PORTE DE ARMA PARA ADVOGADOS.


O porte de arma para advogados virou um jogo de empurra. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro altera o decreto de armas e libera porte a advogados, o Congresso bate o pé e retira do texto qualquer possibilidade de estender porte e posse a outras categorias.

A controvérsia é a seguinte:

No decreto de Bolsonaro, advogado passa a ser profissão de risco e não será necessário demonstrar necessidade de porte. Requisitos como negativa de antecedentes e aptidão psicológica continuam valendo.

Por meio de dois atos do Executivo publicados no dia 22 de maio de 2019, no DOU, o presidente Bolsonaro alterou pontos considerados polêmicos que constavam no decreto de armas. São eles o decreto 9.797, que altera o decreto de armas 9.785/2019 publicado no início de maio/2019, e também sua retificação.

Entre as alterações substanciais está a que inclui a profissão do advogado como de risco. Sendo assim, causídicos não precisam mais demonstrar sua efetiva necessidade de portar armas de fogo.

No decreto anterior, estavam neste rol apenas os agentes públicos que exercessem profissão de advogado. Com a mudança, todos os causídicos ganham a facilidade. Veja a alteração.

Como era:

Art. 20
§ 3º  - Considera-se cumprido o requisito previsto no inciso I do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, quando o requerente for:
III - agente público, inclusive inativo:
h) que exerça a profissão de advogado; e

Como ficou:

Art. 20
§ 3º - São consideradas atividades profissionais de risco, para fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, o exercício das seguintes profissões ou atividades:
III - advogado; 

O advogado que desejar portar armas continuará sujeito aos requisitos previstos na lei 10.826/03, como certidão negativa de antecedentes criminais e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

Os agentes públicos, inclusive inativos, que forem oficiais de Justiça, permanecem, como já constava no decreto de 7 de maio, no rol de atividades de risco e, assim como os advogados, ficam dispensados de justificar a necessidade, caso desejem ter porte de arma. 

Outra alteração significativa é a que impede a concessão de porte de armas “portáteis”, como fuzis, carabinas e espingardas, e de armas “não portáteis”. Permanecem autorizadas apenas as armas de fogo "de porte", que têm dimensão e peso reduzidos. 

Pelo decreto do início de maio, são armas:

I) portáteis: as que, devido às suas dimensões ou ao seu peso, podem ser transportadas por uma pessoa, tais como fuzil, carabina e espingarda; e
II) não portáteis: as que, devido às suas dimensões ou ao seu peso, precisam ser transportadas por mais de uma pessoa, com a utilização de veículos, automotores ou não, ou sejam fixadas em estruturas permanentes.

Veja a alteração constante no decreto publicado em 22/05/2019:

Art. 20.
§ 6º - A autorização para portar arma de fogo a que se refere o inciso I do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, não será concedida para armas de fogo portáteis e não portáteis.

O ponto gerou polêmica depois que a fabricante “Taurus” informou que havia fila de cerca de 2 mil clientes para adquirir um fuzil.

Além do decreto 9.797, no qual constam as alterações citadas acima, foi publicada também uma retificação do decreto de armas (9.785/19). Essas alterações, por sua vez, são de erros materiais, como pontuação e falta de palavras.

Por exemplo, no art. 2º, caput, inciso III, onde se lia "b) dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos;", agora está assim: "b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos".

As alterações foram feitas depois de o governo sofrer uma série de questionamentos sobre a flexibilização. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, chegou a dizer que o decreto tinha inconstitucionalidades e que, caso não fosse alterado, haveria amplo apoio para ele ser derrubado. O alerta levou o presidente a buscar alternativas.

Para ser aprovado, o texto precisa do apoio de maioria simples tanto no Senado como na Câmara, sem possibilidade de veto presidencial.

O decreto publicado em maio também altera as munições de uso restrito, e acrescenta ao texto as de uso proibido.

Onde se lia:

IV - munição de uso restrito - munições de uso exclusivo das armas portáteis raiadas, e das perfurantes, das traçantes, das explosivas e das incendiárias;

Agora se lê:

IV - munição de uso restrito - as munições que:
a) atinjam, na saída do cano de prova de armas de porte ou portáteis de alma raiada, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
b) sejam traçantes, perfurantes ou fumígenas;
c) sejam granadas de obuseiro, de canhão, de morteiro, de mão ou de bocal; ou
d) sejam rojões, foguetes, mísseis ou bombas de qualquer natureza;
IV-A - munição de uso proibido - as munições incendiárias, as químicas ou as que sejam assim definidas em acordo ou tratado internacional de que a República Federativa do Brasil seja signatária.

Luiz Flavio Borges D'Urso, advogado criminalista e ex-presidente da OAB/SP, considera a autorização um equívoco. “Em que pese eu ser contra a proliferação de armas e seus portes no Brasil, há um argumento que me parece preocupante, que é a ausência de uma reflexão sobre o sistema como um todo, pois tudo se interliga e traz consequências”.

A fala diz respeito ao movimento encabeçado pelo presidente Jair Bolsonaro para acabar com o Exame de Ordem. Caso a proposta avance – o que, na visão de D'Urso, traria enorme prejuízo ao cidadão –, todos os bacharéis em Direito passariam à condição de advogado. O criminalista alerta para o enorme impacto disso no porte de armas, já que os pouco mais de um milhão de advogados atuais passariam para quatro milhões, e todos estes teriam direito ao porte. 

