OS REMÉDIOS E O CASO DOS 40 CENTAVOS.

 

Os casos narrados logo abaixo são pílulas tiradas de ações judiciais, que acabaram se transformando em noções jurídicas para muitos. Os fatos são verídicos, as ações são reais e as decisões são terminativas.

Vejamos esses 3 casos, pela ordem:

1º. Caso - A mulher procurou a Justiça com o objetivo de compelir o município e o Estado a fornecerem o medicamento Janumet para doença identificada pelo CID E 11 - Diabetes Mellitus Não-insulino-dependente.

Ela teve o pedido atendido judicialmente, porém a decisão foi descumprida pelos entes públicos. Foi então que houve o bloqueio de verbas nas contas dos réus para que a autora pudesse comprar o medicamento.

A mulher comprou e apresentou notas fiscais nos autos. O município impugnou a prestação de contas afirmando que restavam R$0,40 (quarenta centavos).

A Defensora Pública, representando a autora, ponderou pela desproporcionalidade em se exigir a devolução de míseros quarenta centavos.

O magistrado, porém, acolheu a manifestação do município e exigiu a devolução do valor e, depois disso, determinou que o Banco do Brasil encaminhasse metade desta verba (R$0,20: vinte centavos) para cada ente.

“Entendo que o interesse público, no caso, impõe que, independente do valor, havendo saldo remanescente, o mesmo deverá ser restituído ao Município, via depósito nos autos, por se tratar de verba pública”, traduz o magistrado da decisão.

Por fim, o valor foi depositado pela autora.

R$0,40 (quarenta centavos). Este foi o valor que uma mulher teve de devolver aos cofres públicos após determinação do juízo de Cataguases/MG. O caso ocorreu em uma ação de fornecimento de remédio (Processo nº 5000055-20.2021.8.13.0153).

2º Caso - Estado e município de São Paulo devem providenciar o fornecimento de remédio de alto custo para tratamento de câncer de medula óssea. Decisão é da 3ª câmara de Direito Público do TJ/SP, ao considerar que diante da inércia de entes públicos, cabe ao Poder Judiciário garantir o fornecimento de medicamentos àqueles que necessitem.

A paciente ajuizou ação objetivando a concessão, pelo município e Estado, de medicamento de alto custo para tratamento de câncer de medula óssea. Segundo a mulher, o remédio Jakavi (Ruxolitinib), de uso contínuo, é imprescindível para o tratamento de sua enfermidade.

O juízo de primeiro grau julgou procedente a ação para ratificar liminar e determinar aos entes públicos que providenciem o fornecimento do remédio prescrito pelo médico, independentemente de fabricante, durante o período necessário.

Em apelação, os entes alegaram que a mulher não se desincumbiu de comprovar a ineficácia de medicamentos disponíveis no SUS, e que seriam similares aos receitados. Sustentaram, ainda, que não há perícia médica que comprove a necessidade do medicamento.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Marrey Uint, ressaltou que a lei é específica ao afirmar que o fornecimento de tratamentos, medicamentos, insumos e materiais é universal, sem fazer qualquer tipo de limitação.

“O fornecimento de medicamento, insumos, tratamento médico, equipamentos e transporte, com base no art. 196, CF, constitui-se em obrigação de natureza solidária, sendo certo que qualquer das três esferas do governo e suas respectivas autarquias responde pela assistência à saúde do cidadão”.

O magistrado salientou que o Poder Judiciário não é órgão técnico para aferir se o tratamento solicitado pelo profissional da área médica é ou não o indicado para a enfermidade do paciente, devendo, então, determinar o fornecimento do tratamento solicitado pelo médico, que é o possuidor do conhecimento necessário para tal mister.

“O Judiciário não pode se quedar inerte aguardando por parte dos outros Poderes, definições acerca da implementação de políticas de saúde. Havendo direito a ser assegurado, cabe ao Poder Judiciário garantir o fornecimento de medicamentos àqueles que necessitem”.

A 3ª câmara de Direito Público do TJ/SP manteve sentença que condenou os entes públicos no fornecimento do medicamento. Assim, negou provimento aos recursos da Fazenda Estadual e do município de São Paulo (Processo nº 1040443-16.2020.8.26.0053).

3º Caso - O Estado não pode ser obrigado, por decisão judicial, a fornecer medicamento de alto custo não disponível na lista do SUS, salvo hipóteses excepcionais. Assim decidiram os ministros do STF. Ou seja, em casos excepcionais, o Estado deve fornecer remédios fora da lista do SUS. Porém, o plenário ainda deverá fixar uma tese para definir quais são os requisitos para o caráter excepcional.

Mas o caso concreto é que o Estado do Rio Grande do Norte se recusou a fornecer medicamento - citrato de sildenafila - para uma senhora idosa e carente, alegando que o alto custo e a ausência de previsão no programa estatal de dispensação de medicamentos seriam motivos suficientes para recusa.

A idosa acionou a Justiça para pleitear que o estado fosse obrigado a fornecer o fármaco. A sentença de primeiro grau determinou a obrigação do fornecimento; decisão que foi confirmada pelo TJ estadual.

No STF o ente Estado disse que é preciso dar a máxima efetividade ao princípio da eficiência, e explicou que os medicamentos de alto custo têm uma política pública definida pelo Ministério da Saúde, que estabelece a relação de medicamentos a serem disponibilizados aos usuários.  Essa relação contempla vários fármacos, dividindo-os por competências da União, de estados e de municípios. É essa divisão, segundo o procurador, que não vem sendo respeitada.

O julgamento contou com o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, o qual negou provimento ao recurso. Ele destacou que o direito à saúde é uma garantia constitucional do cidadão, mas a obrigatoriedade do fornecimento imposta por ordem judicial coloca em risco o equilíbrio de própria política de saúde.

De acordo com o ministro, em 2018, o gasto da saúde com decisões judiciais que obrigaram a pasta a fornecer os medicamentos passaram de R$1bi.

Para o ministro, a regra é que o Estado só forneça o medicamento em casos excepcionais, como: comprovação de hipossuficiência; existência de laudo médico comprovando a necessidade do medicamento e elaborado pelo perito de confiança do magistrado; certificação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) de indeferimento do medicamento pleiteado e a inexistência de medicamento substituto.

Também pela negativa de provimento votou a ministra Rosa Weber. A ministra ressaltou que o Estado terá obrigação de fornecer o medicamento em caráter excepcional, desde que comprovados os seguintes requisitos: prévio requerimento administrativo; laudo médico da rede pública da imprescindibilidade do medicamento; indicação do remédio por órgão de controle; incapacidade financeira do autor e registro na Anvisa.

No mesmo sentido votou a ministra Cármen Lúcia.

O ministro Ricardo Lewandowski propôs os seguintes requisitos: confirmação do alto custo do tratamento requerido, bem como da impossibilidade financeira do paciente e de sua família para custeá-lo; comprovação robusta por meio de laudo técnico oficial da necessidade do medicamento; indicação de inexistência do tratamento no SUS; prévio indeferimento de requerimento administrativo; comprovação da eficácia do medicamento por entidade governamental; demora irrazoável por agência reguladora Federal; determinação de que o interessado informe a evolução do tratamento.

O ministro Gilmar Mendes também negou provimento ao recurso.

O ministro Marco Aurélio, relator, negou provimento ao recurso e apresentou a seguinte tese:

“O reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade - adequação e necessidade -, da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e da falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil, e assegurado o direito de regresso”.

O ministro Luís Roberto Barroso também negou provimento ao recurso e disse que o Estado não pode ser obrigado por decisão judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS, independentemente de custo, salvo hipóteses excepcionais, em que preenchidos cinco requisitos.

Os requisitos são: incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; propositura da demanda necessária em face da União, já que a responsabilidade pela decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos é exclusiva desse ente federativo.

O ministro Fachin votou na ocasião pelo parcial provimento do recurso. O ministro propôs cinco parâmetros para que seja solicitado ao Poder Judiciário o fornecimento e custeio de medicamentos ou tratamentos de saúde. São eles: necessária a demonstração de prévio requerimento administrativo junto à rede pública; preferencial prescrição por médico ligado à rede pública; preferencial designação do medicamento pela DCB - Denominação Comum Brasileira e, em não havendo a DCB, a DCI - Denominação Comum Internacional; justificativa da inadequação ou da inexistência de medicamento/ tratamento dispensado na rede pública; e, em caso de negativa de dispensa na rede pública, é necessária a realização de laudo médico indicando a necessidade do tratamento, seus efeitos, estudos da medicina baseada em evidências e vantagens para o paciente, além de comparar com eventuais fármacos fornecidos pelo SUS.

O ministro Dias Toffoli estava impedido para o julgamento.

A decisão foi de 8x1.

Porém, vale notar que o plenário do STF ainda deverá fixar uma tese para definir quais são os requisitos para o caráter excepcional. (Processo: RE 566.471).

ASSIM, diante do exposto nos 3 casos, a lição que fica é que até a quantia irrisória de R$0,40 (quarenta centavos), conta muito para o Estado; que alguns remédios podem ser fornecidos por decisão judicial; e que outros remédios, considerados excepcionais, fora da lista do SUS, não são fornecidos pelo Estado, ou quando fornecidos, as exigências e os requisitos são quilométricos.  

E a expectativa da minha parte é no sentido de que o direito à saúde seja, de fato, uma garantia constitucional do cidadão, e não fique a depender de decisões de instâncias superiores dos tribunais, sob pena de o cidadão perder a vida enquanto os magistrados decidem pelo sim, pelo não. O Poder Judiciário precisa se humanizar!

Fontes: Migalhas e Processos acima citados.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Jesus Cristo! O juiz mandar devolver 40 centavos porque o Estado assim pediu é um absurdo sem tamanho. E o terceiro caso que para receber o remédio que o SUS não autoriza tem de providenciar dezenas de documentos de vários setores diferentes. A pessoa morre e não recebe o remédio porque a burocracia é muito grande. Obrigada Dr. Wilson Campos por essas lições que servem de exemplo para sabermos como funciona a cabeça das autoridades. Li e reli para entender melhor e fiquei sem saber o valor da vida humana para os governos e para os juízes. Abraços doutor. Fica com Deus. Sou a Maria dos Anjos.

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  2. Quem tem dinheiro compra o remédio caro e tudo certo, O pobre tem de ir pro SUS e ainda esperar decisão da justiça para liberar o remédio mais caro. Onde vamos parar? Dr. Wilson Campos só o senhor para nos esclarecer e nos dar um rumo porque é complicado demais. Agradecido. Jonas Lamego.

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