A BELIGERÂNCIA E A TORPEZA MORAL DIANTE DA RETÓRICA DO MEDO.

 

Em tempos de destaques da torpeza moral e do medo, como os atuais vividos no Brasil, a sociedade se vê cercada de ameaças e tenta responder a elas de forma instintiva. Em alguns casos, evitar certas ameaças pode ser uma atitude de cuidado e preservação, mas, em outros, pode instalar no indivíduo ou mesmo no povo um estado permanente de covardia.

A retórica do medo substitui o herói pelo sobrevivente e expande a procura por terapias. A formação do caráter perde campo para a incerteza e a coragem cede lugar à procura por segurança e sobrevivência. O ser humano está cada vez mais vulnerável e tendente a passivo. Porém, uma faísca de intolerância e raiva é suficiente para uma reação diante do risco iminente, tornando um indivíduo ou mesmo um povo reativo e beligerante. 

Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, dizia que as pessoas quase sempre são violentas e passionais. Daí a sua noção de que a lei, derivada do Estado e exercida com autoridade, fosse a principal ferramenta do poder, instituidora da paz e único recurso capaz de cessar a guerra.

O filósofo entendia que é a lei que institui as noções do justo e do injusto, do certo e do errado, do bem e do mal, desde que fundada no poder e capaz de possibilitar o convívio social, afastando a beligerância natural e permitindo uma vida melhor aos indivíduos, embora recorrentes as manifestações de uns contra os outros. Segundo Hobbes, os seres humanos possuem uma tendência natural à violência. Daí sua célebre frase: “O homem é o lobo do homem”.

Hobbes enxergava no homem um ambiente de desobediência, inveja, mentira, traição, ódio, ambição e prevaricação, necessitando, portanto, de uma lei que servisse de determinante de penas e sanções, devendo o soberano deter o poder da espada, o poder absoluto, incutindo o temor nos corações dos indivíduos, contendo as emoções e estabelecendo a harmonia.  

No entanto, vez ou outra Hobbes se deixava pegar pela dualidade de seu mais importante texto, expresso na obra Leviatã, onde o Estado, prepotente e colocado acima de tudo e de todos, em inteiro contraste à figura frágil dos governados, punha-se a defender os pequenos da sanha dos grandes, fazendo garantir a cada um o que lhe pertencia por propriedade individual, embora todos tivessem direito a tudo e na realidade ninguém tivesse direito a nada, porque ao Estado eram reservados o poder, a soberania, as posses e os destinos dos súditos.

A dualidade sempre acompanhou a vida do filósofo, sem, contudo, diminuir a importância da sua obra. Hobbes transitou entre dois mundos, passando do medo constante da morte às ideias ousadas e audaciosas; da origem pobre e muito humilde à convivência com a nobreza na maior parte de sua vida; da razão à retórica; do esclarecimento à superstição; da luz à escuridão; da guerra à paz e da perseguição religiosa à glória do ateísmo hobbesiano.

Seus escritos foram publicamente queimados, mas lidos avidamente pelos intelectuais, políticos e pessoas comuns. No fundo, o que mais interessava a Hobbes não era apenas o poder absoluto do Estado, mas a prova de que o homem não era sociável, tinha medo e desejava a paz, preferindo um pacto para fundar um estado social, abdicando do seu direito em favor do soberano.

Controvérsias à parte, aliás, muitas, diga-se, Hobbes contestou e foi contestado, deixando para Locke e Rousseau a continuidade das discussões de seu contrato, que, a seu ver, devia ser administrado pela força do Estado, dominando o instinto destrutivo do homem, controlando o estado de guerra e mantendo a ordem.

John Locke (1632-1704), também filósofo inglês e “pai do liberalismo”, partiu do princípio de que o Estado existe não porque o homem é o lobo do homem, mas em função da necessidade de uma instância superior a controlar os interesses. Os cidadãos livremente escolhem o seu governante. As leis devem ser expressões da vontade da assembleia e não fruto da vontade de um soberano. Locke era opositor ferrenho da tirania e do absolutismo, colocando-se contra toda tese que defendesse o poder inato, de pessoas que já nascem com o poder, como é o caso das monarquias.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, considerava que o ser humano é essencialmente bom, porém a sociedade o corrompe. Entendia que todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido. O governante nada mais é do que um representante do povo. Rousseau pensava a democracia direta, com a participação de todo o povo na hora de tomar uma decisão. Pensava ainda a democracia representativa, com a escolha de pessoas para agirem em nome do povo no processo de gerenciamento das atividades comuns do Estado.

Entretanto, ao contrário do que defendia Locke, o pensador suíço andava na contramão da proteção das liberdades individuais, tornando-o um defensor das ideias esquerdistas, fascistas e comunistas. Rousseau aceitava a aberração de que líderes populistas, carismáticos e demagogos se dissessem representantes do povo para tão somente tirar dos indivíduos a sua liberdade e o seu direito. A democracia pregada por Rousseau resumia-se em paradoxos, e nem sempre o que era bom para o governo era bom para o povo.

