS NA PRÁTICA DESSES ATOS, COM A QUALIFICAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS RESPECTIVOS, BEM COMO A INDISPONIBILIDADE DESSES VEÍCULOS, com o imediato registro desse gravame junto ao órgão de trânsito local;

(e) DETERMINAR a expedição de ofício à empresa Telegram, para que, no prazo de 2 (duas) horas, proceda ao BLOQUEIO dos canais/perfis/contas discriminados no e-doc 3.627, bem como de quaisquer grupos que sejam administrados pelos usuários abaixo identificados, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com o fornecimento de seus dados cadastrais a esta SUPREMA CORTE e a integral preservação de seu conteúdo.

As medidas nas rodovias federais poderão, inclusive, ser realizadas pelas Polícias Militares estaduais, conforme já decidido nessa ADPF. Intime-se com urgência, inclusive por meios eletrônicos, o Diretor-Geral da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal; os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os Procuradores-Gerais de Justiça e os Comandantes das Polícias Militares de todos os Estados-membros e do Distrito Federal; e os Prefeitos Municipais das Capitais dos Estados-membros. Ciência à Procuradoria Geral da República”. Publique-se. Brasília, 11 de janeiro de 2023. (a) Min. Alexandre de Moraes.

Como visto, a decisão não estipula um prazo de início e fim, não é clara quanto à sua validade e nem sequer cogita o lapso temporal necessário. Ou seja, o ministro Alexandre, sempre atento no seu ofício, esqueceu-se deste detalhe importante para a sua decisão e para quaisquer outras que se pensem sérias e sujeitas ao cumprimento.

Cumpre observar que essa falha do ministro não foi detectada apenas por mim, mas também por diversos juristas, que criticaram a medida por vários motivos, entre os quais o seu caráter indefinido e excessivamente aberto, e sua interferência na liberdade de reunião, que é um direito fundamental assegurado na Carta Magna.

De sorte que, segundo a Carta Magna, o direito à manifestação só poderia ser restrito ou cerceado em um contexto de Estado de Sítio, que requer decreto por parte do Presidente da República com anuência dos outros dois Poderes, com validade de 30 dias, e desde que atendendo os termos do art. 137 da Constituição da República. Há quem diga que poderia também ocorrer a restrição à liberdade de manifestação no caso de Estado de Defesa (art. 136, CF), mas essa tese é defendida por uma corrente minoritária.  

O texto da decisão de Alexandre, que foi unanimemente referendado em 12/1 pelo plenário do Supremo, tem suscitado controvérsias entre muitos advogados estudiosos, notadamente por sua falta de clareza. Para alguns, a determinação dizia respeito somente ao dia 11/1, para quando estava marcada a manifestação mencionada na decisão; outros consideram que a decisão é totalmente aberta, continua em vigor e não tem prazo para acabar a não ser que a Corte se manifeste novamente.

A petição que provocou a decisão de Moraes, feita pela Advocacia Geral da União (AGU), pede para restringir especificamente as manifestações que estavam sendo marcadas para o dia 11/1, o que dá alguma plausibilidade à tese de que se tratava de decisão pontual. No entanto, Alexandre não dá transparência nem exatidão ao seu ato extremo de proibição do direito de livre manifestação. Ora, se Alexandre não quer dizer, então que o plenário do STF o faça, esclarecendo se a decisão continua ou não valendo. Isso é o mínimo que se espera de uma Suprema Corte.

Enquanto a sociedade espera, o ministro Alexandre consegue provocar uma série de entendimentos díspares sobre sua decisão inexata e incompleta. Vários juristas divergem na interpretação da medida adotada pelo ministro. Muitos perguntam: não pode mais realizar reuniões de maneira pacífica, sem armas, em locais abertos ao público?

Sinceramente, o ministro Alexandre há muito passou dos limites, e ele continua, dia a dia, tomando decisões temerárias e muitas até contrárias à Constituição. Ora, a livre expressão, a livre manifestação e a livre imprensa são constitucionalmente permitidas e, dessa forma, o direito de reunião é uma garantia da coletividade e independe de autorização do Estado, obviamente respeitando a ordem e a paz pública. Já a censura não é permitida e precisa ser banida da vida do brasileiro. Certo, senhor ministro?

Do jeito que está disposto na decisão, a incerteza é natural e a incompreensão do documento é uma verdade palpável. Uma proibição do porte dessa emitida por Alexandre,  com certeza se revela absolutamente inconstitucional, posto que está se tornando uma proibição ad aeternum, e, portanto, imprópria e ineficaz, além de inexata no seu inteiro teor.

A decisão de Alexandre, de 11/1, que também é uma decisão colegiada do Supremo, de 12/1, surpreende a todos, uma vez que gera dúvidas e incertezas. Talvez, por ironia ou propósito, o ministro Alexandre tenha optado por deixar em branco esse prazo de validade da sua decisão para não entrar em conflito direto com a Constituição. Porém, se ele fez isso, cometeu outro erro, haja vista que, em sendo assim, ele acabou criando uma tremenda situação de incerteza, que sob a ótica jurídica piora ainda mais o julgamento da sua decisão pela sociedade brasileira.

O Supremo precisa atentar para os sinais do povo, que não suporta mais ver um ministro decidir além do que prevê a Constituição. Isso é grave e macula e arranha ainda mais a imagem do Poder Judiciário. Não é possível admitir que decisões inexatas e causadoras de incertezas prosperem, especialmente correndo-se o risco de criar um cenário dantesco de insegurança permanente em que não se sabe o que é lícito dizer e até onde é lícito se manifestar. Ademais, outro problema é explicar para as autoridades locais se o que vale mais é a Constituição ou a decisão ad aeternum de um ministro do STF. Ou se o que vale mais é uma ordem de um ministro ou a própria lei escrita no papel. Afinal, o que vale mais hoje no Brasil?    

A insegurança jurídica é um fato nos dias atuais. A insegurança projetada por decisões inexatas, incompletas e permeadas de incertezas é outro fato preocupante. Onde vamos parar? Com a palavra, o Supremo.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

Clique aqui e continue lendo sobre temas do Direito e da Justiça, além de outros temas relativos a cidadania, política, meio ambiente e garantias sociais.

 

Comentários

  1. Suelene M. S.Barros e Kássio P. R. Valdo1 de fevereiro de 2023 às 17:45

    Caro colega dr. Wilson Campos,nós vimos essa decisão e achamos que a incerteza é um erro brutal do Supremo e precisar ser corrigido urgentemente. Toda lei tem sua eficácia e validade (prazo determinado ou indeterminado). Esse é o jogo jurídico. O STF precisa reaprender e jogar o jogo. Parabéns caro colega Dr. Wilson Campos. Excelente artigo. At: Suelene e Kássio associados.

    ResponderExcluir
  2. Eu li com atenção a decisão e o artigo todo e entendo como o colega autor do artigo Dr. Wilson Campos. Parabéns pelo entendimento mestre causídico e jurista pela exposição da ideia. Att: Daisy Junqueira.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas