DE ABUSO EM ABUSO CHEGAMOS À DISTOPIA.

 

Os abusos que estamos presenciando atualmente no Brasil indicam um comportamento excessivo, inadequado e contrário aos costumes e à harmonia. Cometem-se abusos contra pessoas físicas e jurídicas, indistintamente, valendo-se do mau e da própria força, sem respeito às leis vigentes. A ausência de justiça está naquele que pratica abusos no exercício ilegítimo de um poder. O desregramento por abusos e a falta de comedimento reinam na exorbitância de atribuições de uma certa pessoa de um certo poder, que sabemos muito bem de quem se trata.

A distopia, por sua vez, é a soma dos abusos, é o lugar ruim, é a forma opressiva e assustadora imposta a uma sociedade regida pelo autoritarismo. O sofrimento humano surge em razão da falta de liberdade e da desigualdade de tratamento. Usa-se a tecnologia para vigiar e subjugar a sociedade. No contexto, distópico significa uma forma de controle social por parte do Estado. No caso concreto atual, esse autoritarismo fascista vem por meio de um ditador, que exerce papéis de vítima, acusador, investigador e juiz. Quem será?    

Das inúmeras medidas claramente autoritárias que certo ministro do STF e do TSE adotou nos últimos tempos, desde o abusivo inquérito das fake news, as prisões e multas a políticos, empresários e cidadãos comuns, existe uma cuja gravidade tem passado despercebida, que é a suspensão total de perfis em mídias sociais. Muitas são as pessoas físicas e jurídicas (influenciadores digitais, empresários, parlamentares com mandato ou eleitos para a próxima legislatura, jornalistas, empresas e partidos políticos) que têm sofrido abusos e mais abusos, sem direito ao devido processo legal e sem direito à ampla defesa e ao contraditório. Neste caso específico dos perfis em mídias sociais, todos estes atores estão impedidos, por ordem judicial, de manter seus perfis ou de criar novas contas nas principais plataformas de mídia social.

Independentemente do procedimento das próprias mídias sociais, que adotam pequenas punições para quem desrespeita regras de consensos, isso se revela bem menos grave que a imposição judicial para que elas cancelem perfis e impeçam seus donos de seguir publicando em contas novas. Ora, impedir judicialmente alguém, pessoa física ou jurídica, de manter uma conta em mídias sociais é não apenas censura, mas censura prévia, do tipo exato que a Constituição veda explicitamente. O ordenamento jurídico brasileiro não prevê esse impedimento e muito menos a censura prévia da forma como tem sido aplicada por certo censor ditador de Brasília.

A medida drástica de suspensão não está amparada no Marco Civil da Internet. Não da maneira como pensa a citada autoridade, que grita a plenos pulmões que “ainda tem muita gente pra prender e muita multa pra aplicar”. E daí a motivação do título deste artigo: “De abuso em abuso chegamos à distopia”. Usa-se a tecnologia para vigiar e subjugar a sociedade. Forçam-se a opressão e o autoritarismo para o controle social. Ditadura pura e simples, escancarada.

Mas vamos aos termos do artigo 19, parágrafos 1º e 2º da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.  

Art. 19 - Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º - A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º - A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

Vale observar com atenção que os dispositivos legais acima citados afirmam claramente que eventuais ordens judiciais de retirada de conteúdo precisam conter “identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material”. E afirmam também que, se isso não ocorrer, a ordem judicial se torna nula.

No entanto, o censor ditador de Brasília faz vista grossa e passa por cima de leis, normas e regras basilares da Ordem Jurídica. Por mais que o Marco Civil da Internet seja anterior às propaladas “fake news” e que em nenhum momento o legislador entendeu ser necessário acrescentar o banimento entre as medidas que estariam à disposição da Justiça, o “todo poderoso” da toga ignora, impede e silencia pessoas físicas e jurídicas por meio de proibições injustificáveis. Ele abusa do uso indiscriminado da censura e da censura prévia, embora estas não encontrem amparo na Constituição da República.

Calar alguém é retirar-lhe a dignidade e a liberdade. As mídias sociais são o último respiro dos cidadãos, que não contam com a grande imprensa para divulgar o que pensam e o que querem. Banir essa liberdade de se fazer ouvir é o mesmo que amordaçar e sufocar o indivíduo, que não cogita ferir o Código Penal nem ultrapassar o limite da razão, mas precisa expressar sua vontade e tornar públicas suas opiniões.  

A suspensão de perfis, como vem sendo feita, configura abuso, que, de abuso em abuso chega à distopia. Ademais, a medida de bloqueio completo e irrestrito de um canal representa clara violação à liberdade de expressão, sob pena de generalização de que todas as publicações do canal - passadas, presentes e futuras -, seriam criminosas, o que não é verdade. É preciso separar o joio do trigo; o que está certo do que está errado.

Sabe-se que o censor ditador de Brasília não explica convincentemente suas decisões ou suas ações autoritárias. Os recursos dos perseguidos são indeferidos pelo “ser iluminado”, sem delongas. Ele tão somente aduz que o recorrente não apresentou qualquer argumento minimamente apto a desconstituir os óbices apontados. Ou seja, o censor julgador entende que não há reparos a fazer no entendimento aplicado à questão que lhe foi apresentada. Porém, não é crível que as mídias não tenham apontado os erros da decisão judicial. Ao contrário, foi o censor que não soube justificar sua decisão persecutória e desproporcional.  

Assim, o totalitarismo distópico surgiu de abusos em abusos, sem que ninguém fizesse algo de efetivo para evitar. A sociedade cidadã, o Congresso, a parte sã e equilibrada do Poder Judiciário, o Ministério Público Federal, a OAB e outras entidades de setores organizados precisam dar um basta nas decisões que hoje são vistas como excessivas e absurdamente abusivas. Um membro do Judiciário, como é o caso do censor, não pode ser ao mesmo tempo vítima, acusador, investigador e juiz.

Se alguns conteúdos das mídias sociais são criminosos, a resposta plausível da Justiça é investigar, comprovar e adotar a ação equivalente, com fatos e fundamentos, dentro do rigor do devido processo legal e mediante a concessão legal e litúrgica da ampla defesa e do contraditório. Afora isso, mitigar o princípio do devido processo legal e emitir qualquer decisão injusta, desarrazoada e não fundamentada implica em admitir que os atos estarão fadados à anulação absoluta.  

Neste sentido: A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX, da Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de maneira irremissível, a consequente nulidade do pronunciamento judicial”.(STF - 1ª Turma - HC 74.351 - Rel. Min. Celso de Mello - j. 29.10.1996 - RTJ 163/1.059).

O Poder Judiciário, indispensável à democracia e à cidadania, não pode ficar inerte diante de abusos e abusos que chegam à distopia. Da mesma forma, não pode permitir que um de seus membros se coloque acima da lei, nem seja censor, ditador e dono de verdades exclusivas suas. Ou seja, os órgãos judiciais devem trabalhar exaustivamente contra a injustiça e devem obedecer, de fato, os trâmites do devido processo legal, pois, sentido outro, estaríamos diante de duas violações graves - dos direitos da pessoa humana e do Estado democrático de direito (artigo 1º, da CF).

Enfim, se a utopia é o sonho mais doce da humanidade em construir um mundo melhor para se viver, a distopia é, consequentemente, a representação de tudo de ruim que pode acontecer. Portanto, digamos NÃO aos abusos que culminam em distopia; e digamos NÃO ao totalitarismo distópico.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. O artigo todo é excelente mas essa parte eu achei demais e assino junto com a devida permissão do causídico Dr. Wilson Campos - ..."Assim, o totalitarismo distópico surgiu de abusos em abusos, sem que ninguém fizesse algo de efetivo para evitar. A sociedade cidadã, o Congresso, a parte sã e equilibrada do Poder Judiciário, o Ministério Público Federal, a OAB e outras entidades de setores organizados precisam dar um basta nas decisões que hoje são vistas como excessivas e absurdamente abusivas"... Abraço doutor e parabéns. Juliano Sobrinho.

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  2. Eu estou assustada e apavorada com essa coisa toda e a partir do ano que vem vai piorar porque os comunistas estão assanhados e contando com a ajuda do STF que parece estar fora de si. E os outros juízes do Brasil o que falam? Nada? Como podem aceitar isso? Pelo amor de Deus minha gente da Justiça voces precisam reagir a esses abusos desse senhor que faz parte do Judiciário. Dr. Wilson Campos eu sou sua fã e leio tudo que publica e acho tudo dentro da lei e do possível sim e precisamos dessas informações. Att: Cármen Dantas.

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  3. Prezado doutor Wilson Campos, li o seu artigo e é óbvio que concordo com tudo o que foi escrito. Fiquei pensando, como são omissos e alheios do tipo “não estou nem aí” os órgãos que têm a obrigação legal e ética de se posicionarem contra todos esses desmandos do referido lunático censor. Porém, têm alguns que as suas obrigações vão bem mais além do que as de outros, inclusive, exigindo-lhes atitudes claras e enérgicas. Senão vejamos: o Congresso Nacional, através de suas duas Casas, a Câmara dos Deputados, com os seus 513 deputados, com exceção de uma “meia dúzia de gatos pingados”, poderia ser nominada de a câmara dos covardes, e o Senado Federal, com os seus 81 senadores, com exceção de menos ainda de “meia dúzia de gatos pingados”, também poderia ser denominado de o senado dos medrosos. Podemos acrescentar à lista dos indiferentes os governos estaduais e municipais, os inúmeros conselhos representativos das diversas classes profissionais, enfim, os relapsos são tantos que os seus descasos e silêncios sepulcrais chegam a provocar náuseas. Ainda bem que temos Deus, que mantém acesa a fé de todos nós. Forte abraço e que o Criador, por caridade, continue iluminando-o nessa promissora caminhada de escritor.

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  4. Esse censor ditador é uma vergonha para o Brasil. Concordo que a OAB deve se manifestar com rigor diante desses abusos e desmandos desse censor ditador do Judiciário. Eu pergunto onde estão os demais juízes,magistrados da 1ª, da 2ª e da 3ªinstâncias??? Estão esperando o que para limpar o nome do Judiciário?Estão esperando o que para colocar a Justiça para funcionar??? Estão esperando o que para fazer respeitar a CF??? Meu caro Dr. Wilson Campos, o senhor está super certo e essa distopia (aprendi hoje) não tem lugar no Brasil e não vamos deixar que a esquerda comunista e seus membros (inclusive o censor ditador) mandem aqui. Isso não vamos deixar e ponto final. A hora da verdade chegará. A hora do acerto está chegando. Deus vai nos comandar e vamos vencer. Artigo 100% correto e cheio de verdades puras e cristalinas como água corrente e estamos de acordo. Abraços doutor. Laerte D. Pessoa.

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