EMBARGOS PROTELATÓRIOS



Os advogados brasileiros têm enfrentado, vez ou outra, as multas do artigo 1026, § 2º, do CPC/2015, aplicadas por Juízos dos Tribunais pátrios, sob alegação de que se tratam de embargos protelatórios.

O citado § 2º assegura: "...quando manifestamente protelatórios...". Ora, como assim? Quem é o onipresente para tal definição, que sirva para todos? Legislador, juiz, quem? Como definir o "manifestamente", para esse ou aquele Juízo?

A palavra "manifestamente", segundo os bons dicionários significa "obviamente", "de modo evidente", "claramente". Ou seja, para definir quando aplicar a multa, o juiz deveria ter em mãos um documento que confessasse tal vontade do causídico e de seu cliente. Acontece, que nada disso ocorre, tomando o juiz a sua decisão, muitas das vezes, apenas com base em um único Embargo Declaratório, e não de vários Embargos seguidos, que seriam necessários para tal desiderato, como - embargos nos embargos nos embargos.  

Faz-se necessária maior clareza no dispositivo legal, para que os magistrados não interpretem a norma à sua vontade e ao seu bel prazer, e essa clareza deveria partir do Código de Processo Civil, para que não prevaleçam interpretações pessoais. Muito mais simples seria constar do artigo um inciso ou um parágrafo no sentido de "...quando interpostos três ou mais embargos com o mesmo objeto...". Ora, as notícias são de que advogados estão sendo multados apenas por um ou dois Embargos de Declaração. É brincadeira?

O Juízo demora até 2 anos para marcar uma audiência de instrução; fica 1, 2 e até 3 anos com o processo concluso; protela para 5, 10 e até 15 anos ou mais uma decisão; e o advogado é quem sofre as consequências da morosidade do Judiciário, sendo multado por apresentar embargos que ele entende serem corretos, por omissão, obscuridade e contradição no bojo da decisão judicial. Que espécie de Justiça é essa, afinal?

Por essas e outras é que surgem rumores de que o Poder Judiciário está cavando um fosso entre a magistratura e a advocacia, entre os juízes e os jurisdicionados. Mais do que isso, o Judiciário vem sendo contestado pela sociedade, em todos os seus níveis, da primeira instância até o Supremo Tribunal Federal, diante de tantos desvios sociais absurdos que não são corrigidos, políticos que não são punidos e crimes que não são apenados. Aliás, a Justiça, para muitas pessoas, quando vem, já se encontra tardia e não mais interessa.

Aplicar multa por uma única medida de Embargos de Declaração não é razoável. É desproporcional e irracional. Nada justifica tamanha desfaçatez com o causídico e o seu cliente. Somente se justificaria a multa se fossem três ou mais Embargos de Declaração, com o mesmo objeto, e de forma que se revelassem óbvios e claros na postergação da demanda.

Vale observar o caso do TCU que, aplicando subsidiariamente o CPC/2015, impôs multa por embargos protelatórios. O plenário acompanhou o voto do relator, ministro Bruno Dantas, pela fixação da multa no valor de R$ 10 mil: "Maliciosamente, o recorrente tem forçado o reexame da matéria por sucessivos embargos de declaração, tumultuando o processo e furtando do corpo técnico desta Casa e dos membros deste colegiado tempo que poderia estar sendo utilizado em processos de maior materialidade e relevância", afirmou o relator.

Note-se que o ministro relator afirmou se tratar de sucessivos embargos, e não de um ou dois ou três. Quantos embargos, afinal, o recorrente ofereceu? Essa explicação precisa ser dada e ser bem exata, para que não se cometam injustiças com advogados que recorrem uma ou duas vezes e já recebem multa por supostos embargos "protelatórios". Ora, repito, isso não é razoável. É coisa séria e requer seriedade máxima do Judiciário e dos seus membros da magistratura.

A multa se faz adequada quando o recorrente abusa do direito de recorrer, repetidas vezes, três ou mais, no caso dos Embargos de Declaração em debate. Menos do que isso não se torna adequada a multa, que além dos 2% sobre o valor atualizado da causa, pode ser majorada a até 10% no caso de reiteração de embargos "manifestamente" protelatórios. Além disso, fica o constrangimento do advogado, que não tendo o desejo de protelar foi julgado como se tivesse, sem a apreciação da ampla defesa e do contraditório.

Por fim, registro o meu entendimento de que não há que se aplicar a multa prevista no artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil/2015, quando não caracterizado, de fato, várias vezes, o intuito manifestamente protelatório na interposição do recurso, ou seja, quando representa apenas o exercício regular da defesa, sendo esta a hipótese da discussão em tela. 

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Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).



Comentários

  1. Concordo em número, gênero e grau. O Judiciário vem tomando decisões que estão na contramão da justiça verdadeira, como neste caso, em que o advogado e seu cliente são penalizados porque o juiz entendeu que usaram de embargos protelatórios. Quantos para serem protelatórios? Um, dois, três, mais? Reforma do Judiciário é o que precisa. Parabéns Dr. Wilson Campos, a interpretação do senhor está corretíssima. Ronaldo C. N. C, advogado com 35 anos de profissão. BH.

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  2. Dr. Wilson, eu já fui multado e achei um absurdo, porque eram apenas dois embargos e não protelatórios, mas na defesa regular do interesse do meu cliente. Esse juízes deveriam pensar melhor a respeito desta questão, evitar tantos feriados, pedir a contratação de mais juízes e serventuários e fazer a máquina de Judiciário funcionar. Coisa que não está acontecendo. Meus cumprimentos pelo artigo e pelo enfoque correto. Saudações. Geraldo M. S. V. P., advogado e professor. BHorizonte.

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  3. Dr. Wilson, meu caro mestre, existem sim recursos protelatórios, que demandam por ganho de tempo. Mas, concordo com o senhor quando diz que um ou dois embargos declaratórios com o mesmo objeto não motivam a aplicação da multa por consideração de que sejam os embargos protelatórios. Para tanto, far-se-iam necessários mais recursos, de forma reincidente e insistente. O Judiciário está perdendo a linha, ainda mais quando demora uma década para julgar uma ação. Protelatórias são as decisões que tardam e nunca chegam para o jurisdicionado, deixando antever um Judiciário capenga, sofrível e cada vez mais lento. Parabéns ao Dr. Wilson Campos, pelo excelente trabalho com a sociedade e por tão bem representar a OAB de Minas. Adamastor J. F. H. L., advogado associado, mestre e doutor. Belo Horizonte, capital.

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  4. Aplaudo o artigo e concordo com a linha de raciocínio e entendimento do Dr. Wilson Campos.
    A realidade é essa - judiciário cada vez pior na prestação do serviço da justiça. Jésus C. M., procurador e advogado.

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