STJ DECIDE CONTRA AÇÃO POLICIAL SEM “FUNDADA SUSPEITA”.

 

Sem tirar todo o mérito da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas já colocando óbice à generalidade como foi tratado o assunto, há que se pensar mais nos direitos humanos da sociedade do que passar a mão na cabeça de indivíduos propensos à criminalidade ou defender direitos humanos de bandidos.

Mas, afinal, do que se trata? O leitor logo vai entender do que se trata, mais alguns parágrafos abaixo.

O artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) dispõe no seguinte sentido:

Art. 244 - A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.    

O dispositivo legal diz: (...quando houver fundada suspeita de...). Ora, como o policial saberá se o suspeito tem ou não arma ou outros objetos que constituam riscos à sociedade? Para saber se procede a fundada suspeita é necessário que o suspeito seja abordado e identificado.

Os advogados que frequentam os tribunais e os fóruns judiciais sabem muito bem como é essa coisa de serem “vistoriados”, “vigiados”, “revistados” e “fiscalizados” por seguranças e detectores de metais. Porém, os juízes, os promotores de justiça, os defensores públicos e os servidores não passam pelo mesmo crivo ou pela mesma situação. Ou seja, os tribunais e fóruns usam dois pesos e duas medidas quando desrespeitam as prerrogativas dos advogados (mesmo com eles se identificando com a carteira da OAB) e preservam as das autoridades retrocitadas.

Em determinadas ocasiões os tribunais e os fóruns de Justiça interpelam os advogados sobre o destino, o motivo da visita e se têm horário agendado. Rotineiramente, sujeitam os profissionais da advocacia ao constrangedor detector de metais e à esteira de raio-x. Todavia, isso não seria um problema se fosse uma medida cumprida por todos. Enquanto os advogados se identificam e ainda assim são submetidos ao sistema de segurança, os magistrados, os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, por exemplo, entram e passam direto, sem se submeterem ao mesmo processo de revista pessoal. Resumo: não existe tratamento isonômico.  

Ultrapassada essa introdução feita a título de localização do leitor, para que ele possa produzir uma comparação, vamos ao caso concreto de decisão controversa e polêmica do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Então, vejamos:

O STJ assim decidiu quanto ao recurso do Habeas Corpus nº 158.580 do Tribunal de Justiça da Bahia: “É ilegal a busca pessoal ou veicular sem mandado judicial motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia e agentes de segurança sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo”.

De acordo com o STJ, “para a realização de busca pessoal – conhecida popularmente como ‘baculejo’, ‘enquadro’ ou ‘geral’ –, é necessário que a fundada suspeita a que se refere o artigo 244 do Código de Processo Penal seja descrita de modo objetivo e justificada por indícios de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou outros objetos ilícitos, evidenciando-se a urgência para a diligência”.

Trata-se de decisão unânime da 6ª Turma do STJ em julgamento no qual concedeu habeas corpus para trancar a ação penal contra um réu acusado de tráfico de drogas e que foi abordado por policiais sob a única alegação de se encontrar em “atitude suspeita”.

Os policiais alegaram na ocasião ter encontrado drogas com o réu. No entanto, por incrível que pareça, o STJ entendeu que: “diante da total ausência de descrição sobre o que teria motivado a suspeita no momento da abordagem, não é possível acolher a justificativa para a conduta policial, o que tem reflexo direto na validade das provas”.

Para piorar ainda mais o contexto da decisão, o STJ alega: “o fato de terem sido encontradas drogas durante a revista não convalida a ilegalidade prévia […] a violação das regras legais para a busca pessoal resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida”.

A decisão deve ter surpreendido até o réu, quando afirma, ainda, “que se torna possível a responsabilização penal dos policiais envolvidos”.

Será que é isso mesmo? A ação policial contra o meliante das drogas, no caso concreto, pode reverter em responsabilização penal dos policiais?

Nego-me a acreditar em tamanha desfaçatez, que provoca temor nos policiais, causa estupefação na sociedade e coloca um riso na cara dos bandidos. Inacreditável, inaceitável e inadmissível. Onde vamos parar?  

Para o ministro relator do caso, uma das razões para se exigir que a busca pessoal seja justificada em elementos sólidos é “evitar a repetição de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”.

Não bastasse a perplexidade causada pela decisão, a 6ª Turma do STJ vai além e se justifica aduzindo que: “estatísticas oficiais das Secretarias de Segurança Pública de todo o Brasil apontam que a cada 100 pessoas revistadas pela polícia no Brasil, com apenas uma pessoa são encontrados objetos ilícitos, gerando o índice de 1% de autuação por alguma ilegalidade identificada em abordagens”. E confirma no julgamento de 19/04/2022 que: “os ministros fixaram entendimento no sentido de que, para a realização de revista, é necessário que haja "fundada suspeita (justa causa)", baseada em um juízo de probabilidade, descrita com a maior precisão possível, aferida de modo objetivo e devidamente justificada, de que a pessoa esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ilícitos”. E também destaca na decisão: “a importância do uso de câmeras por agentes de segurança, a fim de que se possa aprimorar o controle sobre a atividade policial, tanto para coibir práticas ilegais, quanto para preservar os bons policiais de injustas e levianas acusações de abuso”.

Diante de tanta novidade para a sociedade, para a polícia e até para a criminalidade, no mínimo, data maxima venia, cabe dizer aos senhores ministros da 6ª Turma do STJ para terem mais cuidado no trato de questões dessa natureza, porquanto há que se pensar na opinião da população, que paga um preço muito alto quando os bandidos estão soltos e também quando eles estão presos, pois a conta sempre é jogada no colo do cidadão.

Aliás, o STJ falou em controle sobre a atividade policial? Ora, sobre esta deve haver fiscalização e, principalmente, investimentos e incentivos para melhorias no atendimento das polícias à coletividade cidadã. Lado outro, em relação ao crime é que se deve ter controle, total e absoluto, preservando os direitos humanos dos cidadãos do bem e não dos caras do mau.  

De sorte que, a meu ver, a decisão foi açodada e impensada, posto que não se pode proibir a vistoria pessoal de alguém que esteja em condição suspeita. Ademais, sem preconceito, em que pese o estereótipo conhecido de pessoa suspeita, não se pode deixar de privilegiar a segurança da sociedade e muito menos cercear a execução de operações policiais preventivas.

A rigor, se o STJ quer dar um balizamento, eu recomendo começar pelos acessos aos tribunais e fóruns da Justiça, que constrangem diariamente os advogados no exercício da profissão com suas medidas de segurança exageradas de vistorias, revistas, esteiras de raio-x e detectores de metal. E notem que isso ocorre mesmo com os advogados apresentando suas carteiras da OAB. Será que contra os advogados pesam a “fundada suspeita” e a “justa causa”?   

Enfim, quem não deve não teme, independentemente se preto, branco, amarelo, vermelho, alto, baixo, pobre ou rico. As polícias precisam trabalhar e dar tranquilidade às pessoas de bem e de boa índole. A segurança pública precisa estar presente. Os tempos são sombrios e a violência campeia solta em todos os lugares, seja na periferia, no centro ou nos bairros de alto poder econômico. Ninguém está livre da saga dos criminosos, cada vez mais atrevidos, graças a uma legislação penal branda e acanhada. Daí a importância de leis mais duras, de polícias mais bem preparadas e de um Judiciário mais rigoroso com as práticas ilícitas, quaisquer que sejam. Isso, sem considerar que são necessários investimentos robustos e regulares em educação, um dos principais instrumentos de combate ao crime.   

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Dário A. G. Trigueiro15 de maio de 2022 às 20:13

    Sensacional o artigo. Eu li sobre esse assunto no jornal há uns dias atrás e fiquei tonto, mas o artigo me deixou a par 100% do que acontece e de como afeta a sociedade cada vez mais dentro de casa e os bandidos nas ruas e invadindo residencias e matando por causa de um celular. E tem um ex-presidiário nove dedos aí que disse que não tem nada a ver o sujeito roubar um celular para tomar uma cervejinha. Cabra safado. Coitado de nós sem segurança e sem direito e os criminosos cheio de confiança e leis furadas que prendem e soltam no outro dia. Dr. Wilson Campos advogado parabéns pelo artigo e pela sua atitude sempre correta. Sds. Dário Trigueiro.

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  2. Catharina D. F. de Oliveira15 de maio de 2022 às 20:19

    Eu sou estudante de direito e na minha cidade a violência está insuportável com gente vendendo drogas nas portas de escolas, nas praças, nas baladas, nos pontos de ônibus, pela internet, e em todo lugar e a políca não pode fazer nada e quando faz alguma coisa vem o Judiciário e manda soltar e o sujeito volta a cometer mais crimes e mata e rouba e etc etc. Leis para que??? Justiça onde??? No seminário passado perguntamos isso e ninguém soube responder de forma convincente só umas pegadinhas sempre manjadas do MP que tenta explicar o inexplicável. Acho que vou mudar de área porque não vejo futuro nessa Justiça brasileira e trabalhar com leis ineficientes não vale a pena. Dr. Wilson Campos o senhor dignifica a advocacia sempre e basta ver seu trabalho de anos e anos. O senhor merece meus parabéns. Abraço da Catharina Oliveira.

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  3. Se a petralhada ganhar as eleições o terror vai pegar porque ladrão não vai respeitar ladrão no governo e bandidagem não vai respeitar bandidagem no governo. O país vai explodir e vai se transformar numa Venezuela. É isso que o judiciário quer dando molezas para bandidos??? Espero que não.
    Dr Wilson seu artigo é a expressão da verdade e também acho a mesma coisa. Vamos lutar pela nossa segurança e por nosso país. Abraço. Silvano Augusto.

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  4. Já cheguei, em outra oportunidade, a comentar sobre o absurdo constrangimento que está sendo imposto aos advogados no exercício da profissão, quando dos seus acessos aos tribunais e fóruns da Justiça. Em que se baseiam as exigências de acesso impostas a eles ??? Algum magistrado poderia justifica-las publicamente ? Não bastaria a simples apresentação de uma identificação funcional nos acessos, para serem reconhecidos como agentes da justiça ?
    Enquanto isto, em muitas conversas diretas com policiais em serviço de patrulha, colhi o lamento e a desilusão deles de verem que meliantes notoriamente reconhecidos, presos repetidamente por eles em flagrantes delitos e entregues à justiça, voltarem para as ruas no dia seguinte, para continuar com as suas práticas e a colocar a sociedade em polvorosa.
    - A frase que mais ouvi destes policiais, com a cabeça baixa, foi: "é, só estamos enxugando gelo...."
    Ora, assim como os policiais é que têm a experiência das ruas e percebem o que está errado durante as suas patrulhas, para agir, os advogados também sabem porque precisam dos seus acessos aos tribunais e fóruns da Justiça, e não vão lá para se divertir, causar alguma estranheza ou problemas naquele ambiente.
    Fica, então, estranho o tratamento da justiça dado a ambos os casos, o que justifica a notória desilusão popular cada vez ouvida dos cidadãos de bem: "o errado é que é o certo neste país..."
    Este conceito não é nada educativo e construtivo para a sociedade.

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  5. O crime tem suporte e acolhimento nós tribunais superiores.
    Ao lermos o que está escrito na lei, vimos o paradoxo da decisão do colegiado.
    Quando a vergonha na cara e o destemor da opinião pública prospera, não vemos saída. Que caminho seguir? Como corrigir a rota e recuperar o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E RESPONSABILIDADE?

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  6. EXCELENTE COMENTÁRIO DR. WILSON.COLOCANDO IMPEDIMENTO OU IMPECCILHO A UM QUADRO DE GENERALIDADE RESPEITA-SE OS DIREITOS HUMANOS DE IR E VIR DE CADA CIDADÃO E DEIXAR DE LADO INDOVIDUOS SUSPEITOS SEJA DE QUE RAÇA FÔ.RECENTEMENTE SE SOLTOU UM INDOVÍDUO NO BAIRRO SION PRESO INJUSTAMENTE,PORQUE ELE PARECIA COM O RAL CRIMINOSO,DESFEITO A DÚVIDA DECADAS DEPOIS CHEGOU-SE A CONCLUSÃO DE QUE O INDIVÍDUO PRESO NADA DEVIA A JUSTIÇA OU A SOCIEDADE ENQUANTO O VERDADEIRO CRIMINOSO FICOU SOLTO POR DÉCAS

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  7. Excelente comentário Dr. Wilson Campos. Infelizmente temos contemplado situações onde o errado é que se tornou certo em nosso país

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