FRAUDE BANCÁRIA EM APLICATIVO DE CELULAR.



A 18ª Câmara Cível do TJMG manteve decisão que condenou um banco ao pagamento de danos morais e materiais a um cliente, que foi vítima de uma fraude ao realizar uma transação bancária pelo aplicativo de celular. Para o colegiado, o caso é configurado como fortuito interno, vinculado ao risco da atividade desenvolvida pelos bancos, e que não caracteriza a culpa exclusiva de terceiro.

O cliente afirmou que tinha conta no banco e, por meio de aplicativo para celular, fazia diversas transações financeiras. Em um dia, ao efetuar o pagamento de um boleto, recebeu uma mensagem estranha, que exigiu que refizesse a operação. Dias depois, verificou que o documento não tinha sido pago e que havia sido debitado na sua conta o valor de mais de R$ 13 mil.

O juízo de 1º grau declarou inexistentes os débitos na conta do autor e condenou o banco a restituir ao cliente o valor debitado e a indenizá-lo em R$ 9.540 por danos morais. Diante da decisão, a instituição financeira recorreu argumentando que ocorrera “fortuito externo”.

Relator, o desembargador Mota e Silva verificou que o banco não demonstrou a regularidade da operação bancária e não juntou, para contestar a alegação do cliente, nenhum documento que afastasse o que sustentado pelo cliente.

Entre outros pontos, o desembargador observou que, de acordo com o CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Tendo em vista ainda o CDC, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado, ressaltou o desembargador, quando provar que o ocorrido se deu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

“Tratando-se de fraude bancária operada por terceiro, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é assente em considerar que se trata de situação que configura o chamado fortuito interno, ou seja, que está vinculada ao risco da atividade desenvolvida pelos bancos, e que não caracteriza, assim, a culpa exclusiva de terceiro”.

Assim, a 18ª Câmara Cível negou provimento ao recurso e manteve a indenização por dano moral e material em quase R$ 24 mil.

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos.

V O T O

Trata-se de recurso de apelação interposto por (...) em face da sentença proferida pelo Juiz da 6ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora, Francisco José da Silva, que julgou procedente a ação ordinária ajuizada por (...) em face do Apelante nos seguintes termos: "julgo procedentes os pedidos iniciais, para: a) confirmar a tutela provisória concedida em Id nº  32454384, mas aumento a multa prevista na medida para o valor de R$1.000 limitada a 30 dias, e por conseguinte declaro inexistentes os débitos oriundos na conta do autor em razão dos encargos e juros advindos do desconto combatido nos autos desde Agosto de 2017 ; b) condenar a ré a restituir ao autor, de forma simples, o valor de R$ 13.823,28 descontado indevidamente de sua conta; c) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe R$9.540,00 ao autor. Tais valores deverão ser atualizados pela correção monetária com índices do INPC desde a publicação desta sentença para o dano moral e da data do desconto para o valor da restituição, além de juros de mora simples de 1% ao mês desde a citação até o efetivo pagamento para ambos. Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes que arbitro em 15% do valor da condenação, atento ao disposto no art. 85, § 2 º do CPC." (doc. ordem nº70).

O Apelante requer o provimento do recurso a fim de que seja julgada improcedente a presente lide, ou caso não seja o entendimento, que seja pelo menos reduzido o valor da condenação pelos danos morais e/ou a redução da condenação dos honorários advocatícios em 10% e/ou a redução da multa por descumprimento da obrigação de fazer para o valor de R$ 500,00 em multa única (doc. ordem nº 75.

Contrarrazões, doc. de ordem nº79. É o relatório. Passo a decidir.

Presentes os pressupostos, conheço do recurso.

