A TEORIA JURÍDICA DA SEPARAÇÃO DE PODERES.

 

Partindo do pressuposto de que todo homem detentor do poder tende a abusar dele, assim como afirma Montesquieu, o sistema de “freios e contrapesos” foi instituído para limitar a atividade dos poderes e assegurar que nenhum se sobreponha ao outro, garantindo a independência e a harmonia entre eles.

No Brasil, a desarmonia hoje constatada entre os Três Poderes causa graves prejuízos à sociedade. Em alguns momentos as premissas são desrespeitadas, e não é incomum ver um poder querendo abraçar a causa de outro e interferir na liberdade de atuação inerente a cada um.

A interferência só encontra amparo nos casos em que for observado abuso de poder. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário precisam ter autonomia própria para desenvolver suas atividades com liberdade, mas devem respeitar os limites legais.

A Teoria Jurídica da Separação de Poderes, que não é inovadora, consiste em classificar os atos estatais segundo sua natureza, em três espécies: a) os atos legislativos, que criam normas jurídicas ou expressam normas criadas pelos órgãos estatais; b) os atos executivos que aplicam as normas jurídicas, ou seja, as leis; e c) os atos jurisdicionais ou judiciais, que resultam do julgamento de litígios e crimes, também segundo o direito vigente.

A desarmonia que possa esporadicamente surgir entre os Três Poderes tem uma explicação: Hans Kelsen afirmava que existem duas funções estatais: legislação e execução. E que são, na verdade, tipos ideais, pois a maior parte dos atos estatais são simultaneamente atos de legislação (criação) e de execução (aplicação).

Assim, o Congresso, quando promulga um decreto legislativo, exerce sua função legislativa (criadora), mas também exerce sua função executiva (aplicadora), pois aplica a Constituição. O juiz, por sua vez, quando aplica uma lei ao caso concreto que julga, também cria normas (legisla), pois dispõe de certa discricionariedade.

Dessa forma, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário têm suas funções específicas e independentes, não carecendo em absoluto de ingerências pessoais e de interesses que não sejam estritamente de relevância pública.

Portanto, quando esses poderes ensaiam passos trôpegos, colocando em descompasso o ritmo democrático, a sociedade contesta a finalidade de suas reais funções institucionais, posto que a cadência e o equilíbrio devam partir dos poderes constituídos e não das bases, que já cumprem os seus deveres de estrita obediência às leis.

Montesquieu na sua imensa compreensão da liberdade tinha a desconfiança no homem e a certeza de que todo aquele que tivesse o poder o exerceria sem limites e tenderia a abusar dele. Ou seja, Montesquieu asseverava que a fonte da opressão e do ataque à liberdade individual é o poder estatal. E assegurava ainda que o poder inevitavelmente abusará da liberdade, isto é, o poder naturalmente corrompe e o governante tendo meios e necessidade agirá sem considerar as liberdades dos súditos.

Nesse pensar, a desarmonia dos poderes, além de ameaçar a democracia, coloca em defesa a sociedade que teme pela sua ainda frágil liberdade. Os poderes precisam efetivamente de funcionamento adequado, quer seja por dever previsto na Constituição ou por respeito à população que sob uma carga tributária cruel, paga as despesas não de um, mas dos três.

O enfraquecimento do Poder Judiciário não interessa ao povo e não pode de forma alguma remeter à impunidade e negação da Justiça. O enfraquecimento do Poder Legislativo também não interessa ao povo e não pode de forma alguma remeter à ausência de leis que disciplinem a ordem social. O enfraquecimento do Poder Executivo, da mesma forma, não interessa ao povo e não pode de forma alguma remeter à falta de gestão e administração do país.

A tentativa de submeter os efeitos de decisões de um poder a um juízo de outro poder representa, no mínimo, um retrocesso institucional perigoso, o que não convém ao país.

De sorte que, enquanto o Poder Legislativo possui função de criar leis e regulamentar a atividade do ordenamento jurídico, o Poder Judiciário é o responsável por fiscalizar e punir todo aquele que não observar as regras previstas nos textos legais, e o Poder Executivo é o que cuida da organização do Estado e zela pela aplicação e cumprimento das leis.

