QUEBRA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA.

 

Em 1º de fevereiro de 2023, portanto, há mais de um ano, a primeira sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) foi dedicada à retomada do julgamento de dois recursos extraordinários em que se discutiu o perfil da coisa julgada em matéria tributária. São eles o RE 9.492.97/CE e o RE 9.552.27/BA, que, respectivamente, estão relacionados aos Temas 881 e 885 da repercussão geral.

Os recursos acima citados versam sobre a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Porém, vale ressalvar que a ratio das decisões do STF deve ser a base de decisões futuras a respeito de todos os casos em que já há coisa julgada e em que se discutiu sobre relações tributárias que se repetem no tempo, o que abrange outros tributos como, por exemplo, o IRPJ, o IPI e o ICMS. Mas, vejamos o que ocorreu no caso em debate.

O Supremo formou maioria para validar quebra de decisões judiciais definitivas sobre tributos. Com 9 (nove) votos, o plenário concluiu que as decisões judiciais definitivas a favor dos contribuintes devem ser anuladas se, em momento posterior, o STF fixar entendimento diferente sobre o tema.

Isso quer dizer o seguinte: a coisa julgada (decisão definitiva), só tem validade e efetividade até o STF entender que sim, pois, caso contrário, derruba-se a coisa julgada e prevalece o entendimento dos ministros da Corte. Entendeu? Eu também não! Mas é assim que o Supremo trabalha.  

De sorte que em fevereiro de 2023, o STF entendeu que uma decisão definitiva - transitada em julgado - acerca de tributos recolhidos de forma continuada perde seus efeitos se o STF se pronunciar, posteriormente, em sentