A GREVE E A BADERNA



A primeira é permitida em lei, respeitadas as condicionantes da sua realização nos serviços ou atividades essenciais. A segunda é sinônimo de ilegalidade, desrespeito e vandalismo. Greve, sim. Baderna, não.

A democracia brasileira, já bem amadurecida, embora nem tanto, não admite que a greve seja permeada por badernas, quebradeiras e vandalismos, mesmo porque a sociedade organizada não pode se dar ao desprazer de conviver com tamanho antagonismo e falta de civilidade.  

Nesse 28 de abril de 2017, o Brasil viveu momentos de ternura e de horror, ao mesmo tempo. De um lado, o movimento grevista capitaneado pelas centrais sindicais conseguiu levar às ruas milhares de pessoas que são contrárias às reformas trabalhista e previdenciária, e mais contrárias ainda ao atual governo. De outro, os idiotas que quebram vidros de estabelecimentos, queimam pneus, fecham rodovias, impedem o direito de ir e vir dos cidadãos e ainda agridem aqueles que têm opiniões contrárias.

As cenas de violência desnecessária e desproporcional que mais impressionaram nesse dia de greve geral foram as de socos, chutes e pontapés de manifestantes com camisetas vermelhas e inscrições da CUT, que agrediram pessoas inconformadas no saguão do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, depois da tentativa frustrada de fechamento das vias de acesso ao terminal pelo movimento grevista.  

O que mais impressiona é o fato de que os manifestantes, portadores de direitos legais de greve, admitam que vândalos e criminosos se infiltrem e provoquem a desordem que não interessa a ninguém. Ninguém de bem. Ninguém da cidadania. Ninguém que respeite o país. Ninguém que obedeça a soberania democrática.

Não me venham falar de “circunstâncias” ou do “calor das opiniões”, porque a cidadania não abre brechas para a violência ou para o escárnio dos direitos e dos deveres, uma vez que são necessários, no mínimo, bom senso e razoabilidade nas discussões dos interesses metaindividuais.

De nada valem as conquistas à custa de vidas de inocentes. Não agora. Não na democracia. Não no Estado democrático de direito. Ora, a Constituição Federal está aí e deve ser invocada a qualquer momento, pelo povo e pela força dos códigos, das leis, das normas, dos costumes e da tradição nacionalista daqueles que buscam uma pátria melhor para a família.

Chega de ódio entre as cores das camisas, entre as diferentes ideologias e entre os imbecis que se intitulam líderes da população brasileira. O nosso país não precisa de líderes de barro ou recém-chegados desse ou daquele partido político. O nosso Brasil não é mais aquele da colonização. Os tempos são outros, a cultura é outra, a tecnologia é avançada e a cidadania vai ocupando o seu lugar, aos poucos, mas vai.

Os adeptos da tática black bloc, que depredam bancos, lojas e patrimônio público, não merecem nem sequer consideração como ativistas, posto que não passam de babacas retaliadores do nada contra coisa nenhuma.

Não se está aqui a ser contra ou a favor da greve. A mobilização da sociedade contra as reformas a toque de caixa é um direito do povo, mas daí dizer que pode “quebrar vidraças de empresas” e “queimar ônibus e pneus nas ruas” vai uma diferença muito grande. Uma coisa é a livre manifestação. Outra coisa é destruir a propriedade alheia e impedir a livre circulação daqueles que desejam trabalhar ou transitar pela cidade.

Particularmente, eu sou a favor da greve, até mesmo no serviço público que não está regulamentado na Constituição, dada a lacuna do art. 37. No entanto, existe uma distância enorme entre ser a favor da greve e ser a favor da baderna e do vandalismo. Sou contra todo e qualquer ato ilícito, que envergonhe o povo brasileiro e que torne a reivindicação do direito um ato de pura satisfação de bagunceiros. Sou também reconhecedor de que a greve é para incomodar, fazer pensar e repensar, mobilizar a sociedade e levar as pessoas a decidirem em que espécie de sociedade querem viver e criar as suas famílias. Sou a favor da cidadania.

A preocupação maior que fica é a de que o momento é de grande sofrimento para o povo brasileiro, em todos os sentidos – desemprego, inflação, juros altos, corrupção, impunidade, violência. Além disso, estamos sob o comando de um governo tampão, ilegítimo para uma parcela significativa da população, cujos mandatários principais são delatados diariamente pelo desvio de recursos não contabilizados e chamados de caixa 2, ou de propina em troca de favores e obras superfaturadas de empreiteiras.

Portanto, a greve é um direito do trabalhador e deve acontecer. A baderna, não. A insatisfação dos mais diferentes setores da sociedade com a péssima prestação de serviços do Estado, aliada ao ambiente de hostilidade e polarização política, não recomendam a realização de reformas polêmicas como as do Trabalho e da Previdência. O momento é perigoso, porque a insatisfação é geral.

Independentemente da mídia que propaga publicidade governamental paga, os cidadãos brasileiros devem se ater à estabilidade da democracia. No entanto, nem por isso os brasileiros devem se descuidar dos seus direitos legítimos, sob pena de, em breve, todos os trabalhadores estarem amordaçados, humilhados e submersos no extrato mais baixo da população, aumentando ainda mais a miséria, a injustiça e a desigualdade social. Greve, tudo bem. Baderna, não!

Greve - assegurada pelo art. 9º da Constituição Federal e pela Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve).
Baderna - proibida nos termos do art. 163 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940). 

Clique aqui e continue lendo sobre atualidades da política e do Direito no Brasil

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG). 



Comentários

  1. Dr. Wilson, me perdoe dar pitaco, mas a greve pode até ser legítima, mas como o senhor mesmo disse não pode virar bagunça e festa de arruaceiros mascarados fazendo se passar por grevista. Os patrões quando assistem estas cenas de baderna ficam até contentes, porque o povo vê o que são esses sindicatos de meia tigela, que mamam nas tetas da contribuição sindical e não fazem nada que presta. Gostei do artigo e gostei do blog que tem só textos de primeira qualidade, que ajudam o povo a ser mais participativo. Parabéns Dr. Wilson Campos. Aníbal C. V. B. G.

    ResponderExcluir
  2. Para construir um país sério as leis devem ser respeitadas. Cumpram-se as tais leis e ponto final. O advogado, autor, sabe muito bem o que diz, e fazer greve é uma coisa, mas fazer baderna e quebradeira é coisa de bandido. Direito para a greve ordeira e cadeia para os vândalos. Ponto final.Jácomo V. H. F.

    ResponderExcluir
  3. O brasileiro minha gente vai aprendendo aos poucos defender os seus direitos tão esmagados por décadas. Calma, porque o burguesia é poderosa, enquanto o trabalhador não tem dinheiro e nem poder de barganha que não seja o suor do seu rosto. Vamos ajudar e não atrapalhar, porque segundo o Dr. Wilson a democracia deve ser preservada porque nos custou muito caro conquistá-la. Razão e coração antes de punição. Dolores M. H. T. PARABÉNS DR. WILSON, PELO TEMPO DEDICADO À CAUSA BRASILEIRA.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas