REFORMA TRIBUTÁRIA PRECISA SER COM JUSTIÇA FISCAL E JUSTIÇA SOCIAL.

 

O governo Lula, depois de muitas trapalhadas no início da sua “administração” e mesmo antes de conciliar a população, que ainda guarda fortes ressentimentos no peito e na alma quanto ao resultado das eleições, resolveu que vai colocar em pauta a reforma tributária.

Os petistas acreditam que esta seja uma medida oportuna, uma vez que conseguiram apoios de políticos da oposição, que mudaram de lado em troca de valiosos favores, os quais são de conhecimento da sociedade organizada, mas que jamais serão aceitos ou perdoados. O eleitor não esquece os traidores do seu voto.

Segundo o secretário especial do Ministério da Fazenda do governo petista, a reforma tributária deve ser realizada em duas fases: 1ª fase – governo e Congresso devem focar nas mudanças dos tributos que incidem sobre o consumo, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços); 2ª fase – alterar o Imposto de Renda e, “possivelmente”, os encargos sobre folha de salários.

No entanto, difícil será convencer o Congresso sobre essas duas fases pensadas pelos dirigentes petistas, especialmente em relação às propostas de emenda à Constituição de nºs 45 e 110/2019. Aliás, sobre essas dificuldades eu já escrevi outros artigos (vários) neste blog, e todos enfrentando as diferentes pontuações necessárias a uma reforma tributária que seja formulada visando justiça fiscal e justiça social.

A rigor, uma reforma tributária justa tem que, essencialmente, rever a tributação regressiva, que recai diretamente sobre a população mais pobre e a classe média, passando a incidir de forma progressiva sobre os muito ricos, que quase nada pagam de impostos no país. Aliás, os bancos precisam estar na mira, pois fazem parte dos que mais lucram.

A ideia do governo petista não é nova, uma vez que em outros governos o início da conversa no Congresso se dava da mesma forma, mas avançar e realizar uma reforma tributária que seja interessante para todos é que mata a negociação, haja vista os interesses de grupos que representam bancos, comércios, indústrias, agronegócios, investimentos, entre outros.

Os objetivos principais da reforma deverão ser a não elevação da carga tributária e a diminuição da burocracia. Sendo assim, menos mal. Mas se esses dois fatores não forem levados a efeito, a reforma tributária não passará de um remendo para enganar tolos. E mais esse fiasco na conta do governo petista pode representar um risco de enormes proporções econômicas e sociais e a aceleração rumo ao fundo do poço.   

A proposta do governo Lula no sentido de possibilitar a unificação de 5 tributos em 2 IVAs (Imposto sobre Valor Agregado) não é das piores, mas precisa ser debatida à exaustão e isso demanda tempo, e não pode ser feito a toque de caixa. Vejamos: IVA federal: união do PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados); IVA subnacional: fusão do ICMS, de incidência estadual, e do ISS, de incidência municipal.

Tudo bem que a proposta pode ser bem aceita pela maioria do Congresso, mas precisa também ser endossada pela sociedade civil, pelos setores profissional e empresarial. Ora, uma reforma tributária não basta pela política ou por si só, posto que exija justiça na definição do tributo e desburocratização da legislação, início e lapso temporal para vigência, divulgação ampla e irrestrita, e prazo para implementação e adequação às condições de mercado. E somente depois de tudo isso se pode dizer que, de fato, foi bem discutida uma reforma tributária no país.

Porém, muitos obstáculos surgirão pelo caminho. A própria oposição ao governo Lula vai querer fazer valer o tamanho de suas bancadas na Câmara e no Senado e não facilitar a tramitação da reforma tributária nos moldes pretendidos pela gestão petista. A ideia de uma reforma “fatiada”, tendo como primeiro passo a unificação de tributos sobre o consumo, por certo não terá aceitação unânime do Congresso.

O equilíbrio até agora existente está apenas nos sinais do PT de apoio a uma reforma tributária que contenha pontos consensuais entre as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e 110/2019. As duas propõem a fusão de tributos sobre o consumo na forma de um único tributo, um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). A PEC 45, que tramita na Câmara, junta em um único imposto o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. A PEC 110, que tramita no Senado, é mais abrangente e unifica IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Cide-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS.

Em 2021, uma fusão das duas PECs chegou a ser discutida no Congresso, mas foi abortada posteriormente. Daí que, há dois anos impera o impasse e fazem-se necessários cuidado e atenção com as medidas a serem adotadas. Se atropelar o processo, o trem da reforma tributária descarrila e tudo volta à estaca zero.

O governo petista precisa entender que a menina dos olhos de grande parte do Congresso é o setor produtivo, que parlamentares pretendem desonerar, sem o risco de impostos ao longo da cadeia de produção, e isso o IVA não garante. Então, eis aí um dos dilemas.

A imprensa tem divulgado que a oposição liderada pelo Partido Liberal (PL) a Lula defende, por exemplo, uma reforma tributária com o conceito do modelo norte-americano sales tax, em que o imposto sobre o consumo é cobrado apenas na etapa de venda ao consumidor final da mercadoria, em vez da incidência na cadeia produtiva proposta nos modelos de IVA.

