OS TRÊS PRINCÍPIOS GREGOS DA DEMOCRACIA: ISONOMIA, ISEGORIA E ISOCRACIA.

 

Naturalmente que a democracia grega, como legado para o mundo contemporâneo, não encontra sintonia nem similaridade no bojo social do século XXI, haja vista que a antiga sociedade de Atenas não possuía as mesmas particularidades que a sociedade atual guarda e descobre por meio de novas possibilidades. 

Em que pese a alegada falta de liberdade plena e absoluta durante alguns anos, no rigoroso tempo de governo militar, a sociedade brasileira começou a entender a importância e o verdadeiro significado do que pudesse ser a democracia no Estado de direito.

Os estudiosos da relevância do regime democrático ensinaram e ensinam ainda que o aprendizado sempre remete a uma visita aos séculos V e VI a.C., quando a democracia foi criada, aperfeiçoada e estabeleceu a base das democracias modernas.  

O início das normas democráticas na Grécia, especialmente no período áureo ateniense, repercutia o significado de igualdade, mas por mais que alguns tentassem aplicá-la, os contrários insistiam na derrubada dos ensinamentos dos criadores da ideia formadora da política.

Entre os princípios mais valiosos da Constituição brasileira está o de que “todos são iguais perante a lei” (art. 5º). No entanto, a prática desse direito não existe, efetivamente. Restam diferenças abissais no seio da sociedade, porquanto uns tenham privilégios e outros não; porquanto uns vão para a cadeia por roubar um pote de manteiga no supermercado e outros estão livres e soltos mesmo depois de assaltarem os cofres públicos e cometerem os crimes de corrupção tratados como de colarinho branco; e porquanto ainda exista muita injustiça e muita desigualdade social.

A sociedade brasileira aprendeu bastante, mas continua tendo muito a aprender sobre democracia. Os cidadãos comuns pouco sabem sobre direitos e deveres compartilhados. Pensam que sabem, mas quase nada compreendem dessa linguagem de processo histórico. 

A lição que perdura por séculos é a de que lá, na Grécia, como cá, no Brasil, travando a democracia e a liberdade, existiam os demagogos, que conquistavam a confiança do povo através do discurso vazio ou de promessas irrealizáveis. A diferença é que lá, os falsos e enganadores foram afastados e punidos, e aqui esses falastrões prosperam e ainda são votados por eleitores incautos e desprovidos de crítica.    

Os princípios democráticos da clássica antiguidade foram lecionados, incansavelmente, ao longo dos séculos. Transformaram em monumento a sabedoria política humana. Romperam barreiras entre os erros e os acertos das diferentes classes sociais. Moldaram uma nova teoria de que a democracia é o governo da cidadania, daqueles que estão livres para a ação e para a discussão no campo das ideias, tal qual perpetuado na noção difundida pelos três princípios gregos, que enalteceram a real noção de igualdade na política: isonomia, isegoria e isocracia.

Vejamos os conceitos:

A isonomia é a gestão do coletivo, onde todos os homens estão sujeitos às mesmas leis e normas; onde todos devem ter os mesmos direitos e deveres na sociedade e quando a lei é para todos e todos são iguais perante ela, independentemente da riqueza ou prestígio destes.

A isegoria consiste no fato de que todos os cidadãos têm igual direito de manifestar sua opinião política para todos os outros; quando é permitido aos cidadãos o direito da palavra e o fruir das riquezas; quando a divergência de opiniões é superada pela discussão democrática da questão.

A isocracia é o direito de o cidadão participar da administração pública e o ideal da igualdade de acesso aos cargos políticos. As decisões tomadas em conjunto respeitam a vontade da maioria.   

Esses três princípios, desde então, revolucionaram a forma de fazer política, tornando-se indispensáveis em qualquer democracia, quer sejam pela forma direta ou representativa. Na falta de qualquer desses três princípios, restará inexistente a ideia de democracia.

No Brasil, ao que parece, muito se precisa aprender com os clássicos atenienses. Contudo, os tempos são outros e o caminho vai sendo percorrido na medida da conscientização e das possibilidades do próprio povo. Aos poucos a cidadania vai superando os obstáculos e a jornada se tornando menos tormentosa. O comodismo vai cedendo lugar ao civismo e as práticas de liberdade e igualdade vão sendo encaradas como um direito e não como um favor. A experiência cívica vai levando às conquistas sociais e estas vão consagrando a legitimidade da humanidade. É assim: vivendo, lutando, aprendendo e vencendo.

De fato, aos poucos a cidadania vai formando homens e mulheres mais conscientes. Os demagogos e oportunistas da política vão sendo desmascarados. E as práticas de cidadania, democracia, liberdade e igualdade vão forjando pessoas melhores, cientes da força de um povo, que somente se materializa quando unido na defesa de interesses comuns.

A razão cidadã e o controle social deduzem que, no Brasil, não há mais espaço para demagogos e oportunistas, que estão sendo obstados, aos poucos, da linha de frente dos governos, seja por meio de um trabalho de formiguinhas da população adulta ou pela celeridade das redes sociais operada pela juventude. O avanço e a maturidade social se dão pela conscientização dos cidadãos.

A cultura grega não se assemelha à brasileira. O antes e o agora foram e são diferentes, embora o ensinamento dos sábios atenienses tenha sido providencial para os cidadãos brasileiros. A experiência política da Grécia serviu para mostrar ao Brasil um caminho, e depois cada um seguiu o seu, conforme sua cultura, seu povo e seus costumes.

Vale observar que, no Brasil, a nossa democracia permite que pessoas entre 18 e 70 anos votem, sendo facultativo o voto para as pessoas com 16 ou 17 anos e mais de 70. Além disso, a Constituição brasileira não prevê nenhum empecilho de ordem religiosa, econômica, política ou étnica para aqueles que desejem escolher seus representantes políticos. Até os analfabetos, que décadas atrás eram equivocadamente vistos como “inaptos”, hoje podem se dirigir às urnas.

Já para os gregos, a noção de democracia era bastante diferente da que hoje experimentamos e acreditamos ser universal. A condição de cidadania era estabelecida por pressupostos que excluíam boa parte da população. Os escravos, as mulheres, os estrangeiros e os menores de 18 anos não podiam participar das questões políticas de seu tempo. Tal opção não envolvia algum tipo de interesse político, mas assinalava um comportamento da própria cultura ateniense. Ou seja, até o berço da criação da democracia tinha suas limitações e praticava exclusões sociais.

Assim, como visto, a democracia brasileira tem seus percalços, mas a democracia ateniense, base dos modelos modernos de democracia, também lidava com óbices e se caracterizava por ser bastante excludente. Um pequeno número de homens detinha poderes políticos. Os demais cidadãos ficavam fora do sistema decisivo. Poucos desfrutavam das melhores condições, desde que fossem gregos e livres, embora a noção de democracia estivesse diretamente relacionada à noção de cidadania. Daí ser necessário muito cuidado nas comparações dos diferentes modelos de democracia.

A democracia ateniense, apesar das suas condições particulares, foi uma das mais relevantes para o desenvolvimento da democracia moderna. Porém, o conceito firmado pela pólis grega, da democracia na forma direta, muito se distancia do atual, que revela um modelo moderno de democracia representativa, com eleições de representantes que devem ou deveriam fazer valer as posições, as vontades e os interesses dos cidadãos.

A rigor, permanece a máxima de que a cidadania pressupõe a participação efetiva de todos na vida democrática do país, de forma incontestável, mas coerente, mesmo que a contragosto dos amantes da autocracia. E a lição final que fica é a de que a democracia ideal é aquela que respeita a liberdade e os direitos das pessoas e permite o funcionamento equilibrado dos princípios da isonomia, da isegoria e da isocracia.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Democracia representativa como a que temos só vale se os representantes tiverem vergonha na cara e forem honestos e trabalhadores porque caso contrário de nada servem. Democracia com abuso de poder de certos elementos como vemos no Brasil é brincadeira. Judiciário que não respeita o Legislativo nem o Executivo e Legislativo que não respeita Executivo. Isso de nada serve.Democracia são poderes unidos e autônomos e povo consciente. Essa política de partidos no Brasil é uma farra com dinheiro público. Dr. Wilson o seu artigo mostra mais uma vez que precisa cuidado e muito cuidado com a democracia e com o voto e eu concordo com o senhor totalmente. Abraço. Jadson Lemos.

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  2. Maria Helena D. V. Souza24 de fevereiro de 2022 às 15:58

    Este assunto é muito interessante e ainda mais nos dias de hoje. Tem país em guerra e tem país em paz. Mundos diferentes num mesmo planeta. As populações é que sofre com as irresponsabilidades dos governantes irresponsáveis que não pensam no povo mas apenas no seu poder bélico ou econômico. Bando de políticos que não sabem o valor da palavra liberdade e não valorizam a democracia e preferem governar como ditadores - Exemplos: China, Rússia, Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, etc. Estes e outros países não pensam nas famílias, nos inocentes, e colocam seus soldados para bater e guerrear. Que tal se toda repressão ou guerra tivesse sempre à frente no campo de batalha os presidentes dos países? Dr. Wilson Campos a democracia é mesmo o melhor sistema de governo e Deus nos livre de ditaduras brancas como vemos por aí apoiadas pela esquerda comunista. Deus nos livre. Gratidão Dr. Wilson. At. Maria Helena DVS.

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