CORREÇÃO DO FGTS: DEZ ANOS DEPOIS DA AÇÃO PROPOSTA, STF DECIDE.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, a partir de um estranho voto médio, fruto de acordo entre governo e centrais sindicais, que a correção do FGTS não pode ser inferior ao IPCA. A decisão veio após 10 anos da ação proposta.

Para surpresa geral dos interessados, o que deixou todos os litigantes a ver navios, a Corte afirmou que a decisão só produzirá efeitos futuros, ou seja, ex nunc. Outra injustiça com o trabalhador.

Nesta quarta-feira (12), em sessão plenária, o STF decidiu pela manutenção da aplicação da TR - Taxa Referencial na correção dos saldos das contas vinculadas ao FGTS. Todavia, a Corte acolheu uma proposta do governo, firmada com centrais sindicais, que adiciona ao índice a correção pela inflação medida pelo IPCA, independentemente do cenário.

Vale esclarecer que a Taxa Referencial (TR) é um índice econômico utilizado no Brasil, criado pelo governo Federal em 1991. Inicialmente, a TR foi utilizada como um mecanismo de controle da inflação e como referência para a correção de diversas modalidades de contratos financeiros, como poupança, empréstimos e financiamentos imobiliários.

Por sua vez, o IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, é um indicador econômico utilizado no Brasil para medir a variação dos preços de um conjunto de produtos e serviços consumidos pelas famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos. Esse índice é calculado pelo IBGE e serve como a principal referência para a inflação no país.

Como dito, prevaleceu o voto médio, proferido pelo ministro Flávio Dino, que foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. Ficaram parcialmente vencidos os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que votaram pela manutenção da correção apenas pela TR. Foram totalmente vencidos os ministros Luís Roberto Barroso, Nunes Marques, Edson Fachin e André Mendonça, que defendiam a correção dos saldos pela poupança a partir de 2025.

O caso concreto teve início em 2014. O partido Solidariedade ajuizou a ADIn contra dispositivos das Leis 8.036/90 (art. 13) e 8.177/91 (art. 17) que impõem a correção dos depósitos nas contas vinculadas do FGTS pela Taxa Referencial.

Hoje, a rentabilidade do FGTS é de 3% ao ano, mais a variação da TR. Assim, o aumento ou a queda da taxa tem impacto no saldo das contas do FGTS.

O partido alegou que os trabalhadores são os titulares dos depósitos efetuados e que a apropriação pela CEF - Caixa Econômica Federal, gestora do FGTS, da diferença devida pela real atualização monetária afronta o princípio constitucional da moralidade administrativa. Argumentou que a TR não é um índice de correção monetária e que a atual fórmula gera perdas aos trabalhadores, uma vez que os saldos não acompanham a inflação.

O Solidariedade sustentou que a TR está defasada em relação ao INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor e ao IPCA-E - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial, que medem a inflação.

A União apontou que, além de ser patrimônio do trabalhador, o FGTS é um importante instrumento para a concretização de políticas de interesse de toda sociedade. Assim, aumentar o índice de correção reduziria a possibilidade de financiamento de obras de saneamento básico, infraestrutura urbana e habitação com recursos do fundo.

No início da sessão desta quarta-feira, o Advogado Geral da União, Jorge Messias, ajustou a proposta do governo para correção do Fundo, firmada em conjunto com as centrais sindicais. Ele propôs a manutenção da sistemática de remuneração das contas, qual seja, TR mais 3%, além da distribuição de lucros, agregando, em qualquer cenário, a inflação pelo IPCA.

O AGU também afirmou que após o trânsito em julgado da ação, o ministério do Trabalho e do Emprego abrirá diálogo com centrais sindicais para debater a possibilidade de distribuição extraordinária de lucros de fundo de garantia aos trabalhadores vinculados às contas.

Em seu voto, o ministro Barroso explicou que o FGTS é uma espécie de aplicação financeira obrigatória com remuneração extremamente baixa, muito inferior à dos investimentos mais conservadores.

O relator citou como exemplo a caderneta de poupança, que, mesmo apresentando menores riscos e cujos valores podem ser sacados com mais facilidade, tem rendimento muito superior. Portanto, para S. Exa., os depósitos do fundo não podem receber correção inferior à da poupança.

A remuneração desse investimento, hoje, é calculada segundo o patamar da taxa básica de juros da economia, a Selic, podendo ser de 0,5% mais a variação da TR (se a Selic estiver acima de 8,5% ao ano) ou equivalente a 70% da Selic mais a variação da TR (se a Selic estiver igual ou abaixo de 8,5% ao ano).

Em relação ao argumento de que os recursos do FGTS são utilizados para fins sociais relevantes, como financiamento habitacional, saneamento e infraestrutura urbana, o presidente do STF entendeu que não é razoável impor a um grupo vulnerável da população o custo integral de uma política pública de interesse coletivo, sem lhe assegurar, em contrapartida, uma remuneração justa. Em seu voto, o relator também estabelece que a nova regra só produziria efeitos para depósitos efetuados a partir de 2025.

Ao final, afirmou que é preciso reajustar o FGTS, no mínimo, pela poupança, contudo, propôs as seguintes modulações: a) Em relação aos depósitos já existentes, a regra é a distribuição da totalidade do resultado do fundo de garantia pelos correntistas; b) A partir de 2025, os novos depósitos serão remunerados pelo valor da caderneta de poupança.

Na sessão, Barroso ainda considerou adiar o início da vigência do novo critério de cálculo para 2026, tendo em vista a situação de calamidade enfrentada pelo Rio Grande do Sul. O ministro foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin.

Em voto divergente, o ministro Cristiano Zanin destacou que, após a CF de 1988, o FGTS se consolidou como um direito social do trabalhador. Ressaltou que esse é um direito complexo que exige normas específicas, incluindo deveres, obrigações e prerrogativas para particulares e o poder público.

O ministro explicou que o FGTS não é um direito de propriedade simples, mas uma propriedade estatutária, fortemente regulada, com proteção e fruição normativas. Surgiu como alternativa ao sistema de estabilidade decenal, com finalidades sociais, além de ser uma reserva financeira para o empregado, sempre ligado a políticas habitacionais.

Zanin enfatizou que o legislador consolidou o FGTS como um direito do trabalhador, e o constituinte de 1988 ratificou a disciplina vigente, exceto onde houvesse incompatibilidade com novos institutos da CF.

O ministro mencionou que, segundo a jurisprudência do STF, não há direito subjetivo constitucional à correção monetária ou à correção conforme um índice específico (RE 388.312). Afirmou que a questão da correção monetária é de direito monetário e cabe ao legislador estabelecer tais critérios.

Observou que o STF já decidiu pela inadequação da TR - Taxa Referencial como índice de correção de créditos decorrentes de condenações judiciais da Fazenda Pública e de débitos em contas judiciais (ADC 58).

Na atual controvérsia, Zanin entendeu que deve prevalecer a jurisprudência de que o STF não pode afastar os critérios escolhidos pelo legislador para a atualização de índices monetários, pois isso implicaria em reindexar a economia, um fenômeno considerado nocivo. Distinguiu a situação atual de casos anteriores, como a ADIn 4.357 e o RE 870.947, afirmando que esses tratavam do tratamento legislativo da mora ou de direito de crédito, enquanto a questão do FGTS é sobre atualização monetária de caráter estatutário.

Ressaltou que o fundo deve ser considerado como um direito social, não como um investimento para o trabalhador. Embora as contas sejam vinculadas aos trabalhadores, a fiscalização cabe ao Ministério do Trabalho, direcionando os recursos do fundo à realização de direitos sociais.

Zanin afirmou que alterar o índice de correção do FGTS prejudicaria pessoas dependentes de programas habitacionais e não aumentaria significativamente os saldos dos trabalhadores. Destacou que o legislador vem equilibrando as dimensões individual e social do fundo, facilitando a movimentação e disponibilidade dos recursos.

Ao final, votou pela improcedência da ação, entendendo que o FGTS não se confunde com uma aplicação financeira. Reforçou a necessidade de autocontenção do Judiciário em políticas financeiras e afirmou que o legislador não tem se eximido do dever de balancear as dimensões sociais e individuais do fundo, concluindo que não há violação aos preceitos constitucionais da moralidade em sua gestão.

Zanin foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.

Para o ministro Alexandre de Moraes, o FGTS é um direito social, mas não de natureza estritamente patrimonial. Ele considerou que o fundo tem uma natureza híbrida, institucional, com dupla finalidade: individual, de remuneração, e social, de habitação.

O ministro citou documentação da AGU, segundo a qual a alteração proposta resultaria em um ganho anual de apenas R$ 48 a R$ 60 por trabalhador, enquanto 48% das famílias passariam a não ter acesso a financiamentos de casas populares.

Assim, afirmou Moraes, o pequeno acréscimo na remuneração dos trabalhadores significaria uma exclusão massiva de famílias do financiamento habitacional. “Não haverá um Brasil desenvolvido, com o mínimo de dignidade, enquanto cada família não tiver a sua casa”, declarou.

Reconheceu que o sistema atual pode não ser a melhor fonte de financiamento, mas enfatizou que, no presente, é a única disponível. Concluiu que a alteração proposta excluiria 48% das famílias de baixa renda, causando um impacto social significativo.

Ao votar, ministro Flávio Dino destacou que o FGTS não surgiu do mercado financeiro, mas como um fundo dual destinado a substituir a estabilidade decenal. Ressaltou que analisar o FGTS sob uma perspectiva estritamente privatista enfrentaria o obstáculo de que o direito de propriedade não é absoluto, mas limitado pela sua função social.

Dino afirmou que o mecanismo de correção do FGTS não pode ignorar a sua função social. A referência para essa correção não pode ser o mercado financeiro, pois isso impactaria negativamente o acesso às linhas de crédito e inviabilizaria o efeito social do fundo.