Vale observar que o medo, a violência, o conflito, a liberdade, a beligerância e a paz são expressões usadas pelos filósofos, embora sob enfoques e conceitos diferentes. Todavia, a meu ver, permissa venia dos ilustres filósofos, o cidadão não precisa das rédeas curtas ou da ingerência do Estado. Ao contrário, precisa da colaboração do próprio povo, da parceria entre os pares, da ajuda mútua, da expectativa de vida conjunta e da soma de esforços no combate ao ambiente hostil. Sem esses princípios da sociabilidade e da reciprocidade o indivíduo não supera os obstáculos e sucumbe.

No caso concreto do Brasil, a torpeza moral é mola propulsora da beligerância, apesar da retórica do medo. A permissividade por atos de um governo complacente gera o aumento da desobediência às leis por parte dos mesmos que cometem crimes e ficam impunes. A fraqueza do governo na imposição de limites causa o aumento da violência, seja por uso de drogas ou má índole do infrator.

Somente a união das pessoas de bem e o pacífico convívio da coletividade são capazes de derrotar o estado de natureza beligerante do indivíduo, notadamente com interação e colaboração da sociedade. Lado outro, a torpeza moral faz crescer a beligerância, uma vez que os maus exemplos de instituições e autoridades impulsionam os conflitos sociais e a impunidade incentiva o crescimento da violência e da criminalidade.

No Brasil atual, onde a descriminalização da maconha difundiu a ideia de que usar drogas é permitido, embora a lei não disponha neste exato sentido, o indivíduo não respeita mais ambientes ou locais e faz uso da droga como se natural isso fosse. A droga leva à irracionalidade, que leva à violência, que leva à prática de crimes. E enquanto isso, a população está temerosa, cada vez mais arredia e desconfiada. A torpeza moral é muito grande e o resultado é um estado de beligerância diante de uma retórica do medo.

Por fim, vale dizer que no Brasil atual o governo é sinônimo de fracasso e desesperança, e cumpre repetir que, a rigor, somente a união das pessoas de bem e o pacífico convívio da coletividade são capazes de derrotar o estado de natureza beligerante do indivíduo, notadamente com percucientes rigidez das leis, firmeza de caráter e interação e colaboração de uma sociedade cidadã e civilizada.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. O povo com medo, os bandidos soltos e a moral baixa dos 3 poderes é a nossa realidade. Triste. Vergonhoso. Fundo do poço. Dr Wilson parabéns pelo excelente artigo e das verdades ditas. Parabéns doutor. Sds. Vitório Mello.

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  2. Maria Clara S. D. Ramalho9 de julho de 2024 às 19:31

    Eu copio a fala do dr Wilson Campos e destaco que: … - A retórica do medo substitui o herói pelo sobrevivente e expande a procura por terapias. A formação do caráter perde campo para a incerteza e a coragem cede lugar à procura por segurança e sobrevivência. O ser humano está cada vez mais vulnerável e tendente a passivo. Porém, uma faísca de intolerância e raiva é suficiente para uma reação diante do risco iminente, tornando um indivíduo ou mesmo um povo reativo e beligerante. -
    Ótima percepção de tudo Dr Wilson.
    Parabéns. Att: Maria Clara S.D. Ramalho.

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  3. O mau exemplo está vindo das autoridades públicas brasileiras que são bonzinhos com bandidagem e incentivo aos malandros. Quem paga a conta é o povo de bem. A vagabundagem da política suja contamina os indivíduos das drogas e dos crimes. Um horror!!!
    Dr Wilson meus parabéns pelo brilho do artigo consciente e cheio de verdades verdadeiras. Eng. Vander Pimentel.

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  4. Dr Wilson o pior de tudo é pagar impostos caros para viver num país que só tira e não dá nada para a população do lado bom e só ajuda o lado ruim que são os drogados e bandidos. Outra coisa é que estão tirando bandidos da cadeia e colocando nas ruas. O judiciário erra todo dia e todo dia o medo aumenta na vida dos brasileiros de bem. Até quando vamos aguentar isso????
    Dr Wilson o nosso Brasil está indo mal muito mal. Até quando??? Saudações doutor, abraço do Henrique Lunardi.

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  5. Nilzete Lucy T. O. Pretti9 de julho de 2024 às 21:24

    A beligerância do filósofo é a mesma de que o homem é o lobo do homem mas a culpa no Brasil é da política macabra, e porque o governo é bom demais com os infratores. São bandidos nas ruas soltos e famílias dentro de casa com medo da violência e da criminalidade. Só Jesus na causa.
    Dr. Wilson o seu artigo fala o que eu estou engasgada para falar a um ano e meio. Nilzete L. T. L. ( microempreendedora)

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