PLANO DIRETOR DE BH VERSÃO 2017



Tramitando na Câmara Municipal há mais de dois anos, o Plano Diretor de Belo Horizonte (Projeto de Lei nº 1.749/2015), de autoria do Executivo, estabelece as diretrizes para o desenvolvimento urbano, traça metas e orienta a ocupação da cidade.

A novela do Plano Diretor sempre que esbarra nos interesses de setores privilegiados transforma a problemática em quase impossibilidade de diálogo sobre as propostas aprovadas na 4ª Conferência Municipal de Política Urbana realizada em 2014.

O debate sobre os contornos do novo Plano Diretor da capital será retomado oficialmente nesta semana na Câmara Municipal, diante da expectativa de apresentação pela prefeitura de uma versão mais enxuta do projeto.

Alguns vereadores contavam com a apresentação desse substitutivo ao PL do Plano Diretor no começo de agosto. Mas a prefeitura optou por aguardar a reação dos parlamentares às discussões que serão feitas no Seminário “Novo Plano Diretor de BH – Integrando desenvolvimento urbano, social e ambiental”, que será realizado hoje e amanhã na Câmara.

Embora passados três anos da deliberação da sociedade sobre o Plano Diretor, agora dizem que há certa urgência na sua votação, já que os resultados da aprovação da última conferência municipal, realizada em 2014, que subsidiam o documento de regulação urbana, perdem validade no final deste ano. Uma nova conferência precisaria ser convocada pela prefeitura caso o PL não seja votado até lá.

A paralisação do novo Plano Diretor na Câmara se deve à inércia do Executivo e do Legislativo municipais, e por ser, segundo alguns, bastante controverso, mormente por trazer regulamentações que ampliam o controle sobre o setor da construção civil. Sua base é o estabelecimento do coeficiente construtivo 1 (um) para toda a cidade – a exemplo do que acontece em outras capitais, como São Paulo e Porto Alegre, e é recomendado pelo Ministério das Cidades.

Esse coeficiente significa que, num terreno de 600 m² é possível ter como área construída somente uma vez essa área, ou seja, 600 m². Acima desse valor seria preciso pagar taxas extras – recurso que seria revertido para políticas urbanas. Hoje há variações nos coeficientes construtivos na cidade, ainda que em algumas áreas ele já seja 1 (um).

Os empresários da construção civil são os principais críticos desse ponto. A visão deles é que o Plano é muito ruim para o setor produtivo na forma como está apresentado. Segundo alegam, não só fica mais caro construir como se perde o interesse das atividades na cidade, podendo levar a migração de empresários para outras cidades da região metropolitana.

Outras vertentes da cidade enxergam que há avanços em relação ao Plano atual, como o IPTU progressivo (com aumento do imposto em caso de especulação), e um fundo municipal e uma política de moradia. Existe um conjunto de políticas urbanas incorporadas pela primeira vez na cidade. O governo trabalha para um substitutivo, mas fica difícil mudar os princípios já adotados.

No entanto, independentemente dessas pontuações, torna-se necessário que os vereadores e a prefeitura se mantenham fiéis às bases do que foi discutido na conferência, que tem legitimidade e teve efetiva participação popular. A não aceitação do Plano votado pela sociedade levará ao desrespeito da opinião pública.

A complexidade do projeto não justifica deixar de escutar a sociedade, de todas as formas possíveis. A exigência é que seja feito o melhor para a cidade.

A prefeitura cogita que há condições de o substitutivo ser apresentado para ser votado em primeiro turno em setembro. Mas até o momento as alterações feitas pelos técnicos do município têm sido apenas para facilitar a aplicação das novas regras e diminuindo o número de exceções.

Os vereadores, no entanto, não sabem ainda para que lado o pêndulo vai a partir do momento em que o prefeito Alexandre Kalil se engajar de fato no debate – inclusive devido ao fato de ele ser empresário do setor da construção civil.

