EMPREGO TEM, MAS NINGUÉM QUER.

 

Apesar das ofertas de empregos serem bastante significativas, empresas de vários ramos e segmentos reclamam que ninguém quer.

Esse dilema vai desde as profissões de nível superior até as de menor nível de escolaridade. Analistas de TI, engenheiros de várias áreas, advogados, médicos, administradores, economistas e profissionais do comércio internacional, dentre muitos outros, por exemplo, muitas vezes deixam de aceitar uma recolocação no mercado por não aceitarem salário menor que o anterior recebido.

Muitos profissionais não têm humildade e se negam a aceitar um salário inicial que não seja o ideal para seu perfil, se esquecendo do fato de que uma recolocação no mercado é chance de crescimento profissional e desenvolvimento em outra companhia.

Pior do que não se encontrar um salário maior e melhor do que o do emprego anterior é não encontrar nenhum. Daí a necessidade da disciplina para o profissional construir uma carreira sólida e sem intervalos longos por meros caprichos salariais.

Os jovens precisam entender que o mercado está mudando o tempo todo, principalmente depois das crises, surgindo com isso mais espaço para profissionais entre 40, 50 e 60 anos. Aliás, têm muitos profissionais de 70 anos trabalhando e produzindo, o que coloca em xeque a preferência pela mão de obra mais jovem. A experiência e a maturidade também contam muito no mercado de trabalho atual.  

Ainda perduram os casos de gerentes e de altos executivos que passaram a ser mais exigentes em relação à oferta de empregos. Especialistas em recursos humanos dizem que esse comportamento vem se acentuando. Há casos de profissionais que ficam seis meses ou até um ano fora do mercado e não aceitam sequer fazer uma entrevista para cargos cujo salário é pouco menor do que recebiam no emprego anterior.

Mas a surpresa não fica apenas no patamar de cima, pois os empregos de menores salários também têm suas peculiaridades. Proliferam placas de “há vagas” e “procuram-se trabalhadores”. A procura é por atendentes de balcão, garçons, vendedores, pedreiros, conferentes, caixas e ajudantes. Ou seja, não é apenas a mão de obra de nível superior e com experiência que está em falta. Um novo fenômeno está aí nas grandes e nas pequenas cidades, na zona rural e na zona urbana - setores que precisam de pessoal sem formação específica também estão com dificuldade para preencher seus quadros.

Há notícias diárias de supermercados, construção civil, frigoríficos, lanchonetes, bares, restaurantes, escritórios, comércio em geral e setores de prestação de serviços que acumulam vagas abertas. As reclamações de empresários já virou uma rotina, e o desânimo cresce na iniciativa privada, uma vez que a mão de obra está cada vez mais difícil. 

Segundo algumas agências de empregos da capital, essa é a realidade atual. No cadastro dessas agências constam ofertas de cerca de 5 mil vagas de empregos, muitas compondo listas de cargos que estão sempre disponíveis, mas que raramente são procurados. Entre os campeões de rejeição, segundo essas agências, estão mecânico de veículos, cozinheiro, padeiro, açougueiro, empregada doméstica, trabalhadores de construção civil (pedreiros, serventes e carpinteiros) e de supermercados (caixas e empacotadores).

Recentemente, tive reclamação direta de um cliente do escritório, que alegou estar pensando em fechar a empresa por falta de mão de obra. Segundo ele, ninguém quer trabalhar. “Achar mão de obra virou um problemão”, diz esse empresário.

A situação está crítica em Belo Horizonte. As vagas de empregos não são preenchidas. O setor de grandes supermercados, que emprega milhares de trabalhadores, tem sempre vagas disponíveis e cada vez mais abrindo novas vagas, mas a mão de obra não aparece. E a rejeição ao emprego nos supermercados quase sempre é em relação ao horário, já que os supermercados abrem nos fins de semana e feriados. Ou seja, o trabalhador está se dando ao luxo de dispensar um bom emprego porque terá de trabalhar em dias que ele considera especiais. A escolha é do trabalhador, que não poderá reclamar do desemprego depois.

Com a falta geral de mão de obra, muitas empresas vêm reduzindo o nível de exigência. Redes empresariais que antes queriam candidatos com ensino médio completo, por exemplo, já aceitam pessoas com metade do ensino fundamental. Também não há mais preferência por faixa etária, que, anteriormente, era para quem tinha de 18 a 25 anos. Agora mudou, e têm pessoas de 40, 50 anos ocupando lugares dispensados e esnobados pelos mais jovens.  

