A GRAVÍSSIMA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIAS.

 

A competência do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao 8 de janeiro é contestada pela maioria esmagadora dos operadores do direito brasileiros. Alguns juristas chegam a dizer que é muito grave esse erro de rumo do STF.

Os argumentos são de que as denúncias são genéricas e o STF não tem competência para julgar os casos dessas pessoas comuns envolvidas direta ou indiretamente. In casu, as denúncias deveriam ser rejeitadas e os processos encaminhados às instâncias competentes.

Não há individualização das denúncias. O Supremo aglomera os investigados e os julga de forma absolutamente irregular. Ademais, os ministros do STF atropelam o artigo 102 da Constituição da República e julgam pessoas sem foro privilegiado. Ora, essa não é a função do STF. Essa é a função das instâncias inferiores do Judiciário.

As pessoas presas não têm sequer proximidade com pessoas detentoras de foro. O STF apenas cogita essa hipótese, mas não convence os defensores e muito menos a sociedade brasileira, seja pelos fatos ou conexão entre as pessoas. O Supremo erra, e contra seus erros não há a quem recorrer. Todos sabem que o STF é a última instância, onde não há meios para recursos contra suas decisões ou eventuais condenações.

As razões jurídicas estão sendo atropeladas pelas razões políticas. Pessoas comuns estão sendo presas e condenadas pelo STF, sem o devido processo legal e sem a ampla defesa e o contraditório. Ou seja, a Suprema Corte suprime a primeira, a segunda e a terceira instâncias. E do alto da sua autoridade hierárquica decide prender, julgar e condenar qualquer cidadão sem foro privilegiado.

O risco maior dos atos do Supremo é passar desde já a ser conhecido como um tribunal de exceção. Os ministros mais radicais da Corte talvez não se incomodem com essa qualificação, mas os milhares de magistrados Brasil afora devem estar preocupados, pois a repercussão negativa vai atingir a todos do Judiciário. Os equívocos dos ministros supremos vai repercutir na magistratura.

O ministro Alexandre de Moraes e a Procuradoria-Geral da República, no julgamento dos réus do 8 de janeiro, negaram a Constituição mais uma vez e fizeram vista grossa ao princípio da ampla defesa. A explicação para essa inaptidão é eles desconhecerem que a falta da individualização da conduta leva a denúncia a ser rejeitada por inépcia.

O STF e seus ministros não têm competência para julgar os presos envolvidos no episódio do 8 de janeiro. Essa competência é inicialmente da primeira instância e depois segue o rito legal sequencial das demais instâncias. Mas o Supremo e a PGR ignoram o certo e jogam na lata do lixo a segurança jurídica, o devido processo legal, o Estado de direito e a Carta Magna.

Vejamos o que disse e decidiu a ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2009, ao determinar o trancamento de uma ação contra uma acusada em um esquema de sonegação fiscal: “A ausência absoluta de elementos individualizados que apontem a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando, assim, inepta a denúncia”. Várias outras decisões dos tribunais pátrios têm sido nesse mesmo sentido.

Precisa dizer algo mais sobre a individualização da conduta e das denúncias? Tudo leva a crer que a ministra do STJ sabe e conhece de leis, enquanto no STF e na PGR o desconhecimento é amplo e geral. Ou será apenas por “missão dada é missão cumprida”, como se tornou de conhecimento público os afagos entre os amigos da esquerda? As redes sociais repetem essa frase à exaustão. 

Alexandre de Moraes alega que os crimes do 8 de janeiro são “multitudinários”, em ação conjunta de uma multidão, especialmente com vistas a um golpe contra o governo então empossado. O ministro alega, cogita e julga sem nenhum constrangimento, mesmo sabendo que esse papel seria de um juiz da primeira instância, independentemente de se tratar ou não de crime “multitudinário”.   

Moraes demonstra claramente desprezo pela necessidade de individualização da conduta. Também antecipa na sua fala o julgamento de todos os mais de mil brasileiros que foram presos no 8 de janeiro, seja pelos atos na Praça dos Três Poderes ou pelos do acampamento diante do quartel do Exército. O ministro fecha os olhos, não separa o joio do trigo, não distingue o certo do errado e não se cobra pelas motivações individuais dos envolvidos.  

Sabe-se por imagens, vídeos e noticiários que a maior parte dos manifestantes apenas entrou no prédio, não faziam nada a não ser tirar fotos ou orar, e uma pequena parte depredava, e outro pequeno grupo tentava impedir a depredação. Ora, senhores ministros do Supremo, isso é mais do que suficiente para Vossas Excelências se julgarem incompetentes para o julgamento da ação, admitirem a individualização das condutas e das denúncias e remeterem rapidamente o processo “multitudinário” à primeira instância.

