PERDÃO MILIONÁRIO
Tudo começou
em 2010, quando o Executivo municipal resolveu criar uma lei para flexibilizar
a construção de hotéis em Belo Horizonte, instituindo, dessa forma, a operação
urbana de estímulo ao desenvolvimento da infraestrutura de saúde, de turismo
cultural e de negócios, com a alegação de requisito para a realização da Copa
do Mundo de 2014.
A edição da
Lei 9.952/10 surgiu então sob os auspícios benevolentes da prefeitura e
anuência da Câmara dos Vereadores, sem consulta prévia à população, mas com
força política suficiente para causar estupefação na sociedade, posto que nem
as Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs) ficaram fora do alcance da corrida da
especulação imobiliária, em prejuízo declarado das garantias sociais, a exemplo
do ocorrido na região da Pampulha.
O evento da
Copa do Mundo restou sobrestado pelos erros de rumo governamentais e apagado
pelo fraco desempenho da seleção canarinha. No entanto, na capital mineira, os
investidores da hotelaria acreditavam ainda no êxito de seus empreendimentos,
alavancados graças à lei especial de um município dotado de bondade excessiva
com o poder econômico, mas rude no trato com a coletividade e com o meio ambiente.
Passados
quase dois anos do fracassado evento esportivo, o setor hoteleiro da cidade não
evoluiu, nem mesmo com as facilidades municipais adquiridas, haja vista a
reduzida taxa de ocupação e o excesso de oferta, atualmente com hotéis fechando
as portas e demitindo pessoal, valendo notar que, dos 73 alvarás de construção
concedidos pela prefeitura, apenas 35 novos hotéis foram entregues dentro do
prazo.
Contudo, o
outro lado da moeda viria com as condições da lei, que prevê multa pelo seu
descumprimento, ou seja, caso as obras não fossem concluídas até fevereiro de
2014, o empreendedor estaria sujeito ao pagamento de multa calculada com base
no valor venal do imóvel, constante do cadastro do ITBI do município. O
resultado, hoje, é de R$150 milhões devidos pelos hotéis que estão com obras em
atraso.
Para
remediar o seu equívoco de grandeza, a prefeitura, condescendente com os
empreendedores e sem saber como cobrar a multa milionária dos inadimplentes,
decidiu pela rápida tramitação do Projeto de Lei 1.498/2015, com proposta de perdão
de 50% a 70% das multas devidas, o que equivale a uma perda de receita
significativa, além do que, cria o precedente de que outros devedores poderão
pleitear anistia análoga, porquanto o tratamento isonômico é dever
constitucional do ente da Federação.
Se, por um
lado, o Executivo banca de bonachão com o chapéu do povo, por outro, o
Legislativo imprimiu rapidez na tramitação da proposta, aprovando em 2º turno
os cento e cinquenta milhões de perdões concedidos aos hotéis que, em vez de
penalidade, recebem anistia, com as peculiares saudações da política abastada.
Esse projeto, de descontos milionários nas multas, revela-se como um prêmio
àqueles que descumpriram o estabelecido, enquanto os empreendedores que se
esforçaram pelo cronograma, pagam de herdeiros da crise impiedosa que mutila o
setor hoteleiro da capital.
Para
completar o ato de excessiva camaradagem, o Executivo municipal acaba de
sancionar a Lei 10.911, que assegura a anistia aos hotéis inacabados.
Entretanto, vale salientar que a prefeitura torna-se responsável pela condução
do diálogo com as demais unidades hoteleiras em funcionamento, que enfrentam
dificuldades operacionais, respeitados os princípios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37, da
Constituição), que regem a administração pública.
De sorte
que, já sancionada a lei, para compensar o meio ambiente tão violentado pela
verticalização nos últimos tempos, melhor seria verter os restantes 50% que
serão arrecadados com as multas, em prol da defesa das áreas verdes da cidade,
preservando-as intactas para as gerações presentes e futuras, numa medida no
mínimo razoável, do ponto de vista da cidadania.
Wilson
Campos (Advogado e Ambientalista).
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