ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO CIVIL CHEGA AO FINAL COM DEBATES ACALORADOS.

 

O anteprojeto do Novo Código Civil Brasileiro segue sendo costurado mediante discussões inflamadas, especialmente quando os temas são sobre pautas morais.

No último dia 4, a Comissão de Juristas discutiu trechos do texto que tratavam sobre direito à vida ou aborto, direito a amantes, poligamia e até a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade no Código Civil, que é a possibilidade de uma criança ter mais de um vínculo materno ou paterno em sua certidão de nascimento.

Apesar dos imbróglios e da grandeza dos quesitos debatidos, tudo indica que a Comissão deverá encaminhar o texto final do anteprojeto nos próximos dias para a presidência do Senado Federal.

Todavia, vale considerar que muita coisa ainda está por ser bem definida, uma vez que as lacunas e as brechas podem surtir efeitos negativos futuros para as pautas da moralidade, e a maioria da população brasileira não admite certas distorções.

Um dos artigos do relatório final que poderia dar brechas ao aborto é o que considerava o embrião como “potencialidade de vida”, mas foi alterado. O parágrafo primeiro do artigo 1511-A, em sua primeira versão, apontava que “a potencialidade de vida humana pré-uterina ou uterina é expressão de dignidade humana e de paternidade e de maternidade responsáveis”.

De forma que, da maneira como estava esse artigo, era demasiado problemático, segundo a Comissão, porque chamava a vida uterina de potencialidade e dentro do útero não há potência de vida, há ato, há vida. Daí que foi sugerida a completa supressão desse parágrafo primeiro, mas mesmo com a mudança, o artigo não dá total proteção ao nascituro.

Somente após ampla discussão, os membros da Comissão aprovaram a nova versão apresentada, que diz que “a potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida pré-uterina e uterina são expressão da dignidade humana e de paternidade responsável”.

O entendimento foi de que assim restaram protegidos os gametas, que não podem ser vendidos, e os embriões congelados, que não podem ser descartados. Protegeu-se a vida uterina do nascituro e colocou-se sob a responsabilidade paternal e maternal o que for feito no caso específico.

O porém da coisa é o fato de que não ficou firme ou efetiva a proteção do nascituro, posto que ainda continua vago simplesmente dizer que “são expressão da dignidade humana e de paternidade responsável”. Isso vai depender da interpretação dos possíveis pais, que não terão um artigo forte e enérgico do Código Civil para barrar quaisquer tentativas de se pensar que o embrião seria apenas uma “potencialidade de vida”. Ou seja, o artigo, mesmo com a mudança, continua fraco e não protege efetivamente o nascituro.  

Como visto, o aborto continua sendo um ponto a ser tratado com atenção e cuidado, para que não avance. Neste sentido, outro detalhe é quanto à expressão “para fins deste código” no artigo 2º que trata da personalidade jurídica.

A proposta inicial da Comissão seria alterar o texto do dispositivo para: a “personalidade civil do ser humano começa do nascimento com vida e termina com a morte encefálica; a lei põe a salvo, desde a concepção, para os fins deste Código, os direitos do nascituro”.

Em suma, depois de discussão, na sessão da sexta-feira (5), decidiu-se manter o artigo 2º como está no Código Civil vigente: a “personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Outro artigo que mereceu amplo debate e sofreu alterações foi o 1.564-D, que possibilitaria o reconhecimento de direitos a amantes. Mudanças se fizeram necessárias. O entendimento da Comissão foi na seguinte linha: “A alteração realizada na redação antes proposta sobre o artigo 1.564-D, deixando expresso que relação paralela a um casamento ou a uma união estável não constitui família, assim como que se houver enriquecimento sem causa haverá restituição do que tiver sido indevidamente auferido pelo cônjuge ou convivente coloca a relação de adultério no lugar onde deve ficar: não é relação familiar”.

Durante a discussão, a Comissão destacou o perigo da primeira versão ao considerar o concubinato como uma união semelhante à união estável e ao casamento. O destaque foi de que haveria um problema fundamental ao reconhecer o concubinato como alguma coisa, embora não fosse uma união estável e nem um casamento.

O Código Civil diz que é concubinato, que é uma relação ilícita. A Comissão ficou dividida, pois estaria defendendo que a amante seria um tertium genus ao lado do casamento e da união estável, ou seja, um terceiro elemento.

Com isso, a possibilidade de dar direito a amantes elevou os ânimos durante a discussão. Alguns juristas, no entanto, entendem que esse assunto não é do direito de família, mas pelo sim ou pelo não, o Supremo Tribunal Federal já julgou sobre o direito a amantes. Em 2021, a Corte definiu duas teses de repercussão geral (529 e 526) que não reconhecem direitos às uniões paralelas durante o período de casamento ou união estável.

Poligamia e multiparentalidade também foram discutidas, mas não houve avanço. Apesar de terem sido rejeitados, alguns juristas defenderam a entrada desses dois pontos polêmicos no texto do anteprojeto.

O destaque dessa questão remonta conexão com os deveres do casamento e parte da Comissão interpreta que a fidelidade e a coabitação não devem ser deveres decorrentes do casamento. Vejamos algumas propostas: “Se cair o dever de fidelidade, nós temos que derrubar a presunção pater is est”. A presunção pater is est atribui ao marido a paternidade dos filhos do casal. A proposta vai contra a tese 529 do STF, que consagrou “o dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”. A proposta não foi aprovada.

Houve sugestão ainda de reconhecimento da multiparentalidade na proposta do novo Código Civil, ou seja, o reconhecimento de constar mais de um vínculo materno ou paterno na certidão de nascimento. A proposta apresentada: “Ninguém pode tirar essa liberdade de fazer. Eu quero que o meu filho seja de um amigo e quero mais: quero [no registro] que ele seja o pai e nós duas as mães. Isso a Justiça vem reconhecendo há muito tempo. A primeira decisão de tribunal reconhecendo a possibilidade desse registro é de 2015”.

Apesar de alguns tribunais já terem reconhecido a possibilidade de dupla paternidade ou maternidade, ainda não há legislação que a permita diretamente. A proposta foi rejeitada pela Comissão.

ENFIM, depois de oito meses de trabalho, a Comissão de Juristas responsável pela revisão do Código Civil concluiu na sexta-feira, 5, a votação de propostas de atualização do texto. Segundo informado, desde segunda-feira, 1º, o grupo formado por 38 juristas promoveu um esforço concentrado sobre a proposta de alteração de mais de mil artigos no atual código, que é de 2002. O anteprojeto de Código Civil, que será entregue nos próximos dias ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, traz inovações como a inclusão de uma parte específica sobre Direito Digital e a ampliação do conceito de família. A proposta ainda passará por discussão dos senadores.

É sabido que o Código Civil regula a vida do cidadão desde antes do nascimento e tem efeitos até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança. É uma espécie de “Constituição do cidadão comum”.

A Comissão rebateu algumas informações falsas sobre o trabalho do colegiado que circulam nas redes sociais. Em entrevista aos veículos de comunicação do Senado, o presidente da Comissão, ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, repudiou os ataques.

A Comissão destaca que: “O Código Civil não trata de aborto, nem tampouco da relação entre humano e animal. São notícias estapafúrdias. Imaginamos que isso seja fruto desse fenômeno moderno das notícias falsas que inclusive está sendo tratado pelo texto. Estamos tratando de coibir essas noticias falsas por intermédio de plataformas digitais”.

A Comissão afirma que a verdade vai prevalecer e assegura: “Até aqui nós não temos nenhum tratamento sobre aborto no projeto, nós não temos nenhum tratamento com família multiespécie no projeto, nós não temos nenhum tratamento sobre incesto no projeto, nós não temos nenhum tratamento a respeito de famílias paralelas. Não há nada no código a respeito desses assuntos, e isso vai ser percebido pela própria votação”.

A meu sentir, a expectativa é toda para que se instale a segurança jurídica desejada, de maneira que os tribunais não batam cabeça, não emitam decisões contrárias ao Código e não cometam atos falhos em razão de jurisprudências ultrapassadas. Aliás, a expectativa mais coerente é no sentido de que surjam novas jurisprudências atualizadas em face do Novo Código Civil, tão logo aprovado pelo Congresso e colocado em vigência.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Silvia Aline J. S. Lima10 de abril de 2024 às 13:31

    Peraí direito para amante? Tá de brincadeira? Isso é meter a colher no direito da família. Não pode ser nunca isso e ainda bem que não foi aprovada essa loucura. Dr. Wilson eu li e achei muito bom seu artigo e parabéns. Obrigada. Silvia Aline J.S.Lima

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  2. Só tenho preocupação com essas novidades que querem meter no seio da família brasileira. O resto sobre contratos, empresas, direito digital, TI, IA, usucapião, heranças, etc, etc, o atual Código já define bem e é só acompanhar com algumas modernizações. Mas família é coisa séria e nós não vamos permitir avacalhação nessa área não. Essas famílias estranhas não podem criar filhos e nem dar exemplo. É pai, mãe, filhos. Sem essa de duas mães, dois pais e ou até mais na certidão de nascimento... que isso? Moralidade já!!! Dr. Wilson Campos advogado obrigadão pelo texto e pelas informações todas do seu excelente blog. Manoel J.Luciano.

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