Há notícias também de redes de lojas do comércio que estão adiando a inauguração de novas lojas por falta de pessoal. Outras estão fechando as portas, e um dos motivos é a dificuldade em arranjar empregado. No interior, as indústrias de móveis e confecções disputam a mão de obra também com a construção civil. Somente em pisciculturas, frigoríficos de peixes, abatedouros de frango e setores de serviços têm cerca de mil vagas abertas que não são preenchidas, segundo reclamação de empresários destes setores.  

Para especialistas, uma combinação de fatores levou à atual situação de descompasso entre oferta e procura. Afinal, ainda há muita gente desempregada. A taxa de desocupação ficou em 7,8% no trimestre até fevereiro, conforme revela o IBGE, e a taxa de subutilização ficou em 17,8%. A explicação para estes fatores estranhos é que uma boa parte dessa população simplesmente rejeita as vagas em razão de já ter uma forma de rendimento por meio de programas de apoio social, como o seguro-desemprego e o Bolsa Família. Os auxílios sociais do governo estão competindo com as empresas.

Resta claro e evidente que há vícios nessa ajuda do governo por meio de vários tipos de auxílios. O cenário que vemos hoje é que o governo acaba competindo com as empresas. O pacote social concorre com o que é oferecido pelas vagas de empregos. Muitas vezes também há uma resistência em passar da informalidade para o mercado formal com carteira assinada. É comum ver pessoas que vivem de “bicos” somarem o rendimento desses trabalhos esporádicos com a remuneração de programas de apoio social do governo. E daí as vagas de empregos sobram. A explicação é essa.

Contudo, há que se fazer uma ressalva, posto que por trás dessa situação também há uma mudança estrutural importante provocada pelo aumento da escolaridade do brasileiro. Estima-se que quase 50% dos que procuram as agências de empregos tenham o ensino médio completo. Esse público não se sujeita mais a trabalhar em determinadas atividades e preferem cargos administrativos cujos horários permitam conciliar o trabalho com a faculdade ou outro curso.

Mas o Brasil não está sozinho nisso. Esse fenômeno repete o que países desenvolvidos já viveram no passado e tende a se aprofundar nos próximos anos. Na Europa e nos Estados Unidos, a solução encontrada para ocupar cargos que exigem menor escolaridade foi abrir as portas para a imigração de mão de obra.

De sorte que o Brasil precisará interromper esse círculo vicioso para não correr o risco de ficar sem mão de obra em atividades consideradas de menor especialização. As empresas terão de se adaptar aos novos tempos, com melhoria nas condições de trabalho e nos benefícios agregados à remuneração como participação nos lucros, planos médicos, odontológicos e outros auxílios. Tudo isso, além das exigências das leis trabalhistas vigentes.

Acredita-se que ninguém estava preparado para esse novo momento. Mas as empresas terão que trabalhar com um cenário de médio e longo prazo, inclusive no que se refere ao aumento da faixa etária média da população. Em dez ou vinte anos, provavelmente, deverá ocorrer uma certa estabilização da população. Os governos mudam. As coisas mudam. E essa situação deve provocar, em uma primeira fase, uma migração mais forte de quem atua na informalidade para o mercado de trabalho formal. Resta aguardar.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Marcondes R. Ramalhete F. de B.2 de abril de 2024 às 17:51

    É isso mesmo que está acontecendo pois a mão de obra não existe porque as pessoas estão recebendo auxílios do governo de todo tipo - seguro desemprego, bolsa família, bolsa gás, bolsa escola, salário reclusão, etc, etc...
    Dr. Wilson o artigo é corretíssimo e é isso que está acontecendo hoje no Brasil. At: Marcondes R.R.

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  2. Estão mal acostumados com as mamatas do governo com seus puxadinhos sociais que só aumenta a preguiça e a malandragem. É auxílio de todo jeito - vale gás; bolsa família, benefício da prest. continuada; auxílio estudos, auxílio reclusão para presos; auxílios defeso para pescadores; seguro desemprego; etc. Quem aguenta pagar isso tudo e ver o povo na rua à toa e sem fazer nada porque o governo garante a boquinha das migalhas que somadas dá uma renda para ficar na moleza e na preguiça. Dr. Wilson estou cansada de ser empregadora e só passar raiva e decepção. Enquanto não acabar com esses benefício sociais para quem não precisa e pode trabalhar a coisa vai ser assim com falta de mão de obra e empresas fechando as portas por causa disso. Obrigada doutor Wilson Campos por seus artigos sempre na defesa do que é certo e justo. Valda Guimarães.

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