INTERESSES E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
Com
certeza, os pobres não têm representantes em Brasília, mesmo porque eles não
fazem parte da seleta turma das isenções tributárias e muito menos do
prestigioso grupo da política monetária do país. Os bem representados são todos
aqueles que são tidos como os donos do poder. E a sociedade sabe muito bem de
quem se trata.
O
bolo da dívida pública não é assumido pelos donos do poder, que mexem os
pauzinhos para que o ônus fique apenas com a classe média e com os proletários
sem representação no Planalto Central. Daí afirmar que os interesses e direitos
difusos e coletivos estão colocados propositadamente em segundo e terceiro
planos, uma vez que apenas interessa aos donos do poder os seus interesses
pessoais e diretos.
Depois
dessa introdução citando questões da área econômica, que foi feita apenas para
separar o joio do trigo, vamos agora direto ao ponto: falar dos interesses
difusos e coletivos e de raspão enfrentar o direito também sob esse enfoque.
Com
o advento do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), alguns assuntos começaram a
ser mais bem compreendidos pela coletividade, principalmente no que diz
respeito ao que sejam os interesses e direitos difusos e coletivos, largamente
consagrados para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais, seja pela
participação da população ou pela cooperação entre os governos, a iniciativa
privada e os demais setores da sociedade.
Mas
o Estatuto da Cidade não foi suficiente, uma vez que os donos do poder ainda
manipulam números, medidas e providências públicas que poderiam beneficiar os
portadores dos interesses difusos e coletivos. O poder público sabe dessa
afronta, mas não reage ou não se posiciona contra os donos do poder e inimigos
dos direitos difusos e coletivos.
Vez
ou outra, o Estado, em busca da viabilização dos interesses que não são
necessariamente estatais, passa a reconhecer questões comuns a toda
coletividade, compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas.
Trata-se dos interesses transindividuais, os quais transcendem o âmbito
puramente individual, mas não consistem exatamente em interesse público.
Não
sendo isso suficiente, porque o Estado é conivente com os bem representados em
Brasília, surge, então, a advocacia para defender os interesses e direitos
difusos e coletivos.
Vale
notar que a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB é uma autarquia federal de
regime especial, regulada pela Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, o Estatuto
da Advocacia e da OAB, que prevê, em seu art. 44, o seguinte:
Art.
44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de
personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I
– defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito,
os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis,
pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
instituições jurídicas;
II
– promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a
disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
§
1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo
funcional ou hierárquico.
Destarte, a OAB presta
serviço público e tem a finalidade de defender a Constituição, a ordem jurídica
estabelecida, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis,
a rápida administração da justiça e pela melhoria da cultura e das instituições
jurídicas. Tem finalidade, ainda, de promover a representação e a defesa dos
advogados no Brasil.
A conclusão, em
rápida análise, é que a Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade para a
defesa de interesses metaindividuais (difusos ou coletivos), ou seja, que não
públicos nem individuais.
Ultrapassada essa
fase de demonstração de que os interesses difusos e coletivos não têm guarida
no Planalto Central, vamos entrar na conceituação do que sejam esses direitos,
para que o cidadão possa entender, de fato, do que se trata.
Sem o rigorismo
terminológico, que não acrescenta excelência aos termos, embora respeitados os
doutrinadores que primam pela diferenciação, prepondera o entendimento de
sinonímia entre "direito" e "interesse", quando se trata da
ampliação do espectro de tutela jurídica e jurisdicional dos interesses difusos
e coletivos.
Na
realidade, o que se pretende, de fato, é a busca pelo reconhecimento de
instrumentos legais que promovam a tutela coletiva, sem distinção, haja vista
que a meta a ser alcançada seja a de dar efetividade aos postulados da
cidadania e da dignidade da pessoa humana.
De bom
alvitre, a tutela dos interesses difusos não pode ficar restrita às questões
básicas do consumidor, do meio ambiente ou do patrimônio cultural, posto que
ela deva alcançar os novos conflitos de massa, notadamente na área social, como
o acesso dos excluídos, para a erradicação da pobreza e da marginalização e a
diminuição das desigualdades sociais e intelectuais.