Mais um problema a ser superado, mas há o entendimento de que é possível não permitir que o governo aprove a reforma tributária como quer, embora a oposição ache improvável barrar o jogo do governo em avançar com um texto que extrai consensos entre as PECs 45 e 110. Opositores prometem disposição para tentar encaixar pontos possíveis da PEC 7/2020, inspirada no modelo norte-americano de sales tax.

Como dito antes, sem ponderação e equilíbrio a reforma não sai do papel, mesmo porque os votos no Congresso mudam como nuvens no céu. Tudo depende da pressão externa dos setores social, profissional e empresarial.

Alguns membros da oposição defendem que é preciso ser mais ousado, mas sem tirar o pé do chão, haja vista a multiplicidade de interesses. Por isso a importância também da PEC 7, que não penaliza tanto o setor de serviços, que é quem mais emprega atualmente no país. Ademais, segundo esses parlamentares, a PEC 7 propõe um sistema bem mais simplificado, é uma mudança estrutural do sistema tributário vigente e não entra nas políticas de alíquotas. Ainda segundo esses parlamentares, o que exceder a PEC 7 fica por conta de lei complementar. Entendem que é um avanço e deixa para trás o cogitado sistema do IVA, que é cumulativo, e acaba com a oneração da cadeia. Nenhuma outra proposta trata dessa forma a reforma tributária. Essas são as alegações dos parlamentares pró PEC 7.

Esses parlamentares defendem que a PEC 7 é melhor que as PECs 45 e 110 ou a junção destas, justamente por não impor uma unificação de tributos em um único imposto. Argumentam que propostas como a PEC 45 não asseguram garantia de repasse aos entes subnacionais. Aduzem que toda a arrecadação feita em estados e municípios é toda controlada pela União; que prefeitos e governadores não têm mais responsabilidade arrecadatória; que os precatórios estão aí e provam que os repasses não funcionam, fora que isso é uma ingerência absoluta do pacto federativo, é uma subversão do pacto federativo e por isso não vai adiante. Por isso, alegam esses parlamentares, eles são contrários à PEC 45 que o governo petista tanto aprova.

Como visto, a questão é complexa, controversa e de demorada negociação, mas não impossível de solução. Permitam-me repetir o que eu disse antes: “Uma reforma tributária justa tem que, essencialmente, rever a tributação regressiva, que recai diretamente sobre a população mais pobre e a classe média, passando a incidir de forma progressiva sobre os muito ricos, que quase nada pagam de impostos no país. Aliás, os bancos precisam estar na mira, pois fazem parte dos que mais lucram”.

Basta ver que a PEC 45/2019 não toca nesse ponto, o que permite à sociedade organizada pensar que não se trata de uma reforma tributária, mas de mera tentativa de revisão dos tributos que incidem sobre o consumo da população, que continuará suportando todo o ônus tributário e ficará cada dia mais pobre, diante de governos totalmente desinteressados em tributar os muito riscos ou fazer justiça fiscal, justiça social e prestar serviços públicos dignos.

Vale notar que, se no Brasil existisse uma boa qualidade de serviços públicos, a reclamação contra a tributação não seria tamanha. Mas o país não dá a contrapartida de um serviço público eficiente e de qualidade, que atenda e favoreça os anseios da sociedade. A carga tributária é escorchante e a prestação de serviço público é péssima.

O problema está aí na mesa do governo petista e precisa de uma solução equilibrada. A reforma tributária é urgentemente necessária para, inclusive, tirar das costas das empresas e dos contribuintes as 1.958 horas por ano e os R$ 60 bilhões gastos para vencer a burocracia tributária. Ou seja, essa situação já se tornou há muito insuportável e insustentável.

Na qualidade e na condição de advogado com atuação na área tributária, cumpre-me alertar que os efeitos da burocracia e do cipoal de normas causam insegurança jurídica dos contribuintes e aumento de contencioso nos tribunais. Segundo dados levantados em 2019, há em litígio mais de R$ 3,3 trilhões em disputas tributárias (processos administrativos, demandas judiciais e dívidas em execução). Ou seja, a situação é terrível e tende a piorar.

Por fim, reitero veementemente que uma reforma tributária séria e justa precisa ser com justiça fiscal e justiça social, e tem que, essencialmente, rever a tributação regressiva, que recai diretamente sobre a população mais pobre e a classe média; e funcionar de forma que o tributo cumpra a função primaz de promover o bem-estar da população. Esses são os primeiros passos de uma reforma tributária razoável.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Júlio César F. S. Brum9 de fevereiro de 2023 às 12:24

    Ótima visão do amigo advogado tributarista Dr. Wilson Campos. Excelente. Abrs. Júlio César F.S.Brum (contador e economista).

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  2. Sílvia P. A. Madureira9 de fevereiro de 2023 às 12:28

    Se juntar as três pecs 7, 45 e 110, elas não dão uma que preste. Estão olhando com a lupa política, interesseira, e não com a lupa que a sociedade precisa que olhem. A redução de impostos é urgente e a desburocratização como disse o dr. Wilson Campos advogado também é urgente. Carga tributária pesada e abusiva e milhões de leis e normas ninguém aguenta mais. Att: Silvia Madureira (empresária).

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