O PARADOXO DE DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS NOS CASOS DAS INVASÕES DE 08/01/2023 E 03/06/2024.

O Brasil hoje vive um paradoxo: de um lado, há o caso das manifestações e invasões do dia 8 de janeiro de 2023 ocorridas em Brasília, com enorme repercussão dada pela imprensa e com prisões e punições sem respeito ao devido processo legal; de outro, manifestações e invasões do dia 3 de junho de 2024 ocorridas em Curitiba, até o momento sem o mesmo alarde anterior da imprensa e sem o mesmo rigor de prisões e punições de antes.

A meu ver, salvo melhor juízo, o Brasil vive o paradoxo de dois pesos e duas medidas nos casos das citadas invasões. Até o momento, prevalece uma injustiça e um tratamento diferenciado para casos semelhantes. A imprensa, a polícia e o Judiciário precisam dar uma satisfação à sociedade a respeito dos fatos, dos acontecimentos e das medidas, de forma isenta, imparcial e justa.

Dois pesos e duas medidas. Essa é sem dúvida a forma clássica da expressão, que tem origem bíblica e é empregada em diversas línguas: em inglês, para citar apenas um exemplo, fala-se em “two weights and two measures”; em francês, de Voltaire é o seguinte trecho em que se emprega exatamente a mesma expressão: “Il y a toujours deux poids et deux mesures pour tous des droits des rois et des peuples” (Há sempre dois pesos e duas medidas para os direitos dos reis e os direitos das pessoas comuns). Ou seja: há um peso e há uma medida com que pesar e medir os direitos dos reis; e há um outro peso e uma outra medida para pesar e medir os direitos das pessoas comuns.

Na Bíblia, em Deuteronômio (25:13-16), a passagem que deu origem a “dois pesos e duas medidas” é nesse sentido: “Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca, para que vivais longamente na terra que Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos e medidas desonestas são uma abominação para Deus vosso Senhor”.

De sorte que a polícia e o Poder Judiciário não podem carregar dois pesos e duas medidas para tratar os casos de 8 de janeiro e de 3 de junho.

A recente invasão à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) por um grupo de manifestantes, com danos à estrutura pública como vidros quebrados e destruição da porta principal do edifício, reacendeu o debate sobre a punição dos envolvidos nos eventos do dia 8 de janeiro em Brasília.

Nesta segunda-feira (3), manifestantes ligados à esquerda e a sindicatos que representam professores das escolas públicas do Paraná, alguns utilizando bonés do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), invadiram a Alep, onde permaneceram até esta terça-feira (4), para protestar contra o projeto de lei que autoriza parcerias privadas em escolas da rede pública estadual do Paraná. Nenhum invasor foi preso pela polícia paranaense, mas corre a notícia de que a Polícia Civil instaurou inquérito para apurar os atos de depredação.

Espera-se, por uma questão de justiça, que o acontecido receba o mesmo tratamento dado às manifestações de 8 de janeiro. Aliás, vale esclarecer que, isentando-se um de culpa, o outro também deve ter o mesmo provimento. Ora, o princípio da isonomia impõe tratamento igual aos iguais. Mas vale o registro de, não obstante o direito constitucional à livre manifestação ser corolário do Estado democrático de direito, este deve ser exercido dentro dos limites estabelecidos na Constituição da República. 

No recente caso, cumpre evidenciar que, após a derrubada do portão de acesso, a Alep foi invadida com a quebra de portas de vidro e a entrada dos militantes no plenário, o que prevaleceu até a noite da segunda-feira. A reintegração de posse foi concedida pelo juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública, com cumprimento imediato, tendo em vista a gravidade da situação e a fim se de evitar maiores danos ao patrimônio público.

A meu sentir, data venia, os dois eventos são similares e respostas precisam ser encontradas, abrindo-se caminhos para revisão das penas de até 17 anos de prisão dadas a pessoas que se manifestaram nos eventos do dia 8 de janeiro, em Brasília. A rigor, os dois acontecimentos são tumultos muito parecidos, embora sem conotações de golpe de Estado ou coisa parecida. Ambos são badernas, assim como aconteceu na invasão do Congresso Nacional em 2016, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

Em pequeno aparte, reconheçamos que nunca houve na inteira história mundial um golpe de Estado sem armas. De forma que soluções adequadas devem ser buscadas para contornar situações de badernas e tumultos. Mas sem o rigor excessivo e desproporcional utilizado no caso de 8 de janeiro, que agora encontra uma situação semelhante, que precisa servir de baliza e decisão no mesmo patamar.   

Os fatos da recente invasão à assembleia paranaense abre caminho jurídico para revisar as condenações dos eventos de 8 de janeiro, especialmente porque os episódios são iguais, entendidos como atos de baderneiros, mas sem a presença de armas. Daí que não há como a polícia e o Judiciário entenderem que são situações diferentes. São eventos de pura baderna e longe da concepção infantil de golpe de Estado ou de risco para tanto.

Chegou a hora, em razão dos recentes fatos, de parlamentares (deputados e senadores) e entidades ligadas à defesa dos direitos humanos, formarem fileiras e se unirem para requerer ao Judiciário a rediscussão e a revisão das sentenças proferidas pelo STF contra os manifestantes do dia 8 de janeiro, ora sentenciados e presos ou vigiados e segregados mediante tornozeleira eletrônica. O parâmetro é o que aconteceu neste 3 de junho na Alep, em Curitiba. E faz-se oportuno também o surgimento de atores na condição de amicus curiae, que peticionem no interesse e na defesa dos envolvidos, posto que não sejam justos nem aceitáveis dois pesos e duas medidas.  

A sociedade brasileira aguarda uma decisão legal para o caso do Paraná, que poderá levar a matéria para uma discussão no campo jurídico, por exemplo, de uma ação declaratória, de controle concentrado, para que o STF defina o que é golpe de Estado e o que seja violação do Estado democrático de direito, e na comparação dos dois casos (8/1 e 3/6) faça suas deliberações, dentro dos limites e dos termos da Constituição.

Vários parlamentares já se manifestaram sobre os fatos novos e fazem comparações. Uns afirmam que do ponto de vista de depredação e invasão de área pública, as ocorrências no dia 8 de janeiro e na assembleia do Paraná são absolutamente análogas, e não se pode admitir uma sendo tratada com rigor absoluto e até desproporcional porque foi perpetrada por supostos apoiadores do Bolsonaro, e outra sendo tratada com absoluta leniência e condescendência, não só pelas autoridades, como também pela cobertura da imprensa.

Outra discordância dos parlamentares, que também é dos advogados e operadores do direito, é relativa ao fato de as ações do 8 de janeiro terem tramitado no STF, uma vez que os manifestantes não têm foro privilegiado e essas ações deveriam ter tramitado em primeira instância. Algumas autoridades destacam a diferença de tratamento entre as manifestações da direita e da esquerda, enfatizando que a esquerda frequentemente utiliza métodos violentos, mas não sofre punições severas.

Os brasileiros, que a tudo assistem, mostram-se boquiabertos com o uso de dois pesos e duas medidas por parte do Judiciário, pelo menos por enquanto. Ninguém em sã consciência consente que o Judiciário tenha duas formas de interpretar um mesmo caso. Ora, se a direita é punida e os atos de 8 de janeiro foram condenados com severidade, da mesma forma deve ser com relação à invasão que aconteceu na Assembleia do Paraná. A esquerda não pode sair impune, uma vez que sempre usa meios violentos - invade, quebra e nunca sofre retaliações legais.

Há quem entenda que as manifestações de 8 de janeiro foram pacíficas por parte da direita, mas que em certo momento houve a atuação de infiltrados da esquerda. As pessoas comuns então envolvidas foram punidas com extremo rigor, e o mesmo está se dando contra quaisquer opositores do PT & companhia, em ocasiões posteriores.

A pergunta que fica é: o que vai acontecer com essas pessoas que invadiram, quebraram, e depredaram a Alep, em Curitiba?

A meu juízo, permissa venia, entendo que os atores institucionais permitidos pelo artigo 103 da Constituição devem urgentemente sair da inércia e reivindicar respostas, que precisam ser encontradas pelo Judiciário (leia-se STF), a bem do Brasil, abrindo-se caminhos para revisão das penas impostas aos manifestantes de 8 de janeiro.

Os acontecimentos de 3 de junho de 2024, em Curitiba, e de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, são rigorosamente semelhantes. Ambos são de inteiro conhecimento público e requerem igualdade de tratamento, bem como uma declaração oficial do Judiciário definindo o que constituem “golpe de Estado” e “ato contrário ao Estado democrático de direito”, notadamente em perspectiva e em razão dos casos acima elencados. Mas sempre à luz da Constituição da República Federativa do Brasil.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Félix e Joana Toledo7 de junho de 2024 às 15:46

    Bravo!!! Bravíssimo!!! Estamos 100% de acordo com o texto. Muito bom o artigo todo. Att: Félix e Joana Toledo.

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  2. Existe um ditado que meu pai gostava muito de falar para dar exemplo de como deve ser a Justiça: "Pau que dá em Chico, dá em Francisco". Este ditado quer dizer que o mesmo tratamento para um deve ser para outro porque é assim que a lei diz que tem de ser - direitos iguais. OU o STF olha isso aí com justiça ou esse país vai virar uma revolução e não demora muito e essa cambada que está estragando tudo vai ter de fugir pra muito longe daqui. Dr. Wilson Campos os seus artigos são excelentemente patriotas e merecem nossa admiração total. Abr. Gilmar Reis.

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  3. Tem de ser tratamento igual para os dois casos ou solta todo mundo do 8 de janeiro Do jeito que está não está certo não. Esse STF está errado nessa maneira de pensar e agir como quer e sem respeitar a igualdade entre os dois casos que são 100% parecidos - invasão de prédio público e depredação e quebra de vidros, etc. A pergunta que faço é - cadê o direito igual???? hein STF? Dr. Wilson Campos os seus textos são excelente e sem dúvida os melhores que eu leio. Abraço cordial doutor. Paulo J.S. Loures.

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