INDULTO LEGAL, CONSTITUCIONAL E OPORTUNO.

 

Em que pese o comportamento pouco ou nada ortodoxo do deputado federal Daniel Silveira, que deveria à época ter merecido repreensão por parte da Câmara dos Deputados, se entendido que ocorreu infração ético-disciplinar em decorrência de conduta incompatível com o decoro, isso não quer dizer que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode agir na contramão do que dispõe a Constituição Federal.

Art. 53 da CF: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.  

De sorte que, além do respeito necessário e indispensável ao cumprimento da Constituição da República, há que prevalecer o respeito ao princípio da separação entre os Poderes.  

O imbróglio institucional não é de hoje, e vem se arrastando há mais de três anos. O cabo de guerra entre os Três Poderes é público e notório.

O acirramento dos ânimos se deu um dia após o STF ter condenado Daniel Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão em regime fechado por ataques a ministros da Corte. Em resposta, o presidente Jair Bolsonaro assinou, nessa quinta-feira (21 de abril de 2022), um decreto que concede “graça” ou “indulto individual” ao deputado federal.

A graça de que trata este decreto é incondicionada, e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Segundo o artigo 3º do decreto, a graça inclui as penas privativas de liberdade, de multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débito na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos.

Ao meu sentir, o presidente da República procedeu dentro do que lhe permite a prerrogativa prevista na Constituição Federal de conceder graça e indulto a quem seja condenado por crime. Se certo ou errado ou se expressão de impunidade ou não, esse é o comando constitucional que deve ser observado e cumprido e ponto final. É prerrogativa do presidente da República conceder o indulto e chega de falácias, de mimimi e de recursos requentados da politicagem contrária.  

Os esperneios dos políticos da oposição, especialmente daqueles que estão sempre nos noticiários da velha imprensa, nenhuma ação ou liminar é capaz de invalidar o ato presidencial, pois faz parte do poder constitucional discricionário do Chefe do Executivo. Ademais, nem mesmo o Congresso pode derrubar o decreto de Jair Bolsonaro, podendo o sistema bicameral apenas e tão somente rediscutir as leis que regem o tema, para enfrentamento de casos futuros.

As críticas surgidas de última hora de que o decreto é inconstitucional, ilegal e essencialmente político, não passam de alegações de parcelas de políticos que não são exemplos de moralidade em lugar algum. Trata-se de incômodos repentinos daqueles que sempre buscam sombras nos costados do STF, apesar de serem os mesmos dos holofotes e das luzes do imediatismo, do oportunismo e da demagogia.

A rigor, para ciência dos que alegam inconstitucionalidade, cumpre observar que inconstitucional é tudo aquilo que se opõe, vai de encontro ou esteja em desacordo com a Constituição. É tudo aquilo que contraria a Carta Magna ou viola o equilíbrio normativo da Ordem Jurídica. Aliás, disso muitos ministros do Supremo entendem e entendem muito bem.

Inconstitucional foi a forma como se deu a ação penal contra Daniel Silveira, desde o seu nascedouro, com o ministro que se diz vítima também ser delegado, promotor, relator e julgador. Inconstitucional é premiar condenados com absolvição e anulação de processos, manejando o julgador ao seu talante os fatos e os resultados. Inconstitucional é praticar ativismo judicial, ordinariamente, usurpando função, competência, prerrogativa e atribuição de outros Poderes.

Destarte, se querem prejulgar como costumam fazer, que então voltemos no tempo e corrijamos os rumos do STF e de alguns de seus ministros, que usam dois pesos e duas medidas, que não sabem separar o joio do trigo e muito menos usar a Constituição de forma adequada, isonômica e imparcial. É preciso deixar claro que os ministros do STF não são políticos, não são eleitos e são exclusivamente juízes, devendo, portanto, se manifestarem nos autos, e não nas redes sociais ou por meio da imprensa nacional ou internacional.  

Se o presidente da República comete erros, pior ainda o Congresso omisso e de cócoras e o Judiciário que extrapola nas suas funções e provoca atritos quando pega para si as atribuições do Legislativo e interfere na seara do Executivo, como se no país não houvesse a tripartição de Poderes.

Essa não foi a primeira vez que o decreto de indulto ganhou as páginas dos jornais. Em outras ocasiões também estiveram presentes as controvérsias e as peculiaridades.

