INAPLICABILIDADE DE MULTA



Adotar por analogia ou importar normas do CPC para a CLT não tem sido sempre fácil, ainda mais no presente caso em que houve o entendimento de que a multa coercitiva do artigo 523, § 1º do CPC não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o processo do trabalho, ao qual não se aplicam. Segundo ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) prevalece a inaplicabilidade dessa multa.

Art. 523 do CPC - No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
§ 1º - Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

Por maioria de votos, o Pleno do TST reafirmou jurisprudência pela inaplicabilidade da multa de 10% prevista no CPC para o devedor ao processo do trabalho. Prevaleceu a tese divergente do ministro João Oreste Dalazen, em longo julgamento de IRDR que foi noite adentro da segunda-feira, 21.

Em foco, o art. 523, § 1º do CPC 2015 (antigo art. 475-J, CPC/73). O dispositivo prevê a multa caso não ocorra o pagamento voluntário de obrigação de pagar quantia certa no prazo de 15 dias.

Embora tenha redigido voto de 44 páginas, o ministro Maurício Godinho, relator do processo, foi direto ao ponto ao apresentar o voto: explicou que em decorrência do preceito constitucional da CF que determina ao Judiciário dar eficiência, celeridade e efetividade às suas decisões, o caso é de compatibilidade das normas, mas com adequações.

Embora de fato não se negue que há norma própria na CLT (prazo de 48horas sob pena de penhora), desde que se faça adequação dos prazos, não se pode ter prazo de 48 horas e penalidade de 10%, seria inadequado. Ou se aplica a penalidade (com prazo de 15 dias) ou a norma se torna incompatível.”   

O ministro citou "a força" do artigo 15 do CPC/15, o qual determina que se faça a aplicação subsidiária ou supletiva: "Este é um caso. Hoje um argumento de presença explícita e literal de norma não é mais o bastante. O argumento central é se a norma importada do CPC agrega sentido ao processo do trabalho, e neste caso agrega."

Nas adequações propostas, o relator propôs as seguintes teses:
1 - A multa de 10% prevista no art. 523, § 1º do CPC/15, em regra, é compatível com o processo do trabalho, podendo ser aplicada.
2 - Excepciona-se a aplicação da multa apenas nos casos em que:
a) seja uma execução contra a Fazenda Pública;
b) se já houver total garantia do juízo pelo valor do depósito recursal; e
c) na execução de acordo, quando já estabelecida cominação específica.
3 – A definição quanto a aplicação da multa de 10% para ocaso do devedor não adimplir o valor da condenação no prazo de 15 dias deve constar no dispositivo da decisão proferida na fase de conhecimento e, somente na inobservância ao inadimplemento tempestivo, é que haverá aplicação efetivada multa.

Também a revisora, ministra Kátia Arruda, entendeu compatível a regra do CPC com o processo do trabalho. Segundo a ministra, o dispositivo não se insere no âmbito da execução forçada do julgado, mas a precede, de modo que pode inclusive tornar a execução desnecessária se alcançar sua finalidade: "A rigor o bom pagador será beneficiado, com prazo razoável de pagamento (15 dias) e anterior à execução, que é momento mais gravoso, em que seus bens podem ser penhorados. Se entendermos que são duas fases, uma antecedente à execução, não podemos afirmar que há incompatibilidade. Não há afronta ao art. da CLT.”

A divergência que prevaleceu no julgamento foi iniciada com o voto do ministro João Oreste Dalazen. De acordo com o ministro, o direito processual trabalhista impede a invocação supletiva do dispositivo.

"A CLT regula de modo totalmente distinto o procedimento da execução por quantia certa. O CPC prevê 15 dias para um único ato (pagar a dívida). No processo do trabalho, ao contrário, os arts. 880 caput e 882 asseguram ao devedor a faculdade de, no prazo de 48 horas após a citação, pagar ou garantir a execução. Enquanto no Processo Civil a via é única, no Processo do Trabalho é alternativa."

Para Dalazen, reconhecer a compatibilidade da multa coercitiva do CPC com o processo do trabalho levará a uma insegurança jurídica, e inclusive o ministro chamou a atenção para "uma explosão de ações rescisórias".

Ao fim do voto, propôs a seguinte tese: "A multa coercitiva do artigo 523, §1º do CPC não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o processo do trabalho, ao qual não se aplicam."

