“QUID PRO QUO”, NO JEITINHO BRASILEIRO.

 

Os brasileiros mais experientes e não muito jovens por certo se lembram da expressão “quiprocó”, que vem do latim quid pro quo, que significa “uma coisa pela outra”, ou seja, dar uma coisa em troca de outra. Mas a expressão acabou ganhando um significado um pouco diferente na língua portuguesa, e tomou o sentido de confusão, balbúrdia, rolo, engano.

A expressão latina vem da era medieval. No entanto, a explicação mais razoável vem de um dicionário datado de 1720 de língua portuguesa do Instituto Universitário de Lisboa, segundo o qual, os boticários, que eram os antigos farmacêuticos, nem sempre tinham em mãos os componentes necessários para produzir os medicamentos receitados pelos médicos. Na ausência desses componentes, recorriam a um livro chamado Quid pro quo, que era basicamente um livro com equivalentes medicinais que pudessem substituir os ingredientes em falta.

Pela explicação didática, o instituto lisboeta entendia que “quando os boticários não tinham uma droga, achavam no referido livro outra para colocarem em seu lugar. Daí veio o dizer ‘livre-nos Deus de um quid pro quo’, porque às vezes ocorriam erros nas drogas e, em lugar de remédio, os boticários davam um veneno”. Ou seja, o quid pro quo às vezes levava a confusões cometidas em remédios, com desfechos bastante desagradáveis.  

Atualmente, em pleno século 21, o termo quid pro quo encontrou no Brasil um jeitinho especial de se explicar, notadamente por meio do famoso “toma lá dá cá”, que sempre acaba em enormes proveitos para alguns privilegiados sem vergonha na cara e, lado outro, sempre gera imensos prejuízos para o contribuinte e provoca uma confusão generalizada para a sociedade organizada.

O brasileiro não tem mais a quem recorrer. A situação dramática presenciada nos dias de hoje é uma ponte intransponível, uma estrada intransitável, uma incógnita indecifrável. Culpa de quem? Ora, do próprio povo brasileiro, que permite os descalabros, as imoralidades, as impunidades, as falcatruas, as mentiras, as obscenidades e os desvios propositais de caráter de políticos e autoridades.

Ao ler, e leio muito, aprendo a ser menos ignorante. Li há algum tempo, em algum noticioso, que no prefácio à sua monumental Comédia Humana, Balzac assegurou: “A acusação da imoralidade é a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a dizer”.

E o que devem dizer as pessoas de bem depois das últimas CPI’s ou CPMI’s realizadas no e pelo Congresso Nacional?

E o que devem dizer as pessoas de bem depois das últimas decisões do Supremo?

Calar? Consentir? Omitir? Acovardar?

Li também algumas frases atribuídas ao filósofo espanhol, reitor perpétuo da Universidade de Salamanca, Miguel de Unamuno y Jugo, que vaticinava: “Há momentos na vida em que calar é mentir”; “O que os fascistas odeiam, acima de tudo, é a inteligência”; “Se uma pessoa nunca se contradiz, deve ser porque ela não diz nada”; “Se é o nada que nos aguarda, vamos fazer uma injustiça a ele, vamos lutar contra o destino, mesmo sem esperança de vitória”. Daí que, em graves momentos sociais, tudo menos calar. Mas sair às ruas, sim, especialmente usando a inteligência, denunciando as imoralidades e considerando acima de tudo esse torpor que hoje invade nossas almas. Afinal, somos seres humanos respeitáveis ou delinquentes à espera de soberba condenação pelo silêncio e omissão?  

As CPI’s e CPMI’s de recentes passado e vexame, apenas gastaram verba pública, não surtiram efeito e ainda causaram vergonha alheia. Note-se que a CPI da Pandemia se transformou num circo de luxúria e foi um fiasco total. E as atuais, da mesma forma, transformam-se em espetáculos dantescos, bate-bocas desrespeitosos e consumismo irrefreável da paciência e do dinheiro do contribuinte brasileiro. Esses são, por exemplo, os casos da CPMI do 8 de janeiro e da CPI do MST, que vêm se evidenciando pela guerra por holofotes da esquerda, do centrão e da direita, mas se consolidando como um desastre para o governo do PT, que vai perdendo terreno a cada dia das investigações.

As decisões do Supremo, por menos complexas que sejam ou pareçam, têm afetado diretamente a vida dos cidadãos de bem. Os casos em pauta na Suprema Corte, relativos à descriminalização das drogas e à volta do imposto sindical obrigatório, além de absurdos, são ameaças sobre as cabeças das famílias, dos trabalhadores e da sociedade de forma geral. Mas tudo indica que ambos os casos serão aprovados pelos ministros do Supremo, apesar da indignação da maioria esmagadora dos brasileiros.

Muitas vezes consideradas polêmicas, as decisões do STF vão se somando aos muitos absurdos julgamentos, entre os quais aqueles que violam o devido processo legal. E vale relembrar algumas das principais situações envolvendo ministros do Supremo, que causaram divergências de opinião ao longo dos últimos anos, a saber:

                        Anulação das condenações de Lula na Lava Jato; Sérgio Moro apontado como parcial para julgar Lula; Prisão de Daniel Silveira, proibição de usar redes sociais e dar entrevistas; Prisão de Roberto Jefferson; Pedido de prisão do blogueiro Allan dos Santos; Barroso defendendo regulação das mídias sociais; Dias Toffoli dizendo que STF exerce Poder Moderador.

Não bastassem as polêmicas decisões e conjecturas logo acima mencionadas, também as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre fake news nas redes sociais e a abordagem da emissora Jovem Pan a respeito do petista Luiz Inácio Lula da Silva provocaram debates entre juristas e especialistas em torno da atuação da Corte. Ademais, as ameaças constantes de censura à livre expressão e manifestação fizeram ressurgir tempos sombrios, mas desta vez implementados por tribunais superiores e a mando de ministros dos próprios STF e TSE.  

Dizem que os tempos mudaram. Eu entendo que mudaram, sim, para pior, pois o que se vê aqui e ali são atos e ações de autoridades que causam arrepios na espinha de qualquer ser humano cívico e sadio. Hoje, o Supremo se autoconferiu um papel que não está, nem nunca esteve, em nenhuma de nossas Constituições desde o início da República - o de ser uma espécie de Poder Moderador do país. A Corte está reproduzindo aquele exercido nos tempos do Império, por Dom Pedro II. Um poder absoluto e sem nenhum limite - nem nas leis ordinárias, nem na Constituição, nem na consciência dos cidadãos.

Alguns ministros assim confessam, sem nenhum pudor. Palavras do ministro Luiz Fux: “Enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro”. Ou, ainda mais explícito, em palavras do ministro Dias Toffoli, “Nós já temos um semi-presidencialismo, com o controle do Poder Moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal”. Por isso, já faz tempo, suas excelências não respeitam mais o artigo 2º da Constituição, que dispõe sobre os poderes “independentes e harmônicos entre si”, se referindo ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário. E assim, sem maiores preocupações, julgam, legislam e executam, ou seja, administram o país ao seu livre e impositivo arbítrio.

O quid pro quo (uma coisa pela outra), nas terras tupiniquins, na ótica do Supremo, no seu jeitinho brasileiro, significou uma drástica e recente mudança no artigo 144, inciso VIII, do Código de Processo Civil (CPC), que trata dos impedimentos e suspeição de juízes, desembargadores e ministros do STJ e do Supremo, nos feitos “em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau”. O Código, naturalmente, explicita regra que, a rigor, nem precisaria ser posta em lei. Ora, a toda evidência, um juiz não pode julgar caso proposto ao tribunal por sua própria mulher. Isso, em razão de um princípio elementar de decência, no mínimo.

Nesse sentido, o que disse a OAB Nacional? Nada! Restou silente e omissa.

Resultado: o Supremo decidiu, por 7 votos contra 4, que todos os juízes brasileiros, incluindo eles próprios, estão liberados para julgar causas em que escritórios de advocacia de parentes ou filhos ou cônjuges defendam as partes envolvidas no processo.

A sociedade brasileira está boquiaberta, mas continua muda, assim como o Poder Legislativo, deslocado de suas funções e competências constitucionais. Que coisa!

Mas nem todas as pessoas são coniventes com o que aconteceu. A ex-ministra do STJ Eliana Calmon disse: “A janela agora foi escancarada pelo Supremo. Ministros ganham muito pouco. Advogados de grandes escritórios ganham muito mais. E, naturalmente, existe uma divisão familiar. Ou seja, a mulher fica com o poder econômico, nos escritórios; e os ministros ficam com o poder político, dentro do Poder Judiciário. Desta forma eles (marido e mulher) ganham muito e têm o poder político na mão. Um acasalamento perfeito”.

A ex-ministra ainda fez a seguinte crítica: “Eles estão fazendo com que haja a desmoralização do Poder Judiciário, o que é grave, porque sem Poder Judiciário nós não temos Democracia”.

De sorte que, ao meu sentir, o quid pro quo (uma coisa pela outra) no jeitinho brasileiro do Supremo, representou e vem representando uma tremenda confusão, um engano, posto que a função dos juízes seja a de representar o Estado na administração da justiça, mormente enquanto cidadãos investidos de autoridade com o poder-dever para exercer a atividade jurisdicional, desempenhando com equilíbrio e isenção o cargo e julgando de forma imparcial e desinteressada os conflitos de interesses que são submetidos à sua apreciação.