O ministro observou que trabalhadores que ganham mais de quatro salários mínimos correspondem a apenas 14% dos beneficiários do financiamento habitacional, enquanto 86% dos financiamentos são destinados a quem ganha menos de quatro salários mínimos.

Também destacou os limites de atuação do Judiciário, enfatizando que a previsibilidade e a calculabilidade devem balizar a atuação da Corte. Dino invocou a questão da responsabilidade fiscal, sem a qual não existem políticas sociais, lembrando o art. 167-A da CF, que impede o Judiciário de criar novas despesas obrigatórias.

O ministro ressaltou, ainda, a importância da autonomia privada coletiva, das convenções e acordos coletivos de trabalho, conforme o firmado pela AGU com as centrais sindicais.

Assim, seguido pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Luiz Fux, votou pela procedência parcial da ação, aplicando-se o modelo da TR mais 3% com distribuição de resultados, assegurando o piso e utilizando o índice oficial de inflação do IPCA, sem efeito retroativo, mas prospectivo.

Ao final, considerando o voto médio, a Corte decidiu pela procedência, em parte, do pedido, com atribuição de efeitos ex nunc, estabelecendo o seguinte entendimento:

                - A remuneração das contas vinculadas na forma legal será atualizada consoante TR mais 3% ao ano, com distribuição dos resultados, em valor que garanta, no mínimo, o índice oficial de inflação, IPCA, em todos os exercícios.

                - Nos anos em que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS não alcançar o IPCA, caberá ao conselho curador do fundo determinar a forma de compensação.

O Advogado Geral da União, Jorge Messias, em manifestação após a conclusão do julgamento, afirmou que a decisão representou vitória para todos os envolvidos na ação.

“A decisão de hoje do Supremo representa uma vitória para todos os envolvidos na discussão da ação julgada. Ganham os trabalhadores, os que financiam suas moradias e os colaboradores do setor de construção civil. Na condição de ex-empregado da Caixa, sinto-me profundamente comovido ao contribuir para preservar a poupança dos trabalhadores e proporcionar a oportunidade de possuírem sua própria residência aqueles que mais necessitam. O governo, sob a liderança do Presidente Lula, está demonstrando que, por meio de um diálogo construtivo, podemos encontrar as melhores soluções para a população e para desenvolvimento do país”, disse o AGU.

A MEU SENTIR, a correção deveria ser semelhante à da poupança, com pagamentos de todos os retroativos. Mas, de qualquer forma, pois já decidido pelo Supremo, entendo que o novo sistema que prevê corrigir o FGTS pela soma da TR (Taxa Referencial) mais 3% e a distribuição dos lucros do fundo, não pode sofrer mais interferências negativas, e este valor deve equivaler, no mínimo, à reposição da inflação. Caso contrário, o conselho curador do FGTS deve definir imediatamente qual será a forma de alcançar o IPCA e garantir a correção inflacionária. Isso, no mínimo!

Fontes: Processo: ADIn 5.090/STF.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. João Celso e Daniela Amorim.14 de junho de 2024 às 12:29

    Somos trabalhadores e pagamos o FGTS como os demais trabalhadores, mas estão fazendo politicagem com os recursos do FGTS - nada de construções populares, mas uso do dinheiro para fins outros inexplicados. Isso é errado. Os sindicatos estão aí pra que? Isso precisa ser visto. A correção também está super errada. O certo seria no mínimo reajuste igual ao da poupança e os valores deveriam ser desde as ações anteriores, 1999, 2014, etc. Concorda Dr. Wilson? Cadê os valores que perdemos desde 1999, 2014, etc???? Parabenizamos o advogado dr. Wilson pelo excelente blog Direito de Opinião e pelos artigos nos jornais. At: João Celso e Daniela Amorim (trabalhadores brasileiros).

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  2. Eu concordo com a ideia de que o índice da poupança é mais justo. Veja bem que a caderneta de poupança mesmo apresentando menores riscos e cujos valores podem ser sacados com mais facilidade, tem rendimento muito superior. Portanto, também penso que os depósitos do FGTS não podem receber correção inferior à da poupança. E a correção do FGTS deveria ser retroativa sim porque as ações têm 10 anos ou mais, e se demorou tanto foi por culpa do Poder Judiciário e do governo. O trabalhador vai sair perdendo mais uma vez. É isso??? Que tristeza!!! Dr.Wilson seus artigos representam minha pessoa e estou sempre de acordo com o senhor e com seu equilíbrio e razão. Concordo total com seu último parágrafo do artigo. Abrs. do Danilo Junqueira - industriário.

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  3. Eu precisei sacar meu FGTS por motivos pessoais urgentes e fiquei no prejuízo porque a correção do FGTS depois de mais de 8 anos eu trabalhando não teve nem de longe a correção da minha caderneta de poupança que tenho na CEF. O trabalhador sempre levando prejuízo e o governo engordando com o suor do trabalhador. Muito feio isto e Deus está vendo isso. Dr. Wilson eu gosto muito de ler seus textos. Acho incríveis. Costa Filho (adm./empregado do comércio).

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