Vejamos:

Em 4 de dezembro de 1945, o jornal O Estado de S. Paulo noticiava a concessão do benefício do indulto aos praças da Força Expedicionária Brasileira, que praticaram certos crimes quando incorporados à tropa, na Itália, por meio do decreto 20.082/1945.

Em abril de 1960, o jornal também noticiou a concessão do indulto para sentenciados primários (decreto 48.136/1960) pelo presidente Juscelino Kubitschek, destacando que seriam mais de dois mil os beneficiados.

Em outubro de 1962, a notícia era a de que não haveria mais indulto sem parecer do Conselho Penitenciário. Com efeito, o presidente João Goulart havia determinado a seus auxiliares para “não mais lhe apresentarem processos de indulto ou comutação de penas impostas a ladrões, pois não os assinaria”. Decidiu também o presidente não mais conceder indulto ou comutação de penas, sem parecer expressamente favorável do Conselho Penitenciário.

Anos mais tarde, em junho de 1980, a visita do Papa João Paulo II motivou a concessão do indulto (decreto 84.848/1980) pelo presidente João Figueiredo, aos sentenciados a penas inferiores a quatro anos e reduzindo outras penas, mas sem beneficiar os condenados por crimes de extorsão, de estupro, de tráfico de drogas e de atentado contra a Segurança Nacional.

Em 1982, o indulto do Natal (decreto 87.833/1982) beneficiou, pela primeira vez, as mulheres que tivessem filhos menores de 14 anos, além dos maiores de 60 anos e os que tivessem cometido crime entre os 18 e 21 anos.

Em 1988 ocorreram algumas peculiaridades. A Constituição Federal promulgada neste ano estabeleceu em seu art. 84, inciso XII, a competência privativa do presidente da República para concessão do indulto e comutação de penas. O então presidente José Sarney editou o decreto 97.164/1988 e excluiu do benefício os condenados que tivessem deixado de reparar o dano que causaram e os autores de crimes considerados graves.

Em 2012, ao conceder o indulto às vésperas do Natal (decreto 7.873/2012), a presidente Dilma anunciou duas mudanças que beneficiaram mulheres com filhos menores e pessoas que cometeram crimes ao patrimônio com prejuízos pequenos. O decreto deste ano inovou beneficiando mulheres condenadas e presas por crimes não hediondos, que tivessem cumprido pelo menos um quarto da pena, com bom comportamento e que tivessem filhos de até 18 anos ou com deficiência. Antes a regra valia para mulheres com filhos de até 14 anos.

Em 2017, o presidente Michel Temer (decreto 9.246/2017) concedeu indulto natalino e comutação de penas, mas o decreto restou parcialmente suspenso por decisão liminar da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF à época, em ADIn ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR). A Procuradoria impugnou o inciso I do artigo 1º, o parágrafo 1º do artigo 2º e os artigos 8º, 10 e 11 do decreto, apontando “um agravante desrespeito ao Poder Judiciário”.

Neste caso concreto, em sua decisão, a ministra Cármen Lúcia pontuou que o indulto é providência garantidora, num sistema constitucional e legal em que a execução da pena definida aos condenados seja a regra, possa-se, em situações específicas, excepcionais e não demolidoras do processo penal, permitir-se a extinção da pena pela superveniência de medida humanitária.

O decreto de 2017 de Temer foi analisado pelo STF em 2018. Barroso votou pela parcial procedência da ação, o que foi seguido pelo ministro Edson Fachin. O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência, votando pela improcedência da ação, ou seja, pela validade do decreto. A ministra Rosa Weber e os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Celso de Mello seguiram a divergência. O julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Fux, que julgou a ação procedente, para a inconstitucionalidade do decreto. Para ele, o decreto viola o princípio republicano, porque dilui incentivos à honestidade no trato da coisa pública. “Benefício arbitrário em manifesto desvio de finalidade”, afirmou. A ministra Cármen Lúcia seguiu o relator, pela parcial procedência. Já o ministro Dias Toffoli, votou pela improcedência da ação. Resultado: a decisão se deu por maioria, por 7x4, confirmando o indulto de Temer e perdoando crimes do colarinho branco.

Em 2018, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, disse que o indulto presidencial “é ato de clemência constitucional e privativo do presidente da República”. “Podemos gostar ou não, assim como vários parlamentares também não gostam quando o STF declara inconstitucionalidade de leis ou emendas, mas existe”, sustentou o magistrado, ao votar a favor do indulto natalino do então presidente Michel Temer.

