AS SURPRESAS DO (IM)PROVÁVEL NOVO CÓDIGO CIVIL.

 

Dando continuidade ao artigo publicado neste blog em 14/03/2024 sob o título “O polêmico e denso novo Código Civil brasileiro”, entendo ainda que o novo Código Civil, que está prestes a ser submetido ao Congresso Nacional, tem surpresas atrás de surpresas e isso precisa ser esclarecido, discutido e debatido com a sociedade brasileira.

Fala-se muito que o novo Código Civil é uma bomba ideológica, traz insegurança jurídica, provoca riscos à autoridade dos pais, favorece o abortismo, subverte leis do casamento, reconhece famílias multiespécie, entre outros quesitos complexos, que estarão sob o crivo do Congresso, mas que requerem e merecem opinião e manifestação da população brasileira.

Inacreditavelmente, o inusitado texto do (im)provável novo Código Civil, além de relativizar o conceito de família e facilitar o aborto, também fragiliza um dos pilares da democracia liberal: o direito de propriedade. Mudanças apresentadas no relatório final da comissão de juristas encarregada de “atualizar” a lei favorecem a tomada de propriedades rurais por invasores e abrem brecha para que terras e imóveis sejam expropriados sem qualquer indenização aos donos.

Segundo vem mostrando o jornal Gazeta do Povo (o melhor jornal do Brasil), o texto proposto promove uma reforma ampla na lei que define e rege as relações das pessoas em sociedade, dispondo sobre os direitos do indivíduo no âmbito familiar ou comunitário, bem como das empresas numa economia de mercado. Mas o direito fundamental à propriedade, consagrado na Constituição Federal, poderá sair enfraquecido se as mudanças propostas forem aprovadas no Legislativo – o texto ainda está em fase embrionária e não começou a ser analisados pelos parlamentares. Mas ainda assim, as mudanças propostas assustam.

A primeira está no artigo 1.210 do Código Civil, que disciplina os direitos de quem tem a posse de uma terra, por exemplo. O texto em vigor diz que, quem a possui pode mantê-la “em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Significa que se alguém ameaçar ou efetivamente tomá-la, ele pode ficar nela ou retomá-la, e deve ser protegido de qualquer ato de violência nesses casos.

Nessas situações, a atual lei ainda dá ao possuidor o direito de manter a posse da propriedade “por sua própria força, contanto que o faça logo” e que “os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.

A novidade está na inclusão de um novo trecho, segundo o qual o direito de manter a posse nesses casos poderá ser exercido “coletivamente, em caso de imóvel de extensa área que for possuído por considerável número de pessoas”.

É a brecha para que movimentos de sem-terra, principalmente, que venham a ocupar uma propriedade alheia, dizendo-se possuidores dela, possam impedir que sejam expulsos. O dispositivo pode agravar disputas fundiárias, que voltaram a crescer desde o ano passado, com o apoio do governo petista de Lula a esses movimentos.

A outra mudança está no artigo 1.228, que trata da propriedade. O texto proposto mantém a previsão de que o dono poderá perder sua terra se ela for apossada de forma “ininterrupta e de boa-fé”, “por mais de cinco anos” e por “considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”.

Ocorre que, pelo atual Código Civil, nessas situações, o proprietário é indenizado pelo Estado, caso o juiz considere que os ocupantes da terra merecem se apropriar dela, se entender que ela estava improdutiva e seus ocupantes produzirem ou necessitarem dela para sobreviver. A proposta dos juristas convocados por Rodrigo Pacheco (presidente do Congresso) abre a possibilidade de que o proprietário não receba nada.

Afinal, quem deu tamanha autonomia aos juristas convocados? Quem deu autorização ao Pacheco para decidir sobre propriedade alheia? Espera-se que o Congresso (deputados e senadores) revejam esses erros e façam a coisa certa.  

Um novo trecho diz que o juiz fixará uma “justa indenização”, que será devida ao proprietário pelos ocupantes. O problema, ao meu sentir, é que, na maioria dos casos, esses ocupantes não têm condição de pagar a indenização, especialmente no caso de sem-terra invasores. Na prática, portanto, não pagariam nunca. Mais um problemão – o proprietário desapropriado vai ficar no prejuízo, sem indenização?

A proposta até prevê a possibilidade de o poder público arcar com a indenização do dono que perdeu a terra. Mas isso só ocorrerá se os ocupantes forem de “baixa renda” e a administração pública atuar no processo judicial. Se o juiz do caso considerar que o Estado não deve integrar a ação, o dono perderá a terra e não terá direito a qualquer recompensa. Ora, o problemão está ficando ainda maior.

A possibilidade de o proprietário não ser indenizado contraria o que determina a Constituição, que trata a propriedade como direito fundamental. O artigo 5º, inciso XXIV, diz que em caso de desapropriação “por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social”, haverá “justa e prévia indenização em dinheiro”. Terras desapropriadas em favor de trabalhadores sem-terra integram a política de reforma agrária e, por isso, a medida se justifica pelo “interesse social”.

A rigor, isso ocorre quando se comprova que a propriedade rural não cumpre com sua “função social”, preceito também contido na Constituição, e que se configura quando, simultaneamente, ela tem aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente; cumpre a legislação trabalhista; e tenha exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Na prática, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ocupa terras alheias alegando, muitas vezes de forma maliciosa, que elas não cumprem sua função social. Desde o ano passado, o movimento intensificou as invasões, sob o pretexto de que o novo governo tem sido lento na aquisição de terras para assentar famílias sem-terra. Todos os anos, o MST promove o Abril Vermelho, com protestos, acampamentos e invasões a fazendas. A expectativa é de que neste ano os atos sejam mais numerosos do que no ano passado. Porém, tudo isso traz enorme insegurança jurídica, e a violência no campo, em razão disso, poderá ser o princípio de uma nova guerra rural, que depois se descambará para as áreas urbanas.

Essa ideia insensata de mexer no direito de propriedade é o mesmo que bater na caixa de marimbondos. A mudança no artigo 1.228 relativiza o direito à justa e prévia indenização, garantido pela Constituição. Pode-se perguntar: Quem pagará a indenização? Os possuidores de boa-fé? Quem definirá o conceito de “possuidores de baixa renda”? Nos casos em que não se verificar a hipótese de possuidores de baixa renda, não se trataria de desapropriação por interesse social? Ou seja, tudo indica que há uma ameaça severa à segurança jurídica. E isso é muito arriscado.

Com o advento do novo texto, se não houver mudança pelas mãos dos parlamentares do Congresso, por certo ocorrerá uma desvalorização da propriedade registral, e uma valorização da posse, dando ênfase na aplicação da função social, e isto somado à discricionariedade concedida ao Judiciário abre brechas para abolir valores importantes. E continuo achando tudo isso muito arriscado.

Ademais, tem muita coisa mal explicada. Os termos usados pelas mudanças deixam muito a desejar, como por exemplo: “imóvel de extensa área”, “considerável número de pessoas”, “obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”. Tudo isso acaba dando ao juiz do caso ampla discricionariedade para decidir as consequências de invasões que acabam se apossando de propriedades rurais. Isso também é muita responsabilidade para um juiz, que poderá ficar receoso de tomar uma decisão tão complexa e de proporções inimagináveis.

Com a devida venia dos eminentes juízes, resta preocupante a falta de balizadores no texto da proposta, cuja tarefa caberá a eles, correndo-se o risco de as fundamentações das suas decisões serem entendidas como de caráter político ideológico. Esse risco existe e é grande.

Vale observar que a proposta de revisão do Código Civil foi formulada por um grupo de juristas reunidos por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e do Congresso, em setembro do ano passado. Em seis meses, aproximadamente, esses juristas produziram um texto de 293 páginas, com alterações em mais de mil artigos do atual Código Civil em vigor desde 2002.

Em suma, as propostas do novo Código Civil precisam de maiores discussões por parte dos representantes do povo e da nação (deputados e senadores) no Congresso e, preferencialmente, com a realização de audiências públicas com a sociedade organizada. Não se pode, sob hipótese alguma, aprovar e adotar um novo Código Civil a toque de caixa. Isso, não!  

Fontes: CF, CC, Informativos legais e Jornal Gazeta do Povo.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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