Os
interesses difusos ocorrem quando não se pode identificar um prejudicado
determinado, sendo os sujeitos de direito integrantes de uma grande massa
lesada. O objeto é de natureza indivisível, além do que o prejuízo sempre se
origina de um fato comum que une os interessados em um só descontentamento. É exemplo
clássico de interesse difuso, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Já nos
interesses coletivos, os lesados são determinados, ou pelo menos determináveis,
e sempre estão ligados entre si ou com o transgressor por uma relação jurídica-base,
não havendo como se fragmentar ainda as parcelas de interesse. É exemplo, o
direito da Associação de Moradores representar a sua comunidade em determinada
demanda em face do poder público, assegurando a qualidade de vida e a melhoria
dos serviços naquela região.
Apesar
dessas diferenças conceituais, não raras vezes, peculiaridades de uma ou outra
categoria desses interesses fundem-se, proporcionando-lhes a defesa coletiva
sob diferentes focos, de acordo com a característica ressaltada pelo substituto
processual no manejo da ação civil pública. O importante, portanto, é saber
identificar quando o prejuízo causado por um evento transcende a esfera de
interesse íntimo para propagar-se pela seara de insatisfações comuns a certa coletividade.
Os
interesses difusos e coletivos da sociedade são também o que se pode chamar de
direitos de terceira geração, onde são consagrados os princípios da
fraternidade e da solidariedade. São direitos que transcendem o indivíduo e são
designados como transindividuais, obrigando o reconhecimento e a proteção de
direitos como a qualidade de vida, a saúde, a segurança, o meio ambiente
equilibrado, o desenvolvimento com sustentabilidade, dentre outros de natureza
fluída, cuja titularidade compete àqueles de posse da consagrada e
constitucional cidadania.
Nesse
sentido, vejamos alguns exemplos: 1) o direito das
pessoas não serem expostas a propagandas enganosas e abusivas veiculadas pela
televisão, rádio, jornais, revistas ou painéis publicitários; 2) o direito a um
meio ambiente equilibrado, sadio e preservado para as presentes e futuras
gerações; 3) o direito do cidadão ter uma qualidade de vida urbana e rural
saudável; 4) o dano difuso gerado pela falsificação de produtos por empresas
inescrupulosas; 5) a destruição, pela indústria da construção civil, do
patrimônio ambiental, artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; 6) a defesa
do erário público, de forma que este seja conduzido para as funções sociais; 7)
o dano causado pelas cláusulas abusivas inseridas em contratos padrões de
massa; 8) produtos com vícios de qualidade ou quantidade ou defeitos colocados
no mercado de consumo; 9) o transporte urbano de qualidade; 10) o direito da coletividade a ruas limpas, iluminação
pública eficiente, coleta de lixo adequada, praças e parques para lazer, entre outros.
Em suma, observemos o
entendimento da doutrina:
Por um lado, são direitos difusos
(art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor - CDC) os
transindividuais (metaindividuais, supraindividuais, pertencentes a vários
indivíduos), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo),
e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade
dos sujeitos, não há individuação) ligadas por circunstâncias de fato, não
existe um vínculo comum de natureza jurídica, v.g., a publicidade enganosa ou
abusiva, veiculada através de imprensa falada, escrita ou televisionada, a
afetar uma multidão incalculável de pessoas, sem que entre elas exista uma
relação jurídica-base.
Por outro lado, são direitos coletivos
stricto sensu (art. 81, parágrafo único, II do CDC) os transindividuais, de
natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
(indeterminadas, mas determináveis, enquanto grupo, categoria ou classe)
ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base. Essa
relação jurídica base pode se dar entre os membros do grupo affectio societatis ou pela sua ligação
com a “parte contrária”. No primeiro caso temos os advogados inscritos na Ordem
dos Advogados do Brasil (ou qualquer associação de profissionais); no segundo,
os contribuintes de determinado imposto. A relação-base necessita ser anterior
à lesão (caráter de anterioridade). No caso da publicidade enganosa, a
"ligação" com a parte contrária também ocorre, só que em razão da
lesão e não de vínculo precedente, o que a configura como direito difuso e não
coletivo stricto sensu.
Finalizando, resta saber que o elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é a determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe anterior à lesão, fenômeno que se verifica nos direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos difusos. O que importa é a possibilidade de identificar um grupo, categoria ou classe, vez que a tutela revela-se indivisível, e a ação coletiva não está disponível aos indivíduos que serão beneficiados.
Wilson Campos (Advogado/Presidente da
Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da
OAB-MG/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).
Dr. Wilson, o senhor está certo, porque os interesses do coletivo devem prevalecer aos individuais. Precisamos, o povo, deixar de egoísmos e pensar coletivamente. Assim teremos um país melhor para todos e é o que eu espero. Obrigado pela aula. Prof. e Mestre, Jeremias G. S. Leite.
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