O setor empresarial sempre informa que está à disposição para o debate e que irá apresentar uma proposta com alternativas para o Plano Diretor. Resta saber se os demais setores receberão de bom grado essa oferta empresarial.

O Plano Diretor em vigor hoje em Belo Horizonte está deslocado dos desafios da época atual, pois foi elaborado ainda no mandato de Patrus Ananias (1993- 1996) e, por conseguinte, anterior ao Estatuto das Cidades (2001), que trouxe uma série de regras que buscam melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos.

Ao lado do coeficiente de construção 1 (um) em todo o município, outra base do Plano é o estímulo pela prefeitura ao estabelecimento de novas centralidades pela cidade. A ideia é ampliar a existência de redes de comércio e serviços em mais regiões, “desafogando” o centro e buscando reduzir deslocamentos da população pela cidade.

O Plano propõe ainda a demarcação de áreas de interesse social no município. Elas se tornariam foco de investimento urbanístico prioritário da prefeitura – como algumas ocupações urbanas.

Outras propostas são a redução nas vagas de garagem em novos imóveis e o IPTU progressivo, que implica no aumento do imposto em casos em que não há destinação social de imóveis – como o “abandono” de lotes à espera da valorização para a venda.

O Plano também trabalha com a lógica das operações urbanas – instrumento já utilizado em cidades como São Paulo. Com elas, a proposta é estimular o adensamento da cidade em algumas áreas próximas a corredores de transporte coletivo. Nas áreas das operações, o potencial construtivo seria maior do que no restante da cidade, mas o aumento do limite do tamanho dos empreendimentos seria condicionado à melhoria da infraestrutura urbanística do entorno feita pelos empreendedores.

Ademais disso tudo que já foi dito, a verdade nua e crua é que o projeto do novo Plano Diretor da cidade resta, abandonado, na Câmara dos vereadores.

O desenvolvimento da cidade está prejudicado pelo jogo de empurra de alguns setores e das próprias prefeitura e Câmara Municipal.

A outra vertente da história é que a citada 4ª Conferência de Política Urbana, que deveria ter sido realizada em 2013, só foi acontecer em 2014. A protelação do evento, inexplicada até hoje por parte do Executivo municipal, refletiu-se no andamento dos trabalhos, desde as plenárias regionais para eleição dos delegados, que foram tumultuadas e mal conduzidas pela administração, até o fechamento das propostas que formariam o novo Plano Diretor.

Os 243 delegados eleitos pelos setores popular, técnico e empresarial, logo na abertura da conferência, esbarraram na intransigência da mesa diretora, que não admitiu a revisão do regimento nem o colocou sob apreciação da plenária. A conferência começou com ares de autoritarismo. O cronograma seguiria, apesar de os delegados se mostrarem pouco ou nada confortáveis com a situação constrangedora.

Algumas mudanças foram implementadas, e um pouco de democracia começou a fluir entre os participantes, que se debruçaram na análise das propostas da prefeitura, na oferta de novas propostas, na construção dos debates e na regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). A conferência durou de fevereiro a agosto de 2014. As propostas foram votadas e entregues ao município.

No bojo das discussões do instrumento básico da política de desenvolvimento foram eleitas as propostas de qualidade de vida, respeito à dignidade da pessoa humana, atendimento ao interesse social, planejamento da cidade, execução da infraestrutura adequada, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, e cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização.

Vale notar que ao governo municipal não é dado substituir a verdade pela presunção, ainda mais porque o Plano Diretor esteve em sua posse desde agosto de 2014, sendo repassada para a Câmara dos Vereadores um ano depois e, agora, após mais um ano, está sob a guarda sonolenta dos nobres parlamentares. Ou seja, o Executivo contribuiu para a demora exagerada de trâmite do novo Plano Diretor, que resta inerte, engavetado pelo Legislativo, que por sua vez contribui para o adiamento da votação do projeto.

Os elogios vão para o trabalho exaustivo, voluntário e cidadão dos delegados, que permaneceram do início ao fim da conferência na busca de um município melhor para todos e que souberam entender que a diversidade das cidades faz com que seja normal a existência de objetivos conflitantes. Por isso, discutir sobre eles pode ajudar a encontrar soluções que contemplem mais de um ponto de vista.

As dificuldades de entendimento quanto a coeficiente de construção, outorga onerosa, vagas de garagem, novas centralidades, áreas de interesse social, operações urbanas especiais, IPTU progressivo e valores que possam incidir sobre os eixos do plano não podem obstar a consecução do projeto, que já custou R$4,7 milhões aos cofres públicos.

Assim, que se realizem então os debates em torno do novo Plano Diretor, mas que isso leve a uma solução definitiva, porque a cidade está parada, estagnada, sem desenvolvimento e sem o crescimento desejados. E vale lembrar que a cidade não é de uns, mas de todos.

Clique aqui e continue lendo sobre atualidades da política e do Direito no Brasil

Wilson Campos (Advogado/Delegado Técnico da 4ª Conferência).



Comentários

  1. Realmente virou novela o plano diretor de BH. Numa hora a prefeitura quer uma coisa, na outra a Câmara dos vereadores quer outra, e em outra hora os empresários querem virar a mesa. A população precisa reagir e mostrar para esses três que quem manda é o povo. Chega de protecionismo e privilégios na cidade, de vereadores fazendo o que o empresário quer e de prefeito costurando tudo dentro de gabinetes. Aliás, a equipe de governo do atual prefeito é a pior de todos os tempos - os aspones não sabem nem por onde passou administração pública e pensam que prefeitura é o mesmo que assessorar time de futebol. Brincadeira!!! Êta equipe ruim de serviço essa do prefeito Kalil. Dá medo!!! Já o artigo do dr. Wilson Campos é nota 10!!! Oséas Jacob G. F.

    ResponderExcluir
  2. A solução é a população cobrar mais dos seus representantes, que depois de eleitos ficam brincando de trabalhar. O certo é aprovar o que a sociedade votou na Conferência, porque os moradores, a sociedade, a população é que sabe o que mais precisa na cidade, e não prefeito e vereadores e equipes mal treinadas e pouco capacitadas. O texto do dr. Wilson Campos é explicativo e mostra a verdade que precisa ser olhada pelos políticos do Legislativo e do Executivo. Parabéns Dr. Wilson. Valeu mesmo. Abraço. Tadeu S.B.M.

    ResponderExcluir
  3. Tudo culpa da prefeitura e dos vereadores que querem fazer a vontade dos empresários da construção civil em BH. Esse novela que se arrasta em capítulos mexicanos é do tipo que só interessa aqueles que querem vencer pelo cansaço, e quando o povo cochilar eles aprovam de acordo com o interesse do empresário da construção civil e a população que se vire com o que vier depois. Todo cuidado é pouco com esses espertos que visam o dinheiro e o lucro e não o interesse da população, que inclusive, é quem vai pagar a conta no final de tudo. Ver para crer. José Carlos B.S. - morador, cidadão, contribuinte.

    ResponderExcluir
  4. A boa técnica diz que a análise preliminar é uma antecipação do que pode ser realizado. O Plano é bom , mas não agrada a todos - essa é a análise preliminar. Discutir, dialogar, reavaliar, sopesar e chegar a um termo comum - isso pode ser realizado. Sem ouvir as partes interessadas, embora tenha acontecido a Conferência e mereça respeito o trabalho dos delegados, inclusive do autor desse excelente artigo, Dr. Wilson Campos, não se poderá concluir nada de efetivo, uma vez que a cidade é de todos, mas há investimentos a serem feitos pela iniciativa privada e cabe à prefeitura e vereadores trabalharem para que isso aconteça o mais rápido possível. A cidade, a população, todos, esperam por uma solução razoável para o desenvolvimento. Júlio M.Silva, arquiteto, BH.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas