JUIZ HUMILHA ADVOGADO E É REDARGUIDO PELA OAB
Parece
que o Poder Judiciário resolveu dar mostras de proselitismo em causa própria,
não admitindo que terceiros sejam humanos e cometam erros. Ora, qualquer pessoa
está sujeita a erro, seja na vida pessoal ou profissional. No entanto, esse não
parece ser o entendimento de um desembargador, que se arvorou no direito de querer
ser o dono absoluto da verdade e da perfeição.
Vale
a pena conhecer o caso em que o desembargador humilhou o advogado e ainda quis
dar ordens à OAB/MA. Mas o tiro saiu pela culatra, e o magistrado sofreu
considerações na mesma proporção da sua ironia proposital.
O
fato ocorreu no Estado do Maranhão. Trata-se do seguinte:
O cliente de um advogado teve sua caminhonete
roubada em dezembro de 2017, e o bem foi recuperado pela Polícia Civil. A
autoridade, no entanto, não autorizou a liberação do veículo ao dono. Diante
deste cenário, o advogado ingressou com “habeas corpus” para obter a liberação,
tendo o magistrado de 1º grau indeferido a tutela provisória. O advogado novamente
argumentou que o veículo nunca foi periciado e que seu dono, com quase 60 anos,
precisa dele para locomover-se para trabalhar.
Ao analisar, o magistrado verificou o caso de não
conhecimento do remédio constitucional (habeas corpus), sendo este destinado "a
tutelar a liberdade de locomoção da pessoa humana”.
Em assim sendo, o desembargador decidiu: “Não demanda esforço extrair do texto normativo sua
literalidade, de modo que o remédio constitucional manejado tem por objeto a
liberdade de locomoção da pessoa humana, ou seja, tem como finalidade amparar a
liberdade física do indivíduo, sendo, pois, um direito fundamental”.
Continuou o desembargador
no seu argumento: “Apenas a pessoa humana pode figurar como paciente no
habeas corpus, não um veículo, como sugere levianamente o impetrante”.
“Ora, considerando que o habeas corpus amolda-se no
contexto de ergástulo ou de sua ameaça, só de pensar na possibilidade de
expedição de salvo conduto de veículo, implicaria em erro grosseiro, impossível
de ser sanado”, completou
o magistrado.
Ao fim da decisão, o juiz determinou a remessa dos
documentos à OAB, com a seguinte mensagem:
- “Desta decisão dê-se ciência ao MM. Juiz de Direito da 1º Vara da Comarca de Buriticupu/MA. Por fim, verificando que o advogado impetrante não detém conhecimentos mínimos para o exercício da profissão, determino sejam impressas todas as peças do presente processo - inclusive esta decisão - a serem encaminhadas ao Presidente da Seccional local da OAB, para que sua Excelência mande inscrevê-lo, ex-ofício, na Escola da Advocacia para que, após, seja submetido ele a uma nova prova daquela entidade. Não sendo ele aprovado na prova de que se trata, reúna sua Diretoria para decidir se cassam ou não a Carteira daquele que ajuíza ação temerária, que Rui Barbosa, se vivo fosse, teria vergonha de dizer que pertenceria à mesma categoria profissional deste impetrante. Com o respeito que tenho pela OAB, pelo seu Presidente e demais membros dessa entidade local, gostaria de ser informado do desfecho dado a esta recomendação. PUBLIQUE-SE e, uma vez certificado o trânsito em julgado - o que o Sr. Coordenador certificará - dê-se baixa e arquive-se. CUMPRA-SE. São Luís (MA), 31 de janeiro de 2018, às 06h00min. Des. JAIME FERREIRA DE ARAUJO. Plantonista do 2º grau. Processo: HC 0800561-11.2018.8.10.0000”.
Em resposta, a OAB/MA divulgou nota repudiando
"evidentes excessos" do magistrado.
Veja a íntegra da nota de repúdio:
“A OAB
Maranhão, na manhã de hoje, tomou conhecimento de uma decisão judicial, cujo
teor, amplamente divulgado em redes sociais e blogs, contém evidentes excessos,
em que um Desembargador, extrapolando suas atribuições, recomenda a cassação do
registro de determinado advogado, o que não se coaduna com os limites éticos e
jurídicos esperados de uma decisão judicial, a qual deveria se ater ao objeto
do processo e aos limites de suas atribuições e competência.
As decisões
judiciais são para serem cumpridas ou contra elas se manejar o recurso cabível,
por mais inadequadas, antijurídicas ou teratológicas que sejam. No entanto, a
partir do momento em que ela transborde o limite do seu conteúdo e do objeto
processual e traga a público uma situação de ofensa à advocacia, a OAB exerce,
portanto, por meio desta nota, e sem prejuízo da abertura, já determinada, de
processo de desagravo público, e dos demais procedimentos judiciais e
administrativos cabíveis, seu mister na defesa da coerência institucional, não
admitindo elementos que violem as prerrogativas dos advogados e advogadas,
assim como venha externar elementos de ofensa à classe ou à instituição.
Destarte, da
mesma forma que a Ordem dos Advogados do Brasil não se pronuncia sobre erros
técnicos eventualmente cometidos por magistrados ou quaisquer servidores
públicos, por mais crassos que possam ser, não suscitando suas inscrições na
escola de magistratura ou órgão correlato, não admite que qualquer magistrado
se arvore no direito, que não possui, de atacar a capacidade técnica de
qualquer advogada ou advogado Maranhense.
De bom
alvitre sopesar, outrossim, que sendo Autarquia Federal, a Seccional Maranhense
da Ordem dos Advogados do Brasil não admite que venha a ser, a público,
interpelada sem o devido processo legal ou instada a fazer ou deixar alguma
coisa senão por ordem judicial emanada por Juízo competente, no caso, a Justiça
Federal do Brasil e Tribunais Superiores.
Nesses
tempos hodiernos, em que as relações sociais e institucionais no Brasil estão
sofrendo sistemáticos ataques desarrazoados, impõe-se, principalmente ao Poder
Judiciário, guardião que é da Constituição e das normas legais, parcimônia e
cautela em suas decisões, enaltecendo os aspectos formais e sóbrios em
detrimento da adjetivação, do exagero, do rebuscamento, dos excessos e de
violação das tênues linhas que sustentam todo o sistema interrelacional da
sociedade brasileira.
É com firmeza,
portanto, que a OAB/MA repudia e repudiará qualquer comportamento ou conduta,
institucional ou humana, que se envergue de excessos e teratologias, bem como
viole a intimidade de qualquer advogado ou advogada, que viole suas
prerrogativas ou que os exponha publicamente ao vexame, colocando-se sempre na
defesa do Estado Brasileiro, da Democracia, da República, das Instituições e da
paz social”. Thiago
Roberto Moraes Diaz. Presidente da Seccional Maranhão da OAB.
Diante do exposto, nota-se a defesa forte das
prerrogativas do advogado, assim como o repúdio ao vexame público do
profissional do direito. A excessiva decisão do desembargador teve a devida
réplica da Seccional do Maranhão, que não admitiu receber ordens do magistrado
e nem consentiu no desaforo dirigido ao advogado. De fato, o Poder Judiciário
precisa ter mais cautela e parcimônia nas suas decisões, evitando agressões
gratuitas e atos impensados de desapreço à advocacia. O desembargador recebeu a
resposta que merecia.
In casu, a nota de repúdio da OAB/MA merece os aplausos da
advocacia brasileira.
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Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de
Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
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