OUTORGA ONEROSA NÃO É TRIBUTO.


 
Expressiva corrente doutrinária entende que a outorga onerosa do direito de construir não é tributo. Por sua vez, o legislador quis dotar a Administração de instrumento eficaz ao controle da expansão urbana, de forma que se pudesse desestimular a corrida ao crescimento vertical, cujo resultado já se faz sentir em todas as esferas da sociedade, seja no que tange ao trânsito caótico ou à insuficiência dos serviços de infraestrutura, desaguando na completa degradação ambiental.

A bem da verdade, a outorga onerosa trata-se de instrumento que flexibiliza as regras construtivas e representa uma concessão da prefeitura para que o proprietário de um terreno possa edificar acima do limite estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante o pagamento de contrapartida em favor do município, valendo observar que ela visa arrecadar recursos para investimento em áreas de interesse social, com destinação da receita para habitações populares e melhorias na cidade.

No entanto, os setores imobiliário e da construção civil, sem uma análise coletiva de valores, mas individual e corporativa, imaginam a outorga não como um ônus opcional, mas como um imposto, um dever, uma obrigação compulsória. Labora em erro o setor empresarial quando assim pensa e se manifesta, mormente por meio de campanha contra a atual versão do Plano Diretor de Belo Horizonte, em pauta na Câmara Municipal, com alegações inapropriadas de que a outorga onerosa representa a criação de mais um imposto.

Data venia, urge informar que a jurisprudência firmada pelo STF nos julgamentos proferidos em ações que questionavam a constitucionalidade da outorga onerosa, verbi gratia, são no seguinte sentido: “Tributário. Parcela do solo criado: Lei municipal nº 3.338/89. Natureza jurídica. Não é tributo a chamada parcela do solo criado que representa remuneração ao Município pela utilização de área além do limite da área de edificação. Trata-se de forma de compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da sobrecarga da aglomeração urbana”. (RE 226.942, Rel. Min. Menezes Direito, Primeira Turma, DJe 15.5.2009).

Da mesma forma foi o entendimento no Recurso Extraordinário: “Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem (sobre ou sob o solo natural), resultado da construção praticada em volume superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo. Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato necessário. Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no artigo 182 da Constituição do Brasil. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade (art. 170, III da CB). (RE 387.047, Rel. Min. Eros Grau, Plenário, DJe 6.3.2008).

A outorga, dentre outros instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, tem por finalidade compensar a municipalidade pelo adensamento populacional. Assim, a cobrança é destinada ao ajustamento do espaço urbano, garantindo a todos os moradores da cidade uma melhor qualidade de vida. Contudo, cabe à sociedade o trabalho de acompanhar e fiscalizar a real destinação da arrecadação da outorga onerosa, de forma que sejam atendidos os objetivos de investimentos em habitação social e melhorias na cidade.

Como visto, a outorga onerosa não é um tributo, simplesmente porque é uma opção do proprietário e o seu pagamento não é compulsório. Ou seja, a outorga onerosa não representa a criação de mais um imposto.

Wilson Campos (Advogado/Delegado Titular do Setor Técnico na 4ª Conferência de Política Urbana/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

 

Comentários

  1. Claro que não é tributo, porque não é obrigatório e o dono do empreendimento só paga se utilizar o espaço acima do CA definido pela lei. Sou arquiteto em MG e acho que o melhor seria valer para todo o país, sem distinção de município ou estado, porque assim fica federalizado. Parabéns Dr. Wilson pelo artigo e pela doutrina juntada, para clarear as ideias de alguns que ainda não concordam. Júlio Onofre..

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  2. O interessante é o seguinte:
    Se a lei não é boa, que se mude a lei, dentro da legalidade.
    Muito bom o seu texto e ele representa o que preconiza a lei.

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  3. Ótimo artigo, tenho o mesmo entendimento sobre o assunto. A outorga onerosa cria uma possibilidade e garante que o direito de poder construir uma margem além do coeficiente estabelecido pela lei de uso e ocupação do solo, tenha uma compensação pelos possíveis transtornos ambientais e sociais.

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  4. Sidney Martins - Movimentos Populares Brasil.l.24 de abril de 2019 às 14:32

    Ótimo artigo, tenho o mesmo entendimento sobre o assunto. A outorga onerosa cria uma possibilidade e garante que o direito de poder construir uma margem além do coeficiente estabelecido pela lei de uso e ocupação do solo, tenha uma compensação pelos possíveis transtornos ambientais e sociais.

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  5. Mariana G. Albuquerque T.24 de abril de 2019 às 21:39

    Excelente.Vou divulgar. Posso? Parabéns ao Dr. Wilson Campos pelo brilhantismo de sempre . Mariana Albuquerque .

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  6. Se a construção é maior e acima do permitido, os serviços públicos serão maiores e a população pagará mais, porque os equipamentos, insumos e serviços públicos são pagos pela povo - saneamento básico, luz, asfalto, limpeza, etc. Quer dizer, a construção acima do permitido tem de pagar algo mais para compensar essa despesa pública. Isso quer dizer ainda que a outorga da construção não é imposto,mas um despesa para quem quer construir mais do que o permitido pela lei. Muito justo. E o artigo do doutor Wilson Campos, excelente como sempre, mostra claramente isso, com demonstração de decisão judicial sobre o assunto, que a tal da outorga não é tributo ou imposto. Não é e ponto final. Obrigado. José Vicente S.F.

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