O ADVOGADO, JURISTA E JUIZ ANTONIN SCALIA.

 

Tomado de elevado espírito conservador decidi escrever algumas linhas sobre o notável advogado, jurista e juiz Antonin Gregory Scalia, nascido em Trenton, Estados Unidos, em 11 de março de 1936 e falecido em Marfa, Texas, Estados Unidos, em 13 de fevereiro de 2016.  

Antonin Scalia graduou-se na Universidade de Georgetown e na Universidade de Friburgo (Suíça); obteve doutorado na Faculdade de Direito da Universidade Harvard; foi bolsista da Universidade Harvard de 1960 a 1961; exerceu a advocacia em Cleveland, Ohio, de 1961 a 1967; professor de direito da Universidade de Virgínia de 1967 a 1971; professor de direito da Universidade de Chicago e professor visitante das Universidades de Georgetown e Stanford de 1977 a 1982; presidente da Conferência de Presidentes Seção de 1982 a 1983.

Scalia ocupou também cargos no governo federal como advogado-geral da Oficina de Política de Telecomunicações de 1971 a 1972; presidente da Conferência Administrativa dos Estados Unidos de 1972 a 1974; subprocurador-geral para a Direção de Assessoria Legal de 1974 a 1977; juiz do Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia de 1982 a 1986.

Em 26 de setembro de 1986, Scalia assumiu o cargo de juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, nomeado pelo presidente Ronald Reagan.  

O juiz ou justice Antonin Scalia foi considerado um ícone do pensamento conservador norte-americano. Segundo o presidente da Suprema Corte Americana, John Roberts, Scalia era “um indivíduo e um jurista extraordinários, admirado e celebrado por seus colegas; e sua morte, aos 79 anos, foi uma grande perda para a Corte e para o país a que ele serviu de maneira tão leal”.

A revista The New Yorker, em 2005, publicou um perfil do justice contando como ele foi um dos grandes responsáveis por um “renascimento das teorias conservadoras” nos EUA. Ele foi um grande defensor do originalismo, teoria segundo a qual o texto constitucional é estático e perene, e deve ser interpretado à literalidade, conforme a “vontade do constituinte” – em contraposição ao pensamento considerado mais liberal, que defende a adaptação dos dizeres constitucionais à realidade social de cada época.

Uma reportagem do jornal The New York Times publicada no dia da sua morte, afirmava que Scalia era considerado por sua “argumentação cáustica”, o que afastava até mesmo potenciais aliados. Ao longo dos anos, segundo o jornal, suas ideias jurídicas passaram de “idiossincráticas” a populares, e começaram a ser propagadas não apenas nos meios ligados ao Direito.

Em 2011, o juiz Richard Posner, de uma Corte de apelações nos EUA, escreveu na revista The New Republic: “Scalia é o justice mais influente do último quarto de século”, principalmente por conta da publicidade que sua forma de defender ideias garantia à Suprema Corte.

Para a CNN, Scalia era considerado um “republicano confiável”, que chamou a atenção do Partido Republicano desde jovem, nos anos 60, pela “forma exuberante com que defendia o conservadorismo”. O New York Times, no entanto, definia Scalia como um “estilista excepcional que trabalhava em cima de suas opiniões e tinha prazer em encontrar a palavra ou frase que as definia com precisão”.

O justice Roberts, presidente da Suprema Corte Americana, dizia que os questionamentos por vezes veementes do justice Scalia ajudaram a transformar a bancada sonolenta que ele encontrou quando chegou em uma bancada ativa, com juízes interrompendo a si mesmos e aos advogados. Ou seja, Scalia contagiava os seus pares com sua veemência e eloquência admiráveis e tinha o respeito da advocacia.

Ainda segundo seus pares da Suprema Corte, ele era um jurista extraordinário, admirado e celebrado por todos, além de um dos membros mais inteligentes e combativos do Tribunal.

Visita ao Brasil

No dia 14 de maio de 2009, em visita ao Brasil, o juiz da Suprema Corte Americana, Antonin Scalia, disse que juízes não podem tomar decisões morais. “Juiz expressa a vontade de juiz, e não do povo. Decisões morais devem ser do povo e do Legislativo”, afirmou à época.

Scalia era um defensor do apego ao textualismo da lei. Ele criticava a interpretação da lei como uma resposta aos anseios da sociedade. “Os juízes não têm ideia de qual é a vontade do povo. Nós trabalhamos em palácios de mármore”, disparava nos seus discursos. Essas declarações de Scalia foram feitas em evento promovido pela Universidade de Brasília, que discutiu naquela ocasião o tema “juízes como árbitros morais”. 

O justice da Suprema Corte Americana preferiu não opinar sobre o Judiciário brasileiro – às voltas com frequentes choques com a inércia do Legislativo. “Não sei como é aqui, mas espero que vocês não tenham se tornado vítimas de juízes que devem dizer o que é moral ou não é moral”.

Antonin Scalia, conhecido pelo conservadorismo, afirmou que o pensamento de um magistrado não pode ser definido entre conservadores ou liberais. Para o juiz americano, o que deve ser levado em conta é a letra fria da lei. “A linha divisória é se você interpreta o texto constitucional ou faz manobra de interpretação”, argumentou.

Além disso, o justice afirmou à época que questões de direitos fundamentais são políticas e, por isso, não cabe ao juiz decidi-las. “A única maneira de decidir uma questão moral é pelo processo democrático. Um juiz não sabe mais do que um cidadão comum”.

Scalia, no entanto, disse que a Constituição de um país não pode ser estática. “O significado da Constituição pode mudar ao longo do tempo para obedecer a evolução da decência”, afirmou. “O que eu questiono é a sanidade de uma decisão cheia de valores ser feita por um juiz não eleito”. Para Scalia, essas decisões devem ser feitas pelo Legislativo que representa as vontades do povo.

Divergência 

Na ocasião, também participou do evento o constitucionalista Luís Roberto Barroso, que criticou a postura de Scalia. “Devo confessar que não concordo com quase nada”, disse. “É uma ficção que se possa imaginar que um juiz seja só a boca da lei. Todo juiz faz juízo de valor. E isso deve ser feito de forma transparente”.

Em resposta, o juiz da Suprema Corte Americana admitiu que não estava acostumado a ser contrariado. “Não estou acostumado a dar palestras em público e ouvir respostas contrárias”, admitiu. “A democracia é horrível, mas ainda não há melhor. Por isso, acho que a decisão deve ser democrática, ou seja, pelo Legislativo eleito pelo povo”. Scalia foi mais longe ao defender o rigor da lei. “Se a lei é burra, o resultado é burro. Mas o juiz não pode dizer o que é sábio”.

Inteligência e conhecimento

Antonin Scalia foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores juízes de direito em todo o planeta. Um verdadeiro gigante do direito. Um jurista inteligente, com conhecimento profundo do direito e da justiça.

No referido evento, em 2009, com certeza foi espetacular presenciar ao vivo a lição que Scalia deu em Barroso, então advogado constitucionalista, e hoje (2024) presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Aliás, data venia, vale observar que, no citado evento, Barroso deveria ter aprendido com Scalia que a Constituição é para ser interpretada e não manobrada; que decisões morais devem ser do povo e do Legislativo e não de juízes; que juízes não sabem mais do que cidadãos comuns; e que não é permitido aos juízes colocarem suas ideologias acima do texto da lei. 

O avesso do avesso

O justice Antonin Scalia foi o avesso americano de Barroso. Pregava a interpretação da lei com base na literalidade do texto, julgando que as palavras têm sentido e não cabe aos magistrados subverter o significado delas para impor suas ideias ou ideologia.

Atropelar o Poder Legislativo? Nem pensar. Foi voto vencido na decisão da Corte sobre o casamento gay, não por ser ideologicamente contra a medida, mas por respeitar a separação dos poderes e atribuir essas questões aos legisladores, os representantes eleitos do povo. Daí ele ter sido o avesso do avesso de Barroso e de muitos outros juízes atualmente no STF.

A expressão “poor reasoning” (fundamentação pobre) com que se referiu certa vez a uma decisão da juíza Ruth Bader Ginsburg, nomeada por Bill Clinton, é uma amostra - perfeitamente aplicável aos votos de muitos juízes da Corte brasileira - de como Scalia cobrava consistência da argumentação dos colegas.

Porém, Scalia também sabia admitir seus erros. Quando a mesma Ginsburg o confrontou por ter votado numa posição contrária à que tomara noutro caso, defendeu-se citando o juiz Robert Jackson: “Não vejo por que eu deva ficar conscientemente errado hoje porque, inconscientemente, estive errado ontem”.

Encerrando este artigo

Os advogados, operadores do direito, aprenderam que o STF é o guardião da Constituição. Mas, atualmente, a decepção dos advogados é muito grande com tudo que vem acontecendo em razão das opiniões políticas e discursos públicos de juízes do Supremo, que falam muito e exageradamente fora dos autos e interpretam a Constituição a seu bel-prazer. E isso não é comum e muito menos normal. O recato, o equilíbrio e a moderação se fazem necessários. O juiz precisa estar cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das permitidas aos cidadãos em geral.

De sorte que Antonin Scalia, um dos mais brilhantes juristas que passaram pela Suprema Corte dos EUA, talvez tenha sido o único justice que foi aprovado de forma unânime pelo Senado americano com uma votação de 98 x 0. Ele manteve a filosofia judicial do originalismo, ou seja, ele entendia que o trabalho do juiz não era adaptar o texto da Constituição às tendências modernas ou às mudanças culturais. Esse é o trabalho do Congresso e dos legislativos estaduais, dizia ele, convictamente.

A lição de Scalia foi dada e espera-se, verdadeiramente, que nossos juízes do STF revejam suas posições ideológicas, guardem suas opiniões políticas, abandonem o ativismo, respeitem o devido processo legal e assumam de vez suas funções institucionais como guardiões da Constituição e como servidores públicos a serviço do Brasil e do povo brasileiro. E vida longa à Ordem Jurídica, aos Princípios Constitucionais e ao Estado democrático de direito.

A rigor, encerrando, entendo que a sociedade brasileira sabe da importância e da influência do STF na vida do país, mas precisamos urgentemente de alguns Antonin Scalia na nossa Suprema Corte.    

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Marcos A. S. Ferreira9 de agosto de 2024 às 16:42

    Eu li sobre esse juiz da Suprema Corte americana e agora com esse artigo do dr.Wilson eu vejo como esse juiz Antonin Scalia era respeitado por todos - cumpridor da lei e da ordem jurídica, conservador e aplicado no seu cargo, excelente exemplo para os americanos. Aqui temos vergonha de ver o nosso Supremo legislar no lugar do Congresso, interpretar de forma errada a CF, fazer de um juiz um julgador impiedoso que dá 17 anos de cadeia para uma senhora idosa que só manifestava com bandeira e camisa do Brasil, sem armas e sem violência. Isso é vergonha para nós. Se fosse o dr. Scalia esse pessoal estava sendo julgado pelas instância inferiores e jamais na Suprema Corte. Essa é a diferença de JUIZ para juiz. Parabéns dr. Wilson Campos pelo maravilhoso artigo na defesa do que é certo e correto para o Brasil. Marcos A.S. Ferreira (advogado associado).

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  2. Margareth M. L. Santiago de Primo9 de agosto de 2024 às 17:01

    Peço licença só para destacar essa parte: [... Scalia, no entanto, disse que a Constituição de um país não pode ser estática. “O significado da Constituição pode mudar ao longo do tempo para obedecer a evolução da decência”, afirmou. “O que eu questiono é a sanidade de uma decisão cheia de valores ser feita por um juiz não eleito”. Para Scalia, essas decisões devem ser feitas pelo Legislativo que representa as vontades do povo. [...] . Excelente essa posição do juiz americano - cada um no seu quadrado. Valeu dr. Wilson Campos, parabéns. Att: Margareth M.L.

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  3. Júnio A. S. de Souza9 de agosto de 2024 às 17:05

    Esse é o tipo do juiz que eu gostaria de ter conhecido. Dizia que não é sábio nem melhor do que ninguém e dizia que agir errado é uma coisa mas permanecer no erro é burrice. Esse é porreta. Esse é mesmo um juiz nota 10 !!! Os artigos do senhor estão cada dia melhor doutor Wilson, também nota 10 !!! Júnio A.S. de Souza

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