AS MAZELAS DO PODER JUDICIÁRIO



Mais do que a falta de juízes e servidores em grande número de comarcas no Brasil, as mazelas do Poder Judiciário atingem os jurisdicionados quando eles mais precisam, causando desesperança naqueles que buscam soluções de conflitos ocorridos no trabalho, na compra, na venda, na prestação de serviço, no patrimônio, na honra, na vida.

Esse problema precisa ser olhado com responsabilidade, porquanto represente a confiança do cidadão na parte que se espera mais sadia do Estado, onde a Justiça não seja mero instrumento de manipulação, de favores, mas uma máquina econômica e célere na aplicação das leis.

Lamentavelmente, de afronta em afronta estão minando de descrédito e suspeição a cúpula do Poder Judiciário. Um exemplo de que isso ocorre é o centralismo autofágico de chefes do Executivo que indicam nomes e preenchem vagas na Suprema Corte segundo os critérios da oportunidade e da conveniência próprias.

A Praça dos Três Poderes dificilmente é frequentada pelo povo, embora pública, e muito menos para tratar de questões jurídicas. A sociedade, a opinião pública, a imprensa e a população de maneira geral, quase sempre desconhecem as verdadeiras razões das decisões que levam a outras decisões de interesse das autoridades do Executivo e do Legislativo, que conduzem cidadãos com conhecimento jurídico às funções de juízes de instâncias superiores do Judiciário. Aqui, exatamente, identifica-se o maior defeito desse sistema de nomeações: a inércia conivente do poder fiscalizador, que é o Congresso Nacional.

A rigor, a indicação para o Supremo Tribunal Federal deveria partir do povo, mediante a comprovação pelo candidato de comportamento ético e probo, notável saber jurídico e reputação ilibada. Isso porque a soberania é do povo, uma vez que o Legislativo está cada vez mais distante do cidadão, desonrando o voto do eleitor brasileiro, que se tornou órfão de representatividade pela absoluta falência de nossa democracia representativa.

Não se sabe, mas se imagina como se sentem os magistrados que chegam aos tribunais superiores pelas mãos de políticos quase sempre investigados ou respondendo por atos de crimes contra a Administração. Mas o povo sabe que quaisquer dos poderes tornam o indivíduo órfão de representatividade e vítima de todos os vícios cultivados pela representação que passo a passo lhe é usurpada.

As mazelas do Poder Judiciário passam pela constatação de que os freios e contrapesos do Brasil foram corroídos pela oligarquia que governa o país. Os Três Poderes se esqueceram de suas obrigações e se transformaram em poderes isolados, corporativos, desarmônicos e afeitos às aparições espetaculares na mídia. No entanto, o Judiciário não pode se deixar levar pela ganância do Executivo e do Legislativo, e muito menos permitir a má influência deles.

Não interessa ao povo brasileiro uma Justiça leniente, lerda, de juízes que lavam as mãos para as questões políticas, assim como não interessa a continuidade de governantes que agem com descaso, negligência e irresponsabilidade na gestão administrativa da República e das unidades federativas, que sacrificam os servidores, que negam direitos básicos do povo, que sucateiam os serviços públicos, que cobram impostos exorbitantes, que fomentam a extorsão dos juros e das taxas públicas, que alimentam o crime e que ficam impunes e livres do alcance da lei, e que são beneficiados pelas formas corruptas de ocupar cargos públicos, pela permissividade das leis e pela inoperância da Justiça, dos controles e dos fiscais do Estado.  

O judiciário brasileiro ainda vive a era da justiça burguesa, e exatamente por isso enfrenta situações de falta de credibilidade, porque ignora o respeito à soberania do povo, pelo menos formal, expressa por meio do voto popular, da defesa intransigente das garantias constitucionais, dos direitos do cidadão à ampla defesa, e da presunção de inocência. Ora, no mínimo, o povo espera que o magistrado tenha postura discreta, o mais distante possível dos holofotes da mídia, sendo-lhe vedada a filiação e adesão a qualquer partido político.

As mazelas do Judiciário residem ainda no fato de que esse poder é caro, ineficiente, conservador, lento, hermético e se coloca acima da lei. Seus quadros são majoritariamente oriundos das classes altas. Sem nenhum pudor os juízes aumentam seus rendimentos criando vantagens como o absurdo auxílio-moradia e outros penduricalhos imorais que resultaram em remunerações muito acima do teto constitucional. Nossos juízes punem, mas não são punidos. Pesquisa do IPEA revelou que entre 2006 e 2015 foram aplicadas por ano, em média, sete sanções leves nos mais de 17 mil magistrados brasileiros: um percentual de 0,04% que aproxima “suas excelências” da santidade. Quando fica comprovado que um magistrado cometeu um grave delito – venda de sentença, favorecimento a empresa – não é preso nem demitido, é “convidado” a se aposentar, com altos vencimentos. Isso, quando não continua na atividade, praticando outros desatinos jurídicos a favor das castas políticas e empresariais.

Outras mazelas decorrem dos seguintes fatos: delações premiadas suspeitas, “convenientes”, vazamentos seletivos, conduções coercitivas, desrespeito à presunção de inocência e aos direitos de ampla defesa e contraditório. Tudo realizado com o consentimento do Supremo e de instâncias superiores, do mesmo Judiciário, cada vez mais acometido de conflitos entre os seus próprios pares.

As mazelas não param por aí. Vale observar que, nos últimos três anos, o Supremo vem perdendo a credibilidade. Gilmar Mendes é a própria figura do anti-magistrado: autoritário, grosseiro, parcial e desrespeitoso com os próprios colegas. Agride os demais ministros e desobedece a princípios basilares do exercício da função. Os demais ministros calam e assim, consentem. Dois ministros do Supremo foram flagrados em ação nepotista, interferindo para que suas filhas, advogadas neófitas, fossem escolhidas para o cargo de desembargadoras, juízas da segunda instância.

O Brasil vive o mais humilhante e vergonhoso momento de sua história. Uma confusão política que acabou no impeachment de uma presidente eleita; que colocou no lugar outro político que amarga 94% de rejeição da população, segundo a imprensa nacional; que não consegue administrar o país sem bajular parlamentares interesseiros; que perde a guerra contra o desemprego, a inflação e os juros altos; e que não se sustenta enquanto governo, porque a crise político-econômica é crescente e os setores produtivos estão cada vez mais alarmados e desconfiados.

E esses absurdos se tornaram reais e possíveis pela ação e vontade de um Congresso corrupto que vem contando com as mazelas vividas pelo Judiciário, para transformar a vida do brasileiro num labirinto sem saída. Ou seja, além das suas próprias mazelas, que são muitas, o Poder Judiciário vem assumindo outras que são de competência ou incompetência dos Poderes Executivo e Legislativo.  

As mazelas do Poder Judiciário são ainda mais desastrosas quando colocados no foco da luz os presidentes de tribunais brasileiros, que divagam e tergiversam na punição de políticos que lesam o patrimônio público e ainda, por incrível que pareça, continuam com privilégios na esfera judicial, tamanho o tratamento diferenciado que recebem.

Demonstração de avanço e correção no rumo das mazelas somente virão quando o Poder Judiciário praticar os princípios da economia e celeridade processual, e com extremo rigor e urgência julgar os múltiplos casos de corrupção, de formação de quadrilha, de organização criminosa, de lavagem de dinheiro, de recebimento de vantagem indevida, de obstrução da Justiça, de caixa 2 e de ocultação de patrimônio, entre outros crimes contra a Administração.

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Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/ Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).



Comentários

  1. Dr. Wilson Campos, eu pago impostos, tenho empregados, contribuo com a nação, mas não vejo em nenhum dos 3 Poderes qualidades para elogios. Ao contrário, todos são movidos por interesses mesquinhos e cruéis com a maioria da população. As mudanças que vierem, se vierem, deverão atingir os 3 Poderes, de forma igual, porque têm vícios e anormalidades impossíveis de tolerar numa República democrática. Parabéns, doutor, pelo belo artigo, de excelente qualidade e acima de tudo, ético. Ernani V. D. Gofredo.

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