“O impacto é enorme e assustador. Sinceramente, não acredito que armar os advogados e uma legião de brasileiros, em massa, resulte em redução da criminalidade no país”, afirma D’ Urso.

Já para o advogado Willer Tomaz, do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, os decretos não inovam e são apenas a fragmentação do decreto 9.785/19, de maio deste ano. 

“Parece uma medida estratégica do ponto de vista político, sobretudo porque esse decreto, por inteiro, foi alvo de cinco ações no STF e vinha causando divergências entre o Congresso Nacional e a presidência da República. Pode ser uma tentativa de renovar a intenção presidencial e ao mesmo tempo evitar uma nova impugnação integral, haja vista que o Supremo não admite a impugnação parcial e seletiva de um determinado complexo normativo que interage sistematicamente com outro”. 

O advogado ainda explica que, separar a regulamentação só para caçadores, atiradores e colecionadores pode, ao final, resguardar a vontade do governo, uma vez que os critérios legais para aquisição, posse e porte nessas categorias são outros e a finalidade da norma é especial e restrita, atraindo assim uma interpretação jurídica distinta.

Ao falar sobre a constitucionalidade das novas regras editadas por Bolsonaro, Tomaz ressalta que não é vedado ao chefe de Estado e de governo a regulamentação da matéria. 

“Em relação ao conteúdo do decreto revogado e substituído pelos atuais, as ações no STF não apontam uma violação direta a dispositivos expressos na Constituição, mas a princípios genéricos de proteção à vida e à segurança pública, sempre pautados na premissa fática de que a flexibilização da posse e do porte de arma de fogo possui uma suposta relação com a elevação dos índices de criminalidade”. 

Para Tomaz, essa premissa é falaciosa. Ele ressalta que, inclusive, em outros países da América, a criminalidade foi substancialmente reduzida ao flexibilizar a aquisição de arma de fogo pela população. 

“Pode até ser discutível no judiciário alguns pontos específicos dos decretos, como os critérios para aquisição de fuzil, carabina e espingarda. Mas em essência, não há inconstitucionalidade gritante na regulamentação e os argumentos contrários são mais ideológicos que jurídicos e técnicos”, ressalta.

Diante de todo esse imbróglio criado entre o presidente Bolsonaro, o Congresso e o STF, não se sabe ainda o que está ou não valendo. Entretanto, vejamos o outro lado da interpretação, mas dessa vez pela ótica do Judiciário em julgamento de caso concreto ocorrido em novembro/2019.

DECISÃO JUDICIAL: Negado pedido de porte de arma a advogado pela não comprovação de situação de perigo concreto a justificar a obtenção.

O fato de o autor exercer a profissão de advogado e de ter trabalhado como policial militar por aproximadamente sete anos não comprova situação de perigo concreto e iminente a justificar o porte de arma para defesa pessoal e familiar. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que negou ao autor a obtenção da autorização para o fornecimento de porte de arma de fogo.

Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, destacou que a interpretação da Lei nº 10.826/2003 evidencia a opção do legislador pela regra geral da proibição à aquisição e porte de armas de fogo no país “condicionando o afastamento dessa diretriz às situações excepcionais que expressamente previu e a outras que, com base no poder discricionário da administração, serão individualmente avaliadas”.

Segundo a magistrada, o fato do apelante exercer a profissão de advogado e ter trabalhado como policial militar não demonstra que o impetrante esteja submetido à situação de perigo concreto e iminente a justificar a interferência do Poder Judiciário, já que não ficou demonstrada a prática de nenhuma ilegalidade ou abuso de poder praticado pela Polícia Federal ao negar o pedido do autor de obtenção do porte de arma de fogo. A decisão do Colegiado foi unânime. Processo nº: 1001021-81.2018.4.01.3400 - Data de julgamento: 06/11/2019 - Data da publicação: 12/11/2019.

Ao meu sentir, se a lei me concede uma prerrogativa, cabe a mim exercê-la ou não. A decisão de portar arma dependerá única e exclusivamente da minha vontade ou necessidade. Portanto, cada um sabe de si, independentemente da opinião de falsos moralistas que se preocupam com o que não lhes compete. Se a lei permite ao advogado portar arma, tudo certo. Se a lei não permite, cumpra-se. Simples assim. Ademais, resta aguardar o fim da novela que se arrasta nas Comissões da Câmara e do Senado e que depende ainda da ingerência ou não do STF.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG). 

Clique aqui e continue lendo sobre temas do Direito e da Justiça, além de outros temas relativos a cidadania, política, meio ambiente e garantias sociais.



Comentários

  1. Estevão M. L. Torres17 de janeiro de 2020 às 11:01

    Como advogado acho que usa a arma quem quer, como disse o nobre colega Dr. Wilson Campos no seu texto. Se eu tenho o porte de arma e quero usar, então eu uso. Se tenho e não quero usar a arma, pronto, não uso e ponto final. Cada qual sabe de si. O que precisa acontecer é esse decreto ser aprovado como quer o presidente Bolsonaro e acabar com essa celeuma, esse jogo de empurra como bem falou o colega autor. Eu sou a favor do decreto e que o advogado possa usar a arma, mesmo porque a profissão assim o exige em muitas situações. E que o STF não se meta no assunto para complicar, mas para fazer valer essa prerrogativa do advogado. Cumpra-se o que for aprovado. Meus cumprimentos efusivos nobre advogado, Dr. Wilson. Abraço. Estevão Torres.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas