JORNADA INCESSANTE, DESGASTANTE E MONITORADA.
A
tecnologia e seu respectivo avanço por meio das múltiplas ferramentas da
internet não há que questionar. Os benefícios para o campo do trabalho são
imensos. No entanto, percebe-se uma alienação sistemática do trabalhador, uma
vez que ele está cada vez mais monitorado, vigiado e cobrado nas suas atitudes
no âmbito do emprego. Ou seja, o empregado está refém da tecnologia que o torna
um objeto de observação, de cobranças e de cumprimento de metas. Isto porque as
empresas ou os empregadores têm hoje mais controle sobre tudo e sobre todos,
graças aos progressos da moderna tecnologia.
Não
se está aqui a defender que o empregado não deva cumprir com suas obrigações ou
não tenha que justificar seu salário. Não se trata disso. Mas é preciso bom
senso quando se adentra a discussão em torno da jornada incessante, desgastante
e monitorada. Ora, muitas empresas abusam e acabam sufocando o trabalhador e
retirando-lhe a liberdade e o descanso. Algumas empresas chegam ao ponto de
exigir que o empregado mantenha-se conectado, on line, atento aos seus reclamos, mesmo depois de encerrado o horário
de trabalho, de maneira que onde ele estiver possa estar antenado e buscando o
interesse do empregador.
Um
exemplo clássico é o do bancário, que alega receber dezenas de ligações por dia
dos seus superiores, durante a jornada de trabalho, para cobrar maior
produtividade, melhor desempenho e cumprimento de metas. O bancário, in casu, não tem tempo nem de concluir o
atendimento de um cliente e já surge um chamado, uma mensagem de WhatsApp ou um
recado direto de que as metas precisam avançar e que o tempo urge. Ora, o que é
isso? O ambiente de trabalho se transforma num rebuscado “big brother empresarial”,
com vigilância por todos os lados, tarefas para realizar e metas para cumprir. E
essa loucura do dia a dia se torna um problema sério, que envolve o ser humano
e seus limites. Daí as possíveis doenças do corpo e do intelecto.
Outros
exemplos podem ser os casos de empregadores que, de antemão, avisam quanto à
obrigatoriedade de os colaboradores manterem os celulares ligados até duas
horas depois do término da jornada, para que a comunicação e as oportunidades
não sejam perdidas. Dessa forma, se o colaborador estiver dentro de um
determinado local, ao qual o sistema de rastreamento e localização indiquem
potenciais clientes para a empresa, o funcionário poderá ser compelido a
contatá-los. Esse método “dinâmico” para a empresa, mas alienante para o
empregado, impõe alerta contínuo e não possibilita que o trabalhador se
desconecte do trabalho, nem mesmo no seu sagrado horário de descanso.
Em
que pese o fato de que toda regra tem exceção, os monitoramentos empresariais
chegam a incluir o uso de internet, telefones corporativos, câmeras e até estranhas
e suspeitas gravações de conversas telefônicas. A exploração cibernética e a
rapidez das modernas tecnologias são os chicotes usados na defesa da
produtividade a qualquer custo, embora constituam abusos graves de determinados
segmentos empresariais. A rigor, não encontram respaldo social nem
constitucional essas medidas drásticas de produção acelerada e metas estafantes
e estressantes.
Parece
que a reforma trabalhista aguçou os sentidos de muitos empresários, não de
todos, que pensam que tudo pode ser feito dentro da recomendação do “acordado”
acima do “legislado”. Mas nem tudo pode ser pensado assim, porquanto a
privacidade, o descanso e o lazer do trabalhador sejam inegociáveis. Ademais, a
reforma não deu carta branca para que o empregador submeta o empregado a
jornadas ininterruptas e desumanas. A produtividade e as metas podem ser
cumpridas, desde que haja respeito ao direito do trabalhador, sem a exploração
descabida de jornadas de trabalho desgastantes, incessantes e monitoradas.
O
trabalho é um sacerdócio e precisa da participação de todos, pois o mundo exige
que assim seja. Entretanto, tudo deve ser na medida certa, sem extrapolar ou
desrespeitar os direitos constitucionais de empregados ou empregadores. O
equilíbrio é uma ferramenta indispensável à sociedade. A moderação é peça
fundamental nas relações de trabalho. O empregado precisa do emprego e o patrão
precisa da força de trabalho. Portanto, faz-se necessário o entendimento de que
é perfeitamente possível caminharem juntos, trabalhador e empresário, dentro da
normalidade contratual, sem que ninguém explore ninguém.
Para
uma sociedade justa não bastam leis. Estas são imprescindíveis, mas devem vir
acompanhadas de moralidade, respeito, ética, cidadania, humanidade e boa
vontade por parte de todos.
Wilson
Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses
Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental).
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