Notícia preocupante surgiu ontem, continua hoje e deve perdurar por vários dias. O STF condenou a 17 anos de prisão o primeiro réu julgado pelos atos do 8 de janeiro. Não vou citar o nome do réu, mas a condenação foi supostamente por cinco crimes, incluindo golpe de Estado. Que coisa! Golpe de Estado sem armas, sem forças e sem estruturas para um gesto tão complexo e grave.

O segundo réu, que também não vou citar o nome, foi condenado por supostos cinco crimes, com pena de 14 anos. Essa foi a proposta do relator Alexandre de Moraes e seguida pela maioria. 

O STF concluiu, na noite desta quinta-feira (14), o terceiro julgamento de um réu acusado pelos atos de 8 de janeiro, que foi condenado a 17 anos de prisão, com multa de R$ 44 mil, além de outros R$ 30 milhões a serem divididos com demais réus que vierem a ser condenados pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.

Assim como os outros dois condenados pelo STF, ele foi considerado culpado por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa, dano ao patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado.

Os julgamentos dos “sem foro” continuam a toque de caixa, as condenações e as multas são determinadas e as instâncias inferiores do Judiciário vão sendo suprimidas pelo STF, sem nenhuma explicação dos ministros da Corte. Acredita-se que em alguns dias todos os réus implicados no 8 de janeiro serão julgados e condenados, mas essa não será uma vitória da Justiça. A vitória será do desrespeito aos princípios constitucionais. Tristemente!

Enfim, o escorço histórico da Constituição é hoje menor que há 20 anos. Vão se esvaindo em sangue o devido processo legal e a ampla defesa, graças ao desprezo da Suprema Corte e mais ainda graças à arma que usam para difundir a insegurança jurídica. A tábula rasa dos fatos é questão de ordem de ministros do Supremo, que julgam como querem, sem o uso da régua milimétrica da Constituição.

Lamentável abolição do Estado de direito! 

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Essa supressão de instâncias é perigosa e vai ter repercussão por muitos anos, e esses julgamentos assim, dessa forma, vão servir de modelos para futuros erros jurídicos. Simples assim doutor Wilson. Simples assim, e nosso Judiciário vai ladeira abaixo. At. RPKJ e Associados.

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  2. A crueldade nesse julgamento é coisa de filme de terror americano. As cenas são chocantes quando a gente vê como os ministros do STF comentam e julgam, com escárnio, com ironia e sem o menor apreço pela vida humana. Esses indivíduos do 8 de janeiro erraram no grau da manifestação seguida de invasão, mas não erraram mais do que os outros que anos atrás invadiram o Congresso com bandeiras do MST e do PT. Lembram disso? Onde estava o STF? No STF a lei não é igual para todos. Dr. Wilson Campos, colega advogado de grande estima e respeito, a advocacia está paralisada e indignada com esses julgamentos inconstitucionais. Abraços. Ethan Rubens.

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  3. Maurício F. G. Chagas15 de setembro de 2023 às 14:45

    Eu conheço um juiz (meu amigo de vários anos) que me disse que está louco para se aposentar porque não aguenta mais ver em que se transformou a Justiça no Brasil. Essa de suprimir as instâncias inferiores é muito grave e não poderia ser admitida pelo CNJ e por ninguém do Judiciário. Cadê os juízes das 1ª, 2ª e 3ª instâncias?? Dr. Wilson nossa advocacia também está sem liderança porque essa OAB é uma vergonha de dar dó. O povo brasileiro, clientes, amigos, colegas, sempre me cobram - cadê a OAB??? A OAB está debaixo do braço da cúpula da esquerda. Dá arrepio ver isso acontecer. Maurício F.G. Chagas - SP/RJ/MG.

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  4. Marcos H. Junqueira F.16 de setembro de 2023 às 15:23

    Na advocacia costumamos dizer que, quando há supressão de instâncias, o processo resta nulo, porquanto suprido também o devido processo legal. Isso ocorre com o STF quando toma para si toas as instâncias e julga até ações de pessoas sem foro privilegiado, contrariando a CF. Um absurdo terrível. Abraços dr. Wilson e seguimos boquiabertos com tudo que acontece hoje no Judiciário. Estamos pasmos. Marcos Junqueira.

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  5. A OAB teve a cara de pau de enviar cartinha elogiando o STF pelos julgamentos inconstitucionais do 8 de janeiro. Juntaram-se a corda e a caçamba dos maiores omissos e violadores da Constituição e não se envergonham do que fazem. Precisamos pedir o afastamento de toda a diretoria da OAB nacional urgentemente. Cadê os advogados e advogadas brasileiros???? Dr. Wilson seu artigo está excelente e me representa e vamos juntos. At.: Lenira Ramos.

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