A TERCEIRIZAÇÃO APÓS A REFORMA TRABALHISTA.



O caput do artigo 4º-A, da Lei nº 6.019/1974, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017, passou a vigorar da seguinte forma: “Art. 4º-A - Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)”.

É comum nos dias de hoje as empresas terceirizarem algumas de suas atividades, contratando, para tanto, empresas prestadoras de serviços.

Até a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, era lícito terceirizar apenas as atividades-meio, e nunca as atividades-fim das contratantes, conforme estabelecia o inciso III da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Vejamos os termos da Súmula, na íntegra:

“SÚMULA 331 – TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – LEGALIDADE. (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). 

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). 

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. 

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.

Assim, antes da Reforma Trabalhista e para que as empresas não terceirizassem a atividade principal ou preponderante (atividade-fim), era importante que as mesmas observassem o parágrafo 2º do artigo 581 da CLT, que assim dispõe: “§ 2º - Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente, em regime de conexão funcional”.

Entende-se por atividade-fim da empresa aquela identificada no objeto social do contrato social, ou seja, aquela ligada diretamente ao produto final. As demais atividades intermediárias, que nada têm em comum com a atividade-fim, são consideradas como atividades-meio.

Entretanto, a lei da Reforma Trabalhista (que vigora desde 11.11.2017) trouxe nova redação ao art. 4º-A da Lei nº 6.019/1974, estabelecendo que considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal (atividade-fim), à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.

Com a nova lei, a Súmula 331 do TST deverá ser alterada, tendo em vista que um entendimento jurisprudencial não pode superar o que a lei estabelece. Vale ressaltar que a terceirização da atividade-fim foi considerada válida a partir de novembro/2017, ou seja, os fatos ocorridos antes da reforma ainda poderão ser julgados conforme o entendimento lecionado na Súmula 331 do TST.

Mesmo diante dessa importante inovação quanto à terceirização, é necessário que as empresas tomadoras de serviços adotem critérios na contratação da empresa prestadora de serviços, acompanhando inclusive a evolução do vínculo laboral daqueles empregados envolvidos na prestação dos serviços, principalmente no que se refere aos direitos trabalhistas.

A prática nos mostra que, mensalmente, as empresas tomadoras repassam às empresas prestadoras de serviços os valores relativos aos salários, benefícios, encargos sociais, 1/12 avos de férias acrescidos do terço constitucional, 13º salário, entre outros. Contudo, em muitos casos esses valores acabam não sendo repassados aos empregados e tampouco tendo a destinação devida.

Assim, as empresas contratantes dos serviços terceirizados podem ser subsidiariamente responsáveis pelos direitos previdenciários e trabalhistas não pagos pela prestadora em eventual demanda trabalhista, independentemente de os empregados estarem registrados pela empresa prestadora.

Existem na Justiça do Trabalho inúmeras ações trabalhistas envolvendo praticamente todos os setores da nossa economia (autarquias e empresas públicas, bancos, indústrias, empresas em geral, condomínios, etc.), os quais acabam sendo condenadas a novamente pagarem verbas que já haviam sido repassadas às empresas terceirizadas durante todo o contrato.

Não obstante, diariamente são divulgadas notícias no sentido de que empresas prestadoras de serviço e seus respectivos sócios simplesmente “desaparecem” da noite para o dia, deixando a mercê da sorte todos os seus empregados, que, sem alternativas, acabam por acionar judicialmente as empresas tomadoras dos serviços para verem garantidos seus direitos trabalhistas.

Em razão disso, torna-se por demais importante vincular os pagamentos mensais à apresentação dos holerites ou contracheques, cartões de ponto e recibos de benefícios (vale-transporte e vale-refeição), dos empregados terceirizados, além da apresentação da GFIP/SEFIP ou eSocial, com a devida quitação dos valores fundiários, bem como a guia GPS relativa ao recolhimento previdenciário.

Dessa forma, é de fundamental importância que a empresa tomadora adote critérios rígidos para a escolha das empresas terceirizadas, exigindo a apresentação de “dossiê” contendo diversos documentos e certidões negativas, buscando referências da mesma perante outros tomadores de serviços, aferindo sua capacidade financeira, entre outras medidas.

A recomendação é para que se contrate empresa idônea para a terceirização dos serviços, evitando-se futuros e sérios aborrecimentos.

Mudando o lado da interpretação, desta vez sob a ótica da sociedade organizada, no geral, o sentimento é de que a terceirização resta judicializada por entidades de trabalhadores e tais ações sustentam a inconstitucionalidade da norma, que permite a terceirização ampla e irrestrita, o que ofende fundamentos da República Federativa do Brasil previstos na Constituição Federal, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, a consagração dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a busca pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de isonomia, proteção ao trabalhador, livre associação sindical, proteção da função social da propriedade, dentre outros.

Vale observar que não se defende a ausência de regulamentação. Todavia, argumenta-se que, na forma como se apresenta, o novo conceito de terceirização, longe de proteger os empregados que se submetem a tais condições, representa sim um retrocesso nas relações de trabalho, tornando lícito o que antes era considerado ilícito. Ademais, enfatiza-se que, além de tudo, a terceirização irrestrita poderá provocar um efeito reverso na economia do país, diminuindo drasticamente a capacidade de arrecadação do Estado.

Com efeito, conforme se sustenta nas ações judicializadas, a prática da terceirização da atividade principal da empresa, conforme já colocado, pode viabilizar a figura da empresa sem empregados, que o faz para se eximir de muitas responsabilidades, trabalhistas, previdenciárias e tributárias, esvaziando a dimensão social da empresa.

De sorte que é preciso buscar soluções para superar o regime próprio da terceirização, de empregos rarefeitos. Ou seja, o enquadramento do trabalhador terceirizado na atividade preponderante da empresa, caso persista tal entendimento, deve trazer consigo a garantia dos mesmos direitos e benefícios do empregado efetivo, inclusive no que tange ao salário e à responsabilidade solidária do tomador de serviços. Com isso, a terceirização, excepcionalmente, seria utilizada por necessidade do empresário e não por questões de diminuição de custos, em detrimento das condições de trabalho oferecidas.

Sem demagogia, cumpre esclarecer que algumas entidades sindicais não concordam com a parte da terceirização que piora o salário, as condições de trabalho e desorganiza a vida laboral do trabalhador, mormente se fizer a comparação do terceirizado com o efetivo da empresa contratante. Ou seja, não há paridade nem direitos iguais. Enquanto o trabalhador de uma é bem remunerado e tem diversas garantias sociais e trabalhistas, o outro fica à mercê de uma terceirização que muitas das vezes não cumpre nem sequer o mínimo legal. E aí residem as perdas do trabalhador, notadamente com relação à terceirização da forma como ficou após a reforma trabalhista. 

Fontes: Súmulas do TST/CLT reformada/Guia Trabalhista/Migalhas jurídicas/Pautas de audiências e julgados do TRT/MG.

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental).


 

Comentários

  1. Obrigado doutor. O seu artigo me ajudou muito num trabalho da faculdade. A sua explicação da atividade-fim foi excelente e agora eu aprendi aqui o que não consegui aprender na facul. Excelente explanação geral, com sabedoria e didática. Sem reparos. Parabéns. Grande abraço mestre Dr. Wilson Campos. Obrigado mesmo. Valeu! Renato Souza- - estudante univers. direito - 8º período.

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