PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS, PRÊMIOS, MP 905/19 E SEGURANÇA JURÍDICA.


A evolução nas relações trabalhistas há muito espera por mais um passo, que sirva ao trabalhador e ao patrão. Note-se que, desde a edição da Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000, o Programa de Participação nos Lucros ou Resultado (PLR) tem sido um instrumento de remuneração variável muito utilizado pelas empresas, inclusive em substituição à figura do bônus ou da gratificação, em razão de não se sujeitar aos encargos trabalhistas e contribuições previdenciárias.

No entanto, o que deveria ser uma vantagem acabou se tornando uma grande complicação. As regras da referida Lei 10.101/2000 foram interpretadas de forma diferente pelo Fisco e pelos contribuintes, gerando verdadeiros embates e inúmeras autuações. Segundo dados levantados, a PLR foi o tema mais relevante em todo contencioso administrativo previdenciário no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no período de 2009 a 2019. As mais de 120 decisões sobre o tema evidenciam o volume considerável de processos envolvendo a PLR.

A burocracia e a má vontade de alguns setores complicaram a coisa toda. Questões formais como data de assinatura do plano, arquivamento no Sindicato, comissão de empregados, e questões essenciais como o conceito de regras claras e objetivas, pagamento a diretores com vínculo empregatício ou não, movimentaram enormemente esse citado grande contencioso.

O que podia ser simples se complicou e a demanda de serviço travou ainda mais o entendimento. Nesse contexto de instabilidade e insegurança sobre o uso da PLR como instrumento de remuneração, a figura do “prêmio” ganhou destaque, especialmente após a Reforma Trabalhista e agora com a recente edição da Medida Provisória 905/2019, que espera-se seja logo convertida em lei.

Nesse sentido, foi publicada em 12 de novembro de 2019 a Medida Provisória (MP) 905, que instituiu o “contrato de trabalho verde e amarelo”, causando grande furor por ser identificada como uma minirreforma trabalhista. Mas a MP promoveu também modificações significativas na seara tributária, impactando o regime de tributação dos valores recebidos a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR).

A rigor, a PLR está prevista na Constituição Federal como um direito social dos trabalhadores (artigo 7º, inciso XI), desvinculada da remuneração, consistindo em um importante instrumento de incentivo à produtividade e integração entre o capital e o trabalho. Mas por não se caracterizar como salário, os valores recebidos a título de PLR não se sujeitam à incidência da contribuição previdenciária, conforme prevê o artigo 28, § 9º, alínea “j”, da Leiº 8.212/91, desde que observadas as condições previstas na Lei 10.101/2000.

Nesse ponto já há discussão no âmbito administrativo quanto à adequação dos planos de PLR à Lei 10.101/2000 para fins de isenção das contribuições previdenciárias. O entendimento majoritário do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é o de que o descumprimento dos requisitos legais importa na desconsideração da PLR, com a caracterização dos valores como remuneração, havendo, consequentemente, a incidência da contribuição previdenciária.

O prazo para conversão da MP em lei se encerra no dia 11/03/2020 e no dia 06/02/2020 se iniciará a tramitação sob regime de urgência, o que ocasiona o sobrestamento das demais deliberações nas casas do Congresso Nacional até que se ultime a votação.

Se falamos em burocracia mais acima, veja-se aqui o que ocorreu no Legislativo. Ao todo, foram apresentadas 1.913 emendas ao projeto de conversão. Dentre as sugestões dos deputados, estão a reinclusão da participação de entidade sindical na comissão de negociação da PLR, a obrigatoriedade de formalização por instrumento coletivo de trabalho, a transferência de parte das disposições para a CLT, e o estabelecimento de periodicidade ou negociação coletiva para o acordo com empregado de nível superior.

Diante de tudo isso, conforme deliberado até o momento, resta aguardar a conversão da MP em lei para verificar se serão mantidas as alterações legais que visam assegurar maior segurança jurídica na tributação dos planos de PLR.

Entretanto, é preciso ponderar com cautela: seria o prêmio a salvação à toda problemática PLR? Seria um novo instrumento mais fácil e simples? Ou corremos o mesmo risco de discussões e questionamentos infindáveis nos próximos anos? O que estaria em jogo, a burocracia ou a meritocracia? Ou ambas, no país das milhares de leis editadas mensalmente?

A meu ver, é preciso reconhecer que a figura do prêmio realmente ganhou um novo contorno com as mencionadas alterações. Se a MP 905/2019 prosperar, teremos um instrumento interessante. Vejamos: 1) deverá ser pago por desempenho superior ao ordinariamente esperado do empregado; 2) poderá e deverá, aliás, ser previsto em política formal, a qual deverá prever as condições da concessão e indicar o desempenho ordinário esperado; 3) poderá ser pago no máximo 4 vezes no ano (e uma vez no mesmo trimestre); e 4) poderá ser pago coletiva ou individualmente. Essas perspectivas, embora viáveis, dividem as opiniões dos especialistas.

Assim, em que pesem as posições contrárias, se a empresa fizer uma política formal, prever o desempenho ordinário e comprovar o desempenho extraordinário daquele empregado, poderá remunerá-lo com prêmio até 4 vezes no mesmo ano, sem quaisquer encargos trabalhistas e previdenciários. Isso é interessante e denota ou pode denotar merecimento, acima do discutível.

Ou seja, o prêmio parece mais fácil do que a PLR, que, mesmo com as alterações promovidas pela mencionada MP no 905/2019, continua exigindo a elaboração de um plano formal, que seja objeto de negociação entre empresa e empregados, a previsão de regras claras e objetivas - cujo conceito ainda gera discordância - o arquivamento na entidade sindical, o pagamento limitado a duas vezes ao ano (e uma vez por trimestre), entre outros requisitos. Alguns especialistas divergem quanto a essas formas, mas elas são razoáveis.

Com as mudanças da MP 905/2019, assim como o prêmio que pode ser concedido individualmente, a PLR também pode ser negociada diretamente com o próprio empregado que seja hipersuficiente. A data de assinatura, ponto de muito debate na jurisprudência, também foi flexibilizada, uma vez que o plano deverá ser assinado com antecedência de, no mínimo, 90 dias da data do pagamento da parcela única ou final.

Dessa forma, resta claro que a PLR e o prêmio têm seus prós e contras. Nenhuma figura é, per se, melhor do que a outra. Além disso, apesar da ótima regulamentação trazida pela MP 905/2019, a figura do prêmio pode ser objeto de autuações como tem sido a PLR. Tudo indica que o conceito de “desempenho extraordinário”, por exemplo, pode ser interpretado de forma distinta, bem como a discricionariedade na sua aferição pode gerar problemas.

Logo, nem a PLR nem o prêmio devem ser adotados de forma indefinida ou imprecisa pelas empresas e sem muita preocupação quanto às suas consequências. Todo cuidado é recomendável, pois ambos são mecanismos importantes de remuneração variável e cada qual com suas peculiaridades, mas toda empresa deve se precaver na sua concessão para evitar surpresas desagradáveis com o Fisco no futuro. E é sabido que o Fisco brasileiro é bom cobrador. E como sabe cobrar!

Encerrando, cumpre deixar registrada a boa expectativa quanto à questão e evidenciar que, a priori, e tão logo em trâmite normal, pós-vigência, a participação nos lucros, os prêmios e a MP 905/2019 estarão apaziguados e a segurança jurídica, espera-se, restará consagrada entre os contribuintes e o Fisco. 

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG).  




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