Conforme consta dos autos, o Apelado ajuizou ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais em face do Apelante alegando que é cliente do mesmo possuindo uma conta corrente, que faz diversas transações financeiras por meio de aplicativo através de seu aparelho celular, que ao efetuar o pagamento de um boleto pelo aplicativo recebeu uma mensagem estranha e depois verificou que o boleto não tinha sido pago e que ainda foi debitado de sua conta R$ 13.888,15 (docs. de ordem 37 e 38). Diante de tal fato sustentou o Apelado/Autor que procurou o Réu para obter uma solução do problema com a devolução dos valores descontados, sem, no entanto, obter sucesso.

Com efeito, tem-se que ao Apelante/Réu, em desatendimento ao ônus que lhe impunha o art. 373, II, do CPC, deixou de demonstrar a regularidade da operação bancária. Não juntou qualquer documento em sua contestação (documentos de ordem 31 a 34) que afaste as alegações feitas pelo Autor/Apelado.

Sobre a culpa exclusiva da vítima, prevista no art. 14, § 3º, II, do CDC: Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 3° - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Tratando-se de fraude bancária operada por terceiro, a jurisprudência do STJ é assente em considerar que se trata de situação que configura o chamado fortuito interno, ou seja, que está vinculada ao risco da atividade desenvolvida pelos bancos, e que não caracteriza, assim, a culpa exclusiva de terceiro. Nesse andar, o Superior Tribunal editou a Súmula nº 479: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

No mesmo sentido, traz-se o julgamento do REsp. nº 197929/PR, processado pelo rito do antigo art. 543-C do CPC/1973: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp. 1197929/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPESALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011).

No caso concreto, não há o menor indício de que o provável estelionatário tenha realizado a operação financeira em nome do Autor/Apelado por ter acesso à sua senha pessoal ou cartão, tratando-se, ao que tudo indica, de cartão clonado ou de desvio de informações sigilosas. Ademais, a transação impugnada encontra-se absolutamente fora do padrão de consumo do autor. Evidente então o ato ilícito.

A reparação do dano deve corresponder à realidade dos fatos concretos, eis que, consabido, tem por escopo compensar os prejuízos da vítima, bem como evitar a prática reiterada dos atos lesivos. Para isto, devem ser observados certos vetores, quais sejam: a compensação pelo ilícito, que visa a amenizar os efeitos do dano, os quais são, pela sua natureza, incomensuráveis; a gravidade, ligada ao fato e que pode ser avaliada pela forma de agir do ofensor e o alcance da repercussão; e, por fim, o de maior relevância, que corresponde à situação econômico-financeira do ofensor.

Seguindo-se todas essas premissas, entendo como medida justa para o caso, a manutenção do valor fixado na sentença.

Por fim, entendo pelo cabimento e fixação da multa no patamar estabelecido pelo Juiz "a quo", eis que a sistemática processual clássica do cumprimento de obrigação de fazer, com base na disciplina do artigo 461, "caput" e § 5º, do CPC de 1973 dispõe: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. §5° - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, poderá o juiz, de oficio ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa, por tempo atrasado, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial(...)”.

A propósito, a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero: "(...) 14 - Multa coercitiva. Para que a multa coercitiva possa constituir autêntica forma de pressão sobre a vontade do demandado, é fundamental que seja fixada com base em critérios que lhe permitam alcançar o seu fim. Assim é que o valor da multa coercitiva não tem qualquer relação com o valor da prestação que se quer observada mediante a imposição do fazer ou não fazer. As astreintes, para convencer o réu a adimplir, devem ser fixadas em montante suficiente para fazer ver ao réu que é melhor cumprir do que desconsiderar a ordem do juiz. (...)."

Quanto aos honorários de sucumbência, estes devem ser fixados considerando o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço do que dispõe o artigo 85 CPC/15. Assim, considero razoável o "quantum" fixado na sentença.