Enfim, diante de todo o exposto, entendo que a questão resta pacificada. As razões não são apenas minhas, mas de juristas renomados e doutrinadores majoritários. O jurista Ives Gandra Martins afirma que a decisão do presidente Jair Bolsonaro de conceder indulto penal ao deputado federal Daniel Silveira é uma competência absoluta e não cabe questionamentos do STF. Diz ainda o jurista que o STF não pode ir contra a própria jurisprudência, e lembra que, em 2019, o Supremo validou indulto a condenados da Lava Jato, inclusive com o voto do ministro Alexandre de Moraes.

E aquele que foi o espelho de todos os juristas, o “Águia de Haia”, político, diplomata, advogado e notável jurista, Rui Barbosa, assim disse sobre o indulto, há mais de 100 anos: “Nenhum poder mais augusto confiou a nossa lei fundamental ao Presidente do que o indulto. É a sua colaboração na justiça”.

Portanto, sem mais delongas, o indulto constitucional decretado pelo presidente Jair Bolsonaro, benefício concedido ao deputado federal Daniel Silveira, ao meu sentir, é perfeitamente legal, constitucional e oportuno. O presidente da República procedeu dentro do que lhe permite a prerrogativa prevista na Constituição Federal de conceder graça e indulto, e a medida resta legal e absolutamente amparada pela Carta Magna.

Art. 84, da CF - Compete privativamente ao Presidente da República: [...] XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Pessoal se a CF diz que deve ser assim não cabe e ninguém dizer o contrário. Ou então mudem a CF para uma outra e mudem as caras dos personagens do Congresso e do Judiciário. Quem não respeita a CF não pode viver neste país ou exercer ofício aqui. Ou respeita ou sai. Simples assim. Dr. Wilson Campos advogado como sempre afiado com as leis e e as normas e dando opinião equilibrada e dentro do que é legítimo e legal. Parabéns. BH/MG. César Paulino.

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  2. O Brasil está precisando mais de igreja e de humildade para todos os senhores e senhoras do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, porque o Executivo do Bolsonaro está trabalhando certo e quieto , mas os outros ficam atormentando e assim ninguém aguenta. Depois que acontecer alguma coisa de pesado no ambiente todos vão reclamar e sair correndo do país. Não queremos aqui os regimes odiosos de Cuba, Venezuela, China, etc. Não aqui pelo amor de nosso senhor Jesus Cristo. Queremos um país de gente boa e trabalhadora e cumpridora das leis. Vamos cumprir as leis gente vamos? Dr. Wilson o senhor ensina, fala e prega a legalidade mas parece que ninguém quer escutar e todos se acham uns melhores que os outros. Tristeza danada. Att: Rosângela Dantés.

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  3. O que Ru Barbosa disse a mais de cem anos não serviu para esses ministros do STF até hoje? O que é isso ministros? O melhor a fazer é apaziguar os ânimos porque se não o bicho vai pegar e o povo nas ruas e os tanques também é coisa de dar medo. Vamos sentar e conversar e como disse o Dr Wilson vamos ler a CF e só fazer o quela ela permite e como ela permite. Ponto final. Abr. Arthur Bitencourt.

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  4. Mais um excelente texto, que ao mesmo tempo ensina, nos deixa angustiados.

    Parabéns...

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  5. Tássia M. Albuquerque23 de abril de 2022 às 12:09

    Simples entender o indulto: está na CF; é prerrogativa do PR como disse o dr. Wilson Campos, adv, e como diz a CF; portanto é legal, constitucional e oportuno. Ponto final. Cumpra-se. Att: Tássia M. Albuquerque. Grande BH/MG.

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  6. SOU PENAS UM SIMPLES SECURITÁRIO SEM CONDIÇÕES DE AVALIAR TAMANHA DEMANDA.DR. WILSON CAMPOS EM BRILHANTE COMENTÁRIO É QUE TEM PRERROGATIVAS PARA AVALIAR O QUE CONSTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SE DR. WILSON CONFIRMOU A LEGALIDADE DA DECISÃO POR PARTE DO EXMO SR. PRESIDENTE DA REPUBLICA EU TAMBÉM CONCORDO COM ESSA DECISÃO.O QUE ESTÁ ESCRITO,ESTÁ ESCRITO.

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