Já o quid pro quo (uma coisa pela outra) no jeitinho brasileiro do Congresso, pontualmente, em relação às CPI’s e às CPMI’s, representou e vem representando uma gastança de dinheiro público desnecessária, haja vista a ínfima produtividade e a quase inexistente eficácia dos trabalhos. Aliás, as investigações têm servido tão somente para holofote e promoção de políticos inexpressivos (salvo raras exceções), que transformam as audiências e oitivas em verdadeiros shows de aberrações, circos de horrores ou coisas semelhantes, lamentavelmente, cujas cenas deploráveis, na maioria, são proporcionadas pelo PT e aliados da esquerda festiva.

Enfim, o quid pro quo (uma coisa pela outra) acabou ganhando um significado um pouco diferente na língua portuguesa, e o “quiprocó” tomou o sentido de ‘Deus nos acuda’, confusão, engano, agitação, tumulto, balbúrdia, altercação, barafunda, discórdia, rolo, quebra-pau. E encerro dizendo que lamento profundamente tudo que vem acontecendo no nosso Brasil, cujo povo ordeiro e trabalhador não merece tanto “quiprocó” e muito menos tantos desaforos.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Berenice M. S.Arruda25 de agosto de 2023 às 17:24

    Demorei um pouco para ler e entender, mas depois fiquei maravilhada com a aula e a lição. Parabéns dr. Wilson Campos - advogado. Parabéns!!! Att; sou Berenice M.S. Arruda.

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  2. Péricles S. S. Ferreira25 de agosto de 2023 às 17:25

    Esse filósofo espanhol eu não conhecia nem nunca tinha ouvido falar, mas gostei das citações dele e do colóquio no artigo do mestre Wilson Campos. Excelente arrazoado. O artigo me representa. Abr. Péricles Ferreira.

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  3. Priscila e Orlando Mourão25 de agosto de 2023 às 17:30

    As CPIs só servem para promover deputados e senadores que não sabem o que falar e apenas resmungam e vaiam os colegas e as testemunhas. Uma vergonha para o parlamento. Vergonha alheia como diz o adv Dr. Wilson Campos. Vergonha alheia. Precisamos de mais seriedade na coisa pública e em tudo que envolve dinheiro público e seja do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário. Pelo amor de Jesus Cristo, vamos trabalhar sério gente. Agradecemos. Priscila e Orlando Mourão.

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  4. Silvio M. Junqueira F.25 de agosto de 2023 às 17:33

    Eu já tinha ouvido falar do quiprocó danado, ou coisa parecida com encrenca ou tolo ou engano danado. O quid pro quo do latim deve ser bem parecido pois troca uma coisa pela outra. Me dá algo e dou-lhe outra em troca ou o famoso toma lá dá cá no Brasil da política rasteirinha. Salve se quem puder porque a coisa tá feia minha gente brasileira. Mas vamos seguir e lutar por dias melhores na raça e na garra certo Dr. Wilson? Abrs. Silvio Junqueira F.

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  5. blogueiro Allan dos Santos.. O Allan dos Santos odia ser chamadode blogueiro. Ele é jornalista.
    A OAB Nacional virou partido político com a aquiescência de quem a sustenta. Nenhuma ação contundente aconteceu no período Santa Cruz...
    As decisões dos ministros do stf,que não encontram respaldado na lei, são nulas sem efeito, exceto onde a lei inexiste ou é omissa.
    Os ministros do supremo incorrem em crimes e deverão responder por isso. Um exemplo: liberação das drogas. Existe uma lei que proíbe o porre, consumo e a comercialização de drogas. O que vale mais, lei ou os desejos dos ministros?
    Outrora tivemos uma Suprema Corte, agora temos uma Suprema Corja ou uma Corja Suprema.

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  6. Parabéns, dr. Wilson! Mais uma vez, concordo plenamente com o senhor. A nossa nação brasileira está um verdadeiro quiproquó. Com certeza, é a inércia do povo brasileiro a causa para que essas pessoas, corruptas e desonestas, que aí estão, continuem a saquear os bens da nação, dilapidando empresas altamente produtivas e conceituadas e execrando pessoas que se dispõem a interferir nessa sanha desmesurada de locupletação.
    O senhor o disse, e muito bem, quando assim se expressa:
    O brasileiro não tem mais a quem recorrer. A situação dramática presenciada nos dias de hoje é uma ponte intransponível, uma estrada intransitável, uma incógnita indecifrável. Culpa de quem? Ora, do próprio povo brasileiro, que permite os descalabros, as imoralidades, as impunidades, as falcatruas, as mentiras, as obscenidades e os desvios propositais de caráter de políticos e autoridades.
    Mas, como cristãos que somos, sabemos que o Criador não nos deixará órfãos. É bíblico (Josué 1:9), que não seremos abandonados, que não devemos temer, mas temos que ser fortes e corajosos.
    Gilson F. Campos

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