O primeiro ministro a acompanhar a divergência de Dalazen foi Brito Pereira, seguido pelos ministros Maria Cristina Peduzzi, Renato de Lacerda Paiva, Emmanoel Pereira e Aloysio da Veiga. O ministro Aloysio rechaçou um dos argumentos da corrente contrária, qual seja, o problema da execução das sentenças trabalhistas: "Não são os 10% que irão definir o gargalo da execução. A regra é incompatível com o processo do trabalho enquanto houver norma própria."

Também votaram com a divergência os ministros Alberto Bresciani, Maria Calsing, Dora Maria da Costa, Fernando Ono, Caputo Bastos, Walmir Oliveira da Costa e, por fim, o presidente do Tribunal, ministro Ives Gandra.

Ficaram vencidos no julgamento, além do relator e da revisora, os ministros Augusto César, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Arantes, Hugo Carlos, Cláudio Brandão, Douglas Alencar, Maria Helena Mallmann, Lelio Corrêa e Vieira de Mello Filho.

Assim posto, vale observar os pontos de vistas diferentes, ainda que enfrentando em linhas gerais: multa coercitiva; processo do trabalho; inaplicabilidade; políticas públicas; desequilíbrio processual; linha tênue da questão.

Como afirmado no início: "A multa coercitiva do artigo 523 §1º do CPC não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o processo do trabalho, ao qual não se aplicam." Esta foi a tese aprovada dia 21/08 pelo pleno do TST no julgamento de demanda repetitiva que foi até às 20h. A tese é do ministro João Oreste Dalazen, autor do voto divergente que prevaleceu, a favor da manutenção da jurisprudência da Casa, pela inaplicabilidade da multa de 10% para devedor que não paga obrigação de quantia certa no prazo de 15 dias.

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que compôs a corrente majoritária, rechaçou um dos argumentos a favor da compatibilidade da multa coercitiva, qual seja, o problema da execução das sentenças trabalhistas: "Não são os 10% que irão definir o gargalo da execução. Ele tem outras causas, que políticas públicas podem solucionar. A regra é incompatível com o processo do trabalho enquanto houver norma própria." O ministro asseverou que o problema das execuções tem nome: crise econômica.

O ministro Vieira de Mello Filho, ao acompanhar o entendimento do relator pela aplicação da multa no processo do trabalho, chamou a atenção para o fato de que, na tribuna, manifestaram-se como amicus curiae advogados de Confederações que "vieram defender, obviamente, a tese da não aplicabilidade da multa" - quais sejam, do agronegócio, da indústria e do sistema financeiro. "E esse interesse difuso, de ordem pública, quanto ao cumprimento moral e ético das decisões condenatórias, quem o faria nesses casos? Não seria o caso de ter o Ministério Público participado dessa discussão, desse debate, equilibrando o processo democrático de formação da decisão judicial? E não é a primeira vez que se aventa essa circunstância", ponderou, antes de vaticinar: "amicus curiae é para isso".

Último a votar no importantíssimo julgamento, e sem se fazer de rogado pelo adiantado da hora, o presidente Ives Gandra fez questão de dizer porque era a favor de afastar a multa para o devedor. "Estamos num cotejo entre o desejável e o possível, o que gostaríamos que fosse nosso ordenamento jurídico processual e o que a lei nos oferta. Temos nossa lei, mas queremos mais. Podemos mais?", afirmou ao lembrar que foi enviado projeto de lei sobre o tema ao Congresso e este não se manifestou, em "um silêncio eloquente". "Não podemos dizer que há omissão do legislador. Ele não quis mudar [a lei]".

Processo relacionado: 1786-24.2015.5.04.0000


Wilson Campos (Advogado/Especialista com pós-graduação em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).



Comentários

  1. Excelente ajuda no meu trabalho de faculdade, além de ser de fácil compreensão o texto do Dr. Wilson Campos. Uma coisa é certa: o depósito recursal precisa ser melhor corrigido monetariamente quando da devolução ao empregador, uma vez a garantia da dívida trabalhista, não pode ficar depreciada ou desvalorizada, sob pena de ser mais uma punição ao empregador. Valeu mesmo pelo artigo e pela aula de como explicar bem sem complicar. Marco Aurélio G.L. Jr.

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  2. Se nem os ministros do TST se entendem sobre a multa, o que ser feito é todos repensarem a aplicabilidade do CPC para direito civil, trabalhista, tributário, consumidor, família, etc, etc....
    Caso contrário, o operador do direito é que fica doido diante de tanta indecisão da própria lei na sua verdadeira destinação e aplicação. Parabéns dr. Wilson pelo artigo, texto, aula. Demetrius H.J.Lanz, advogado, professor,mestre, doutor em direito.

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