SERRA DO CURRAL.



                              "Lamentável que a Serra do Curral esteja sendo vítima de empresários gananciosos, da ignorância popular, da lentidão do Judiciário e da incompetência do poder público".


Em 2016, a Justiça proibiu a implantação de um hospital aos pés da Serra do Curral, como forma de preservar o patrimônio ambiental nacional. A liminar da 17ª Vara Federal se deu em razão de fatos e provas nos autos da iminente obra indevida em área tombada, a ser promovida pelo grupo Oncomed, e determinou que este se abstivesse de realizar qualquer tipo de intervenção, por si ou mediante prepostos, no imóvel do antigo hospital Hilton Rocha, até ulterior determinação judicial. Determinou, ainda, a suspensão dos efeitos de todos os atos autorizativos concedidos pelo município de Belo Horizonte e pelo Iphan para as obras de alteração e ampliação.
                                
A liminar foi concedida nos autos da ação civil pública de autoria do Ministério Público Federal em Minas Gerais e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com o objetivo de promover a tutela do patrimônio histórico e cultural federal, e visando a conservação e preservação do conjunto paisagístico da Serra do Curral, objeto de tombamento federal e municipal em Belo Horizonte.

Para os autores da ação, as licenças emitidas pelo município, assim como as autorizações do Iphan, contrariam a legislação federal, assim como a própria legislação municipal que protege o patrimônio cultural e ambiental, além de desconsiderar as diretrizes de proteção do próprio tombamento da Serra do Curral.

Em 2017, a liminar foi derrubada e a saga da Serra do Curral continuava, restando submetida à violação diária das mineradoras, à investida dos empreendedores imobiliários e, agora, com as ameaças incessantes de construção do hospital de  múltiplas especialidades, cujo projeto é 113% maior do que a obra do Instituto de Olhos Hilton Rocha e cuja definição desrespeita a altimetria local e contribui para prejuízos ambientais e culturais no corredor ecológico, na encosta e na parte mais alcantilada da Serra do Curral.
                                         
Particularmente, não sou contra a construção do hospital ou de qualquer outro empreendimento, desde que seja em lugar adequado e apropriado para os fins, e não aos pés da Serra do Curral e nem em áreas ambientais preservadas e protegidas por lei ou tombamento, ainda mais se o projeto prevê a absurda construção de pavimentos acima e abaixo do solo, colocando em risco iminente o paredão da Serra.

Ademais, onde estão as garantias de que o hospital será para uso da população necessitada, com o mínimo de 50% dos leitos para o SUS? Fala-se muito em atendimento aos pacientes de planos de saúde e da rede particular. Não citam os humildes, os sem condições financeiras, os hipossuficientes. Ou seja, os pobres continuarão à margem, sem direito à saúde e entregues à própria sorte. 
                
Noutro norte, o governo do estado, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e o Conselho de Política Ambiental se calam e se omitem diante da exploração insana das mineradoras, que modificam o perfil do solo e afetam a unidade de conservação, reduzindo drasticamente a capacidade de armazenamento de água na microbacia, criando, criminosamente, a possibilidade de desestabilização e deslizamento de terra e desfigurando violentamente toda a área de preservação ambiental da Serra do Curral.

Já a prefeitura, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e o Conselho Municipal de Meio Ambiente lavam as mãos, negligenciam nas suas funções e tergiversam nas declarações, alegando ausência de perigo de dano, ou de agravamento de dano, consentindo no prosseguimento da construção do hospital de luxo nos terrenos tombados da Serra do Curral, sob o argumento ainda de que os licenciamentos urbanístico e ambiental se deram em função do interesse no aumento de oferta de leitos e no objetivo social do hospital, e que a Lei Municipal 7.166/1996 (Lei de Uso e Ocupação do Solo) foi alterada pela Lei Municipal 9.959/2010 para permitir, no lote 1 do quarteirão 39, o exercício de atividade de hospital, e não apenas de hospital oftalmológico, a exemplo do Instituto Hilton Rocha.

Recentemente, o grupo Oncomed foi acusado de irregularidades nas obras de construção do hospital na encosta da Serra do Curral, e agora encontra-se na mira da Câmara Municipal, que criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar os graves impactos na área de proteção ambiental e também solicitar à prefeitura o embargo imediato do empreendimento, sob o fundamento de que o projeto licenciado era para ampliação simplificada e não para derrubada do imóvel existente e construção de outro três vezes maior, com intervenção absolutamente danosa ao patrimônio nacional tombado. Além do que, a CPI deverá requerer a fiscalização do andamento da obra e apurar quaisquer extrapolações do projeto original e de descumprimento das normas ambientais e urbanísticas que protegem a região.

Os grupos empresariais que destroem a Serra do Curral pelos lados, pela frente e pelos fundos podem tão somente se vangloriar de suas vitórias de Pirro, inócuas, sem sentido, conquistadas até o presente momento à custa dos crimes de dano ambiental, cujas obras, enquanto não suspensas ou embargadas, significarão batalhas desumanas de destruição da natureza, do cartão postal e do patrimônio histórico, natural e cultural de Belo Horizonte, até que a Justiça os condene severamente, a sociedade os faça recuar ou a saúde do ser humano e a sobrevivência das águas, da fauna e da flora determinem a obrigatoriedade de prevenir e evitar o dano.
                                        
Enfim, é lamentável que a Serra do Curral esteja sendo vítima de empresários gananciosos, da ignorância popular, da lentidão do Judiciário e da incompetência do poder público, ao arrepio dos artigos 216 e 225 da Constituição, dos artigos 165 e 166 do Código Penal e das normas criminais do direito internacional, uma vez que, neste caso, o Brasil aderiu à Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, adotada em Paris, aos 23 de novembro de 1972, aplicando-se ao caso o art. 109, V, da Constituição da República. Além do que, há que se considerar, ainda, o art. 62 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), que tutela o ambiente em geral, assegurando a guarda que se pretende dispensar aos bens devidamente protegidos.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG). 

 
(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de sábado, 4 de agosto de 2018, pág. 7).


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Comentários

  1. boa tarde, Dr. Wilson, no momento em que agora ouço sua entrevista na rádio super,programa do ricardo sapia,vejo a reportagem da serra do curral.
    foi instalada na serra do curraljá alguns anos atras,um disposito ou vários dispositivos de jato de agua para combater os incendios ali existentes,os incendios continuam,nunca vi mais noticias desses jatos de agua ao pé da serra.a oncomed de um rico médico,parece ser instalada ali,no hilton rocha,as vezes passo por ali,não vejo placa nem do hilton rocha nem da oncomed,só para ricos o tratamento de cancer os pobres não terão assistencia,pois não tem dinheiro,o que não é democratico. Marco T´. M. Camargos.

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  2. Jorge Eduardo S. Lopes7 de agosto de 2018 às 09:54

    Caro Dr.
    Wilson Ferreira Campos,

    O desfazimento da Serra do Curral, é obra de mãos criminosas
    que não respeitam o Código Ambiental e outros dispositivos legais.
    Estes vorazes bichos destruidores da natureza são imunes das leis.
    A mudança do Foro de Belo Horizonte/MG, para a Av. Raja Gabaglia,
    foi matéria do Jornal dos Advogados de Minas Gerais.
    O respeito e a ética são no dinheiro que vai render o empreendimento
    $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$.
    Lamentamos que o país caminha para o lodo.
    Grato, por nos apresentar matérias, que infelizmente, parece serem
    insolúveis.
    Vamos continuar lutando para que nosso patrimônio histórico não seja dilapidado
    por inescrupulosos daqueles que só pensam em dizimar a natureza ! Jorge.


    Um forte abraço,
    Jorge

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  3. Wellington G. L. Vasco.7 de agosto de 2018 às 09:59

    Dr. Wilson, meus parabéns pelo brilhante artigo. Concordo com tudo e assino embaixo, porque o patrimônio histórico precisa ser preservado e não destruido como estão fazendo com a Serra do Curral e outros pontos turísticos em BH e Minas. As mineradoras e as construtoras e agora esse empreendimento para hospital na Serra do Curral são absurdos que precisam ser detidos pelo poder público, mas este é corrupto e negligente, cabendo ao povo tomar a frente e dar um basta nesta porcariada toda que enoja a todos os mineiros. Abraço. Wellington Vasco.

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  4. Parabéns ao Dr. Wilson Campos pelo magnífico artigo sobre a Serra do Curral.

    Nesses tempos de negligência, covardia e omissão, o Dr. Wilson dignifica a profissão de advogado e de consagrado articulista

    pelo destemor e competência com que luta pelos interesses maiores da comunidade e pelos esclarecimentos que presta à população

    através do Estado de Minas, um dos jornais mais sérios e tradicionais do Brasil. Enquanto existirem homens do quilate do Dr. Wilson, ainda

    acreditaremos que o nosso país pode ter um futuro melhor.

    Marcelo Marinho

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