Por fim, cito precedentes deste TJMG em casos semelhantes:

CIVIL E PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - FORNECEDOR DE PRODUTOS E SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - FRAUDE EM CONTA CORRENTE - CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS E TRANSFERÊNCIAS BANCÁRIASILÍCITAS - TRANSAÇÕES INDEVIDAS REALIZADAS POR TERCEIRO ESTELIONATÁRIO - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CRITÉRIOS - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. - A responsabilização civil do fornecedor de serviços prescinde da comprovação da sua culpa na causação do dano ao consumidor, mas não dispensa a existência do nexo causal entre a conduta lesiva e o dano. - E nos termos dos incisos do § 3º do art. 14 do CDC, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: "I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro". - Conforme súmula 479 do STJ: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". - Em relação ao abalo sofrido, já se posicionaram doutrina e jurisprudência no sentido de que se presume o prejuízo nos casos de reparação civil a título de dano moral, não necessitando restar do processado a comprovação das repercussões do ato ilícito ou culposo no âmbito individual. - A reparação do dano moral deve ser proporcional à intensidade da dor, que, a seu turno, diz com a importância da lesão para quem a sofreu. Não se pode perder de vista, porém, que à satisfação compensatória soma-se também o sentido punitivo da indenização, de maneira que assume especial relevo na fixação do quantum indenizatório a situação econômica do causador do dano. (TJMG - Apelação Cível 1.0439.16.005566-1/001, Relator(a): Des.(a) Otávio Portes, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/10/2018, publicação da súmula em 05/11/2018).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CHEQUE - FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA RESPONSABILIDADE CIVIL - FORTUITO INTERNO - DANO MATERIAL CONFIGURAÇÃO. - A legislação consumerista dispõe que a responsabilidade do fornecedor é objetiva, razão pela qual, independentemente da existência de culpa, cabe-lhe reparar o dano causado ao consumidor, por defeitos relativos à prestação dos serviços. - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias (Súmula n° 479 do STJ). (TJMG - Apelação Cível 1.0000.18.026353-5/001, Relator(a): Des.(a) Ramom Tácio, 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/06/2018, publicação da súmula em 28/06/2018).

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - AUSÊNCIA DE PRÉVIO VÍNCULO CONTRATUAL - ILEGALIDADE - "CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO" - ALEGAÇÃO DESPROVIDA DE PROVA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS 1.199.782/PR E 1.197.929/PR SÚMULA 479 DO STJ - ÔNUS DECORRENTES DA SUCUMBÊNCIA. 1 - É irregular a inscrição feita pela instituição financeira ré do nome da parte autora em cadastro de restrição ao crédito se inexiste prévio vínculo contratual a justificar o lançamento do débito. 2 - Segundo orientação consolidada do STJ (art. 543-C do CPC/1973): "As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno." (TJMG - Apelação Cível 1.0479.14.002146-6/001, Relator(a): Des.(a) Claret de Moraes , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/05/2018, publicação da súmula em 16/05/2018).

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo incólume a sentença. Custas recursais pelo Apelante. Majoro os honorários de sucumbência para 20%, nos termos do artigo 85§11, do CPC. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. DES. JOÃO CANCIO - De acordo com o(a) Relator(a). DES. SÉRGIO ANDRÉ DA FONSECA XAVIER - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO". DES. MOTA E SILVA (RELATOR). Processo: 5016315-41.2017.8.13.0145 – TJMG.

Diante de todo o exposto, por mais claras que sejam a sentença e o acórdão, a sensação que fica é a de que os bancos, de maneira geral, têm pouca ou quase nenhuma segurança nos seus serviços eletrônicos. In casu, o cliente pagou um boleto pelo aplicativo do banco, coisa corriqueira, do dia a dia, mas que se transformou numa tremenda dor de cabeça para ele (cliente, claro), vítima de um golpe ao realizar uma transação, que causou um rombo de R$13 mil na sua conta. No entanto, com a demanda judicial, o cliente vai receber em torno de R$24 mil de dano moral e material da instituição financeira. Tudo conforme demonstrado acima e alhures.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação em Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental).


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