DOAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA PARA FILHO NÃO É FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL.

 

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que a alienação do imóvel que sirva de residência para o devedor e sua família não afasta a impenhorabilidade do bem de família, motivo pelo qual não está caracterizada a fraude à execução fiscal.

A Fazenda Nacional, no agravo interno manejado contra decisão que deu provimento ao recurso especial do executado, alegava que o reconhecimento da fraude à execução fiscal afastaria a proteção do bem de família.

De acordo com os autos, após ter sido citado na execução fiscal, o devedor transferiu o imóvel para o seu filho.

O juízo de primeiro grau não admitiu a penhora do bem, mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reformou a decisão por entender que a proteção da impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990 não se justificaria quando o doador procura blindar seu patrimônio dentro da própria família, mediante a doação de seus bens para um descendente.

O juiz se esqueceu de que, mesmo com alienação, o imóvel continua protegido pela impenhorabilidade.

O relator no STJ, ministro Gurgel de Faria – cuja decisão monocrática foi confirmada pela turma julgadora –, destacou que as duas turmas de direito público do tribunal entendem que a impenhorabilidade é mantida ainda que o devedor transfira o imóvel que lhe serve de moradia, porque esse imóvel seria imune, de toda forma, aos efeitos da execução.

“No caso dos autos, o tribunal a quo, em desconformidade com a orientação desta corte superior, afastou a proteção ao bem de família em razão de sua alienação após a citação do ora recorrente na ação executiva fiscal, motivo por que o recurso deve ser provido para restabelecer a sentença”, concluiu o ministro.

Para melhor esclarecer o assunto, vejamos parte do acórdão no AREsp 2.174.427:

[...]

VOTO

A irresignação recursal não merece prosperar. Consoante registrado no julgado agravado, o recurso especial se origina de embargos de terceiro em que a parte autora objetivava o cancelamento da constrição judicial incidente sobre imóvel.

O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido (e-STJ fls. 159/165), afastando a constrição do imóvel, sob o fundamento de que, “ainda que citado o executado antes de transferir o bem a seu filho, restou comprovada a impenhorabilidade legal do bem”.

Em sede de apelação, o Tribunal regional deu provimento ao

recurso do ente público para julgar improcedente a ação, nos seguintes termos (e-STJ fls. 252/253):

Cuida-se, como visto, de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL (e-fls 134-143), objetivando a reforma da sentença que julgou procedentes os Embargos de Terceiro (e-fls. 122-128), para afastar a constrição sobre imóvel realizada nos autos da execução fiscal n° 0525184-92.2001.4.02.5101, acolhendo a tese de impenhorabilidade do bem de família. Não houve condenação em honorários advocatícios.

Os embargos de terceiro foram opostos objetivando afastar constrição sobre imóvel situado na Rua Miguel Angelo, bloco 07, apartamento 201, Cachambi/RJ, em sede de execução fiscal (processo n°0525184-92.2001.4.02.5101), em face de “SEA FORNECEDORA MARÍTIMA LTDA” e OUTROS (JOSE ALEXANDRE MARTINS, FRANCISCO DA SILVA CARVALHO e SANDRA MARIA BAPTISTA CARVALHO).

A sentença afastou a constrição do imóvel ao argumento de que “ainda que citado o executado antes de transferir o bem a seu filho”, restou comprovada a impenhorabilidade legal do bem.

Pois bem.

Passo ao exame do apelo.

Como cediço, o reconhecimento da fraude à execução foi objeto de diferentes interpretações ao longo do tempo, de acordo com a legislação de regência.

Num primeiro momento, considerava-se absoluta a presunção de fraude à execução nos casos em que a alienação do bem ocorria posteriormente à citação do alienante, nos autos da ação fiscal contra ele movida.

Posteriormente, a jurisprudência caminhou no sentido de que, para se admitir a hipótese de fraude à execução, era necessário que, antes da alienação, houvesse o registro da penhora no competente cartório, de modo a garantir a publicidade da constrição a terceiros de boa-fé.

Com o tempo, a jurisprudência passou a diferenciar a denominada “fraude civil” da “fraude fiscal”, negando-se às execuções fiscais, inclusive, a aplicação da Súmula n. 375/STJ, que previa: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”.

Finalmente, com o advento da LC n. 118/2005, que conferiu nova redação ao art. 185 do CTN, convencionou-se que a simples alienação de bens pelo contribuinte devedor de tributos regularmente inscritos em dívida ativa, sem a reserva de meios para a satisfação dos respectivos débitos tributários, pressupõe a existência de fraude à execução, em face da primazia do interesse público na arrecadação dos recursos para o uso da coletividade (STJ, REsp 1.352.486/SP, Segunda Turma, Relator Ministro OG FERNANDES, julgado em 03.02.2015, DJe 12.02.2015; STJ, Segunda Turma, Relatora Ministra ELIANA CALMON, julgado em 17.12.2013, DJe 07.02.2014).

É dizer que o art. 185 do CTN, seja em sua redação original, seja na redação dada pela LC n° 118/05, presume a ocorrência de fraude à execução quando, no primeiro caso, a alienação se dá após a citação do devedor na execução fiscal e, no segundo caso, a presunção ocorre quando a alienação é posterior à inscrição do débito tributário em dívida ativa.

No caso sub judice, o imóvel foi doado em 24.02.2003 (e-fls. 23) posteriormente à citação do executado/JOSE ALEXANDRE MARTINS (pai do embargante), em 14.08.2001, na qualidade de representante legal da empresa (e-fls. 18-20 da EF), e já na condição de responsável tributário em 26.07.2002 (e-fls. 42-43 da EF), o que configura fraude à execução.

Nesse contexto, a despeito da importância da proteção contida na Lei n° 8.009/90, deve ser afastada a impenhorabilidade do imóvel, pois não se justifica tal proteção quando o doador procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a doação gratuita de seus bens para seu descendente, com objetivo de fraudar a execução.

Pois bem.

De início, cumpre destacar que, ao contrário do que afirma a agravante, não houve aplicação do óbice da Súmula 83 do STJ no caso concreto, mas sim provimento do recurso do particular com amparo na jurisprudência de ambos os colegiados componentes da Primeira Seção, a qual integrada por esta colenda Primeira Turma. Assim, nesse particular aspecto, o argumento recursal não guarda pertinência com o que foi decidido na decisão agravada.

Além disso, eventual existência de precedentes das Turmas que compõem a Segunda Seção em sentido contrário não tem o condão de desconstituir a decisão agravada, cabendo à agravante utilizar-se dos meios processuais disponíveis par buscar a uniformização da jurisprudência do STJ em relação ao tema.

No mais, conforme assentado na decisão ora impugnada, as Turmas integrantes da Primeira Seção firmaram a tese segundo a qual, mesmo que o devedor aliene imóvel que sirva de residência sua e de sua família, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade, porque o imóvel em questão seria imune aos efeitos da execução, não havendo falar em fraude à execução na espécie.

ASSIM, ao meu sentir, o STJ decidiu acertadamente, uma vez que a impenhorabilidade do bem é mantida mesmo que o devedor transfira o imóvel que lhe serve de moradia, porque ele seria imune, de toda forma, aos efeitos da execução.  

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021). 

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