RELAÇÃO DE EMPREGO ENTRE PAIS, FILHOS, PARENTES, CÔNJUGES OU COMPANHEIROS.
O tema é extremamente delicado, polêmico e muitas das vezes controverso, até mesmo quando se confrontam os entendimentos e as decisões do Tribunal Regional do Trabalho em Minas Gerais, que demonstram algumas divergências, em determinados aspectos, mormente por se tratar de entrelace familiar em face de vínculo de emprego ou relação de trabalho. Ou seja, quando os envolvidos são entes familiares, a lide deve ser resolvida caso a caso, porquanto dependa das circunstâncias que envolvam a relação entre as partes em questão.
O
artigo 3º da CLT dispõe: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e
mediante salário”.
Pelo
visto, a interpretação do dispositivo legal significa que, para uma relação ser
considerada de emprego os serviços têm que ser prestados pela própria pessoa,
permanentemente, de forma remunerada e sob o comando do patrão.
As
perguntas são: E se existir um vínculo afetivo entre as partes? Ou uma relação
familiar? Será que, ainda assim, estaremos diante de uma relação de emprego
garantidora de direitos trabalhistas?
As respostas são:
depende do caso e depende da situação. É que uma relação não necessariamente
exclui a outra. Elas podem, sim, coexistir. As provas é que indicarão a solução
para cada caso. Se os pressupostos legais ficarem bem delineados, a relação de
emprego será reconhecida. Se, por outro lado, ficar demonstrado que se trata de
cooperação mútua decorrente de laços afetivos ou familiares, não há que se
falar em vínculo de emprego.
Segundo o “Notícias
Jurídicas” do TRT/MG, a Justiça do Trabalho mineira já recebeu inúmeras
reclamações envolvendo essa discussão. Já teve filho pedindo vínculo de emprego
com o próprio pai e outras demandas entre familiares, em que até a discussão
sobre relacionamentos amorosos chegaram ao processo. Não foram poucas as vezes
em que a Justiça do Trabalho teve de meter a colher em briga de “marido e
mulher” para dizer se, naquele caso, havia vínculo de emprego entre as partes
ou não. Geralmente, a existência de uma relação de natureza afetiva é omitida
na petição inicial. Somente na defesa, o contexto é mencionado, na tentativa de
evitar a declaração do vínculo e uma eventual condenação por esse motivo.
São casos como esses
que passamos a informar, segundo publicação do “Notícias Jurídicas” do TRT/MG:
Filho x Pai
Em 2012, a Justiça do
Trabalho mineira julgou o caso de um filho que ajuizou reclamação trabalhista
contra o pai, dono de um escritório de advocacia. No entanto, a pretensão de
reconhecimento de vínculo de emprego foi rejeitada, tanto em 1º Grau como pela
3ª Turma do TRT de Minas.
Atuando como relator,
o juiz convocado Danilo Siqueira de Castro Faria explicou na decisão que o
parentesco entre pai e filho não afasta, por si só, uma possível relação de
emprego. Mas lembrou que é inerente à relação familiar a existência de
colaboração entre os seus entes. Por esta razão, a prova do vínculo de emprego
deve ser bem clara, não deixando dúvida de que os familiares estabeleceram um
contrato de trabalho.
No caso examinado,
isso não ocorreu. Para o relator, ficou provado que o pai contava com a ajuda
do filho, estudante de direito, no escritório, mas não havia a subordinação
jurídica fundamental ao reconhecimento da relação de emprego. Mensagens eletrônicas
demonstraram que o pai pedia ao filho para resolver assuntos pessoais. Havia
sim colaboração e confiança inerentes a uma relação familiar. Testemunhas
confirmaram a versão da defesa de que o pai sempre foi o provedor do estudante,
assim como dos irmãos e da mãe. Ficou evidente, ainda, que a ação trabalhista
foi ajuizada em função de desentendimento entre as partes.
Um dos depoentes foi
a faxineira, que disse nunca ter presenciado o estudante atendendo algum
cliente. Segundo o relato, todos os filhos do réu frequentavam o escritório e o
reclamante, após receber carteira da OAB, teria passado a fazer estágio lá. Mas
este mesmo lhe havia confidenciado que recebia uma mesada do pai, além de carro
e combustível.
Diante disso, o
relator concluiu não configurada a relação de emprego e manteve a sentença que
negou todos os pedidos feitos pelo filho do réu. A Turma de julgadores
acompanhou o voto. Houve trânsito em julgado em 28/08/2012 (Processo
0001344-79.2011.5.03.0112 RO (01344-2011-112-03-00-9 RO), Rel. Danilo Siqueira
de C. Faria, Data de Publicação: 16/07/2012 Disponibilização: 13/07/2012 Fonte:
DEJT).
Sogra x Genro
Ao se defender, o
genro provou que a empresa havia sido extinta. E apresentou a seguinte versão
para os fatos: a sogra teria se oferecido para cuidar dos netos enquanto os
pais estivessem trabalhando. A filha, esposa do réu, ofereceu, então, a ela uma
ajuda de custo de R$500,00. A sogra chegou a ajudar na lanchonete devido ao
acréscimo de movimento. O genro pagou R$200,00 em um dia e disse que a pagaria
se ajudasse nos dias com muito movimento. A tese da defesa foi a de que a ajuda
familiar não caracterizaria o vínculo.
Atuando como
relatora, a juíza convocada Sabrina de Faria Fróes Leão, deu razão ao genro.
Ela reconheceu que o trabalho foi realizado em ajuda mútua entre membros do
núcleo familiar. “Não há, no caso, elementos probatórios que permitam
inferir que existiu animus contrahendi entre as partes”. A expressão
significa intenção de contratar.
Uma testemunha, que
conhecia a sogra dos forrós, afirmou que ela recebia salário, mas que apenas
soube disso pela própria autora. A julgadora entendeu que, nesse caso, não
havia prova efetiva da contraprestação por serviços prestados. Por sua vez, o
ex-sócio da lanchonete apontou não saber se a mulher recebia valores para
trabalhar. Ele relatou nunca ter presenciado a situação.
A magistrada também
não enxergou ingerência nas atividades, de modo a se caracterizar a
subordinação jurídica, própria do contrato de trabalho. Portanto, a conclusão
final foi a de que a sogra apenas auxiliava no serviço da lanchonete nos dias
de muito movimento, além de cuidar dos netos, na residência do genro, que
concedeu a ela ajuda financeira. Nesse contexto, a Turma de julgadores
confirmou a decisão de 1º Grau que afastou a existência de relação de emprego
entre as partes.
Ela teria prestado
diversos serviços na fazenda do falecido dono e pediu o reconhecimento do
vínculo de emprego na Justiça do Trabalho. Por seu turno, o espólio apresentou
a seguinte versão: as partes teriam mantido um relacionamento amoroso por 25
anos. A defesa sustentou que a mulher ajuizou reclamação trabalhista somente
para conseguir um “enriquecimento sem causa”.
Este caso foi
analisado pela 1ª Turma do TRT de Minas, tendo como relator o desembargador
José Eduardo de Resende Chaves Júnior. Por considerar frágil a prova, foi
acatada a alegação do espólio. A testemunha da autora reconheceu não ter
presenciado qualquer pagamento, não sabendo dizer se a mulher recebia valores.
Conforme ponderou o julgador, que a demandante frequentava a propriedade já era
sabido, uma vez que a tese da defesa era justamente a de que havia um
relacionamento amoroso entre as partes.
Por outro lado, o
representante do réu, que trabalhava na fazenda, afirmou que a mulher ia lá
apenas como companhia do falecido e não realizava serviços no local, nem mesmo
chegando a auxiliar o falecido em algum trabalho. Conforme relatado, o
fazendeiro ia até a fazenda no período da tarde. Quando ia acompanhado da
mulher, esta ficava andando e passeando pela fazenda.
E não foi só isso. O
magistrado observou que, em petição ajuizada na Justiça Comum, a mulher
pleiteou reconhecimento de sociedade de fato. Alegou que mantinha "uma
comunhão de interesses recíprocos, com assistência mútua e conjugação de
esforços." E ainda confirmou que "participou efetivamente da
administração e preservação do patrimônio” do fazendeiro.
“O Direito do
Trabalho não é infenso à promiscuidade de relações jurídicas. A relação amorosa
por si só não serve de embasamento para desconfigurar um vínculo empregatício”,
destacou relator. No caso, todavia, considerou que a questão transcende à
simples co-existência de um relacionamento amoroso conjugado a uma relação de
emprego. “Há um vínculo econômico sustentado pela recorrente na ação que
tramita na Justiça comum, que envolve a administração de patrimônio considerado
próprio e não alheio, que é um dos pressupostos centrais da existência do
contrato de trabalho”, finalizou.
Acompanhando o voto,
a Turma negou provimento ao recurso, para afastar a relação de emprego. E, pela
atitude incoerente ante os dois órgãos judiciários, a mulher foi condenada por
litigância de má-fé. O relator não acatou o argumento de que a relação amorosa
teria sido omitida na inicial por se tratar de reclamação que buscava os
direitos garantidos no artigo 3º da CLT. “Os dois ajuizamentos são
contraditórios. Se a Autora pede o conhecimento da sociedade de fato, é nítido
que não há o que se falar em relação de emprego. Tal postura por parte da
Reclamante, evidencia o excesso aos limites éticos do processo”, registrou
no voto. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010222-40.2016.5.03.0169 (RO); Disponibilização:
09/11/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 195; Órgão Julgador: Primeira Turma;
Relator: José Eduardo Resende Chaves Jr).
Uma mulher procurou a
Justiça do Trabalho, alegando que teria prestado serviços ao réu já falecido,
como assistente administrativo. A relação teria durado cerca de seis anos, com
recebimento de um salário-mínimo por mês. Já a defesa do espólio apresentou
outra versão: o relacionamento entre as partes seria de cunho afetivo, sem os requisitos
previstos na CLT. Ainda conforme alegado, a mulher também pretendeu o
reconhecimento de união estável, cumulada com petição de herança em face dos
herdeiros. Por sua vez, as anotações efetuadas na carteira de trabalho dela
teriam sido feitas com o único fito de assegurar-lhe tempo de contribuição
junto ao INSS.
Segundo explicou a
relatora do caso, desembargadora Taísa Maria Macena de Lima, o espólio
apresentou cópia da petição inicial da demanda ajuizada pela mulher perante o
Juízo Cível, na qual pretendeu o reconhecimento de união estável com o
falecido. Também trouxe várias fotografias em viagens, eventos e festas
evidenciando o relacionamento afetivo amoroso entre as partes.
Mas como negou a
natureza empregatícia da relação estabelecida entre as partes, o entendimento
da julgadora foi o de que deveria produzir prova dos laços afetivos alegados. “Cabia
ao reclamado o ônus processual de provar que outra era a natureza da relação
que não empregatícia”, destacou. Para ela, no entanto, a prova não deu conta
do recado.
Já a mulher
apresentou a carteira de trabalho anotada, o que, segundo a relatora,
caracteriza prova pré-constituída. Ela se referiu à presunção "juris
tantum" de veracidade prevista na Súmula 12/TST e advertiu que a parte
contrária não trouxe nenhuma prova apta a superar o poder de convencimento dos
lançamentos realizados na CTPS da reclamante. Diante disso, entendeu que, mesmo
na condição de convivente do réu, a mulher também se enquadrava como empregada.
“Não se trata de um típico caso de empreendimento, no qual o casal
trabalhava e administrava o negócio em proveito comum”, registrou, por fim.
O convencimento da
magistrada foi formado com base nas provas de que a mulher, após 21 anos de
convivência com o réu, passou a trabalhar como empregada, assumindo
várias atividades necessárias ao empreendimento do parceiro. Recebia ordens,
era fiscalizada e cumpria horário de trabalho. Assim, neste caso, os requisitos
do artigo 3º da CLT se fizeram presentes.
Acompanhando esse
entendimento, a Turma de julgadores deu provimento ao recurso para modificar a
sentença e reconhecer o vínculo empregatício entre as partes. Foi determinado o
retorno do processo à Vara do Trabalho de origem para apreciação dos demais
pedidos feitos. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011161-86.2016.5.03.0050 (RO);
Disponibilização: 29/09/2017, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1642; Órgão Julgador:
Decima Turma; Relator: Taisa Maria M. de Lima).
Vale lembrar que,
além dos já citados pressupostos legais para a caracterização do vínculo
empregatício, a relação de emprego doméstica tem outros requisitos específicos,
como a prestação de serviços a pessoa física ou família em âmbito residencial,
com continuidade e sem finalidade lucrativa.
Atuando como relator
do caso, o desembargador Marcus Moura Ferreira frisou que essas condições não
ficaram provadas. A começar pelo fato de o filho da reclamante também ter
morado na casa e se referir à idosa falecida como “mãe”. Segundo testemunhas, o
rapaz somente deixou o local após o seu casamento. A própria mulher, por sua
vez, reconheceu que não recebia salários, não pagava aluguel e que os estudos
do filho foram pagos pela senhora. Também ficou provado, por documentos, ter
havido a contratação de cuidadoras e empregadas domésticas, mediante pagamento
de salário, durante o período em que a mulher residiu com a senhora. Nesse
contexto, o desembargador considerou que a simples realização de tarefas
domésticas pela reclamante não demonstra subordinação jurídica, até porque, o
esperado é que os serviços domésticos sejam realizados por todos os moradores
da residência.
Entendendo, como o
relator, que a mulher foi acolhida como verdadeiro membro da família, em
vínculo afetivo, os julgadores negaram provimento ao recurso e confirmaram a
sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados. (TRT da 3.ª Região;
PJe: 0010042-82.2016.5.03.0182 (RO); Disponibilização: 02/02/2017,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 415; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Marcus
Moura Ferreira).
Diante de todo o
exposto, nota-se que as decisões para as ações demandadas entre pais, filhos,
parentes, cônjuges ou companheiros dependem muito das circunstâncias e do caso
concreto. Daí a conclusão de que as divergências continuarão no plano dos
Tribunais, uma vez que as relações desenvolvidas entre as partes poderão
indicar caminhos diferentes para o julgamento e sentença.
Wilson Campos
(Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
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