Daí a importância de os Três Poderes conviverem separadamente e em harmonia, para que a capacidade de cada um seja limitada de acordo com a possibilidade de abrangência do outro e, principalmente, para que a organização do governo não fique concentrada ou monopolizada nas mãos de um único grupo.

Mas, depois de tantos parágrafos de tentativa de conciliação dos Três Poderes, a verdade atual é bem outra. De um lado há os doutrinadores que acreditam ser o ativismo judicial fruto de expansão do Poder Judiciário em face das omissões do Legislativo e do Executivo. De outro há aqueles que vislumbram o ativismo como parte de um decisionismo judicial exacerbado, em que juízes estabelecem determinações conforme sua consciência, ainda que, para tanto, necessitem ir além dos limites constitucionais.

Salienta-se, nesse ponto, apesar de o “circo estar pegando fogo”, que não há consenso doutrinário no Brasil a respeito desse instituto precoce. Logo, enquanto para os adeptos do ativismo a sua disseminação é responsável pela garantia e efetivação dos direitos fundamentais, para os críticos a atuação expansionista do judiciário representa uma afronta à Teoria da Separação de Poderes.

Apesar da divergência e da raivosa discussão, seja por conceito ou relação, o ativismo judicial é uma realidade no Brasil, tendo sido evidenciado em várias ocasiões, por exemplo, na edição de súmula vinculante no caso do nepotismo, da união homoafetiva e aprovação de estudos de células-tronco. E a partir de então, o ativismo cresceu e já envolveu decisões nervosas e contraditórias a respeito de – armas, drogas, terras indígenas, e segue avançando no sentido de questões de muita complexidade, como aborto.

A Teoria Jurídica da Separação de Poderes é tão sensível no Brasil, que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm protagonizado debates simultâneos sobre temas diversos, de maneiras divergentes. Na última semana, as discussões foram a respeito da tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

A Corte começou a discutir o tema em agosto de 2021 e concluiu o julgamento na última quinta (21). Por 9 votos a 2, a Corte barrou o entendimento de que só poderiam ser demarcadas terras que já estavam sendo ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

No Congresso, a pauta é debatida por meio de um projeto de lei. A expectativa era de que a proposta fosse votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última semana, mas o ato foi adiado e deverá ser analisado pelo colegiado ainda nesta semana. Se aprovado pela CCJ, o texto seguirá para o plenário do Senado.

Vale observar que, além do marco temporal, Judiciário e Legislativo discutem de forma simultânea: descriminalização do aborto; descriminalização do porte de drogas; imposto sindical, também conhecido como contribuição sindical; quociente eleitoral, também chamado de “sobras” eleitorais; casamento entre pessoas do mesmo sexo; e CPMI do 8 de janeiro. .

Por essas perspectivas, notadamente as mais atuais, percebe-se o indisfarçável mal-estar reinante, sendo inevitável dizer que os “freios e contrapesos” estão desregulados e a Teoria Jurídica da Separação de Poderes está efetivamente maculada, colocando em risco o Estado democrático de direito.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Excelente artigo e com equilíbrio total na demonstração do que deve e não deve ser por parte dos 3 poderes. Bravo!!! Dr. Wilson Campos. Att: Vânia M.L.Damião.

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  2. Sócrates J. D. Ferreira27 de setembro de 2023 às 17:09

    O senhor Kelsen e o senhor Mostesquieu estavam certos nos seus longínquos tempos e agora continuam certos porque o Estado tem sua responsabilidade mas quando delega funções a coisa se embaralha e vale a fogueira das vaidades. Isso mesmo as vaidades é que colocam tudo a perder e o poder pela vaidade corrompe e joga no chão o interesse público (do povo). Gostei muito do artigo Dr. Wilson Campos (adv.) e é o melhor dos que li nos últimos dias. Bem redigido e com bastante razão nas palavras. Sócrates Ferreira.

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