RECLAME CERTO
Em
tempos bicudos, como os atuais, as pessoas passam a reclamar mais do que o
usual. Normalmente, o cidadão queixa-se de tudo. Motivos não lhe faltam,
porquanto o salário seja curto e as despesas cada vez maiores. Os juros, a
inflação e o desemprego colaboram para o aumento gradativo das reclamações.
O
brasileiro reclama dos impostos, do preço da gasolina, da passagem de ônibus,
das contas de água, luz e telefone, do péssimo serviço público, da saúde, da
educação, da violência, da insegurança, da corrupção, da impunidade, das filas
nos bancos, da poluição, das enchentes, do lixo. O brasileiro sofre, mas
reclama. Reclama muito. Mas reclama com razão, na maioria das vezes.
No
entanto, o cidadão reclama de forma errada, porque não direciona corretamente o
seu descontentamento. Não manda o recado a quem de direito. Erra o alvo.
Passada
a raiva, o cidadão deixa no esquecimento o motivo do seu desalento. O comodismo
e até mesmo a preguiça conduzem o portador da reclamação a lugar nenhum, porque
a sua queixa não foi entregue à pessoa que poderia responder pelo
constrangimento, pelo vício, pelo defeito ou pelo direito negado. A coisa fica
esquecida até que um novo problema surge e a reclamação recomeça.
O
cidadão comete o pecado capital de não reclamar com a pessoa certa, para que
ela responda pelo dano causado, individual ou coletivamente. O erro não é
corrigido porque a reclamação não é endereçada ao destino correto. O vício não
é sanado porque foi deixado pra lá. A satisfação não é garantida porque o
direito não foi buscado e nem a reclamação foi levada a cabo.
Os
Estatutos existentes são para serem usados na defesa dos direitos de cada
categoria, seja do consumidor, do idoso, da pessoa com deficiência, da criança
e do adolescente, da juventude, do torcedor, da igualdade racial, da cidade ou
da metrópole. As demais leis e os códigos, da mesma forma, devem servir para
proteger o direito da pessoa. A fiscalização e a garantia do cumprimento das
normas é um dever do Estado.
A
judicialização em muitos casos se faz necessária. Com boa-fé, toda e qualquer
ação judicial, na defesa de direitos consagrados, pode e deve ser recepcionada
pelo Judiciário, independentemente do valor da causa. Não há que se discutir o
direito de pedir por direito. Ou o direito existe ou não, mas deve ser
procurado onde quer que seja ou esteja.
As
muitas empresas que são demandadas judicialmente por prestação de serviço
insuficiente ou vendas defeituosas são culpadas e reconhecem essa condição,
embora achem normal, uma vez que os consumidores reclamam em número muito menor
do que o esperado por estes maus empreendedores. A culpa é do cidadão, que
compra e não exige receber o serviço ou o produto de forma adequada. Se, por
esse e outros motivos negativos, mais ações judiciais fossem apresentadas pelos
consumidores, mais respeito e compromisso eles teriam dos fornecedores.
Existem
casos declarados de que as empresas não melhoram os seus serviços porque
ninguém pede por melhoria. Há casos de empresas que ficam indiferentes ao
direito do consumidor porque as reclamações são poucas e equivalem a uma
porcentagem pequena em relação ao contingente de clientes. Ou seja, se poucos
reclamam, por que a empresa deveria se preocupar em melhorar a qualidade do
serviço ou do produto?
Por
isso, é muito importante que o cidadão aprenda a ser um consumidor mais
exigente. Exija seus direitos e registre os abusos ocorridos, seja com relação à
qualidade, à garantia, ao valor gasto ou ao prejuízo financeiro sofrido. Busque
pelo seu direito e cumpra com o seu dever. Seja uma pessoa engajada na
sociedade, que trabalha em prol da coletividade e não do individualismo
exacerbado. Seja solidário. Contribua de forma que as demais pessoas, além de
você, não sejam lesadas nos seus respectivos direitos, mesmo que o valor do
objeto seja pequeno.
A
reclamação pela via judicial ou extrajudicial requer certeza mínima do direito
pretendido, posto que o conhecimento da alegação que se vá fazer seja requisito
da garantia, do reembolso ou da entrega de novo produto, se o caso. Ou seja, antes
de reclamar, saiba como arrazoar o direito que irá pleitear.
Por
oportuno, vale lembrar que a reclamação certa significa reclamar com justiça,
sem exageros e sem a pretensão de enriquecimento ilícito. Reclame certo, por pequenas
ou grandes quantias, com a certeza de que a sua reclamação servirá de exemplo
para que outras pessoas não sejam enganadas.
Mas,
vale também a recomendação quanto à argumentação e à linguagem utilizadas na
hora de reclamar. A educação deve estar sempre presente nos "por
favor", "por gentileza", "senhor", "senhora",
"obrigado". A raiva e a falta de educação não são convenientes no
momento da reclamação, embora se saiba que isso seja quase impossível. Faça um
esforço e seja ponderado, e não abra mão do seu direito, mas reclame certo.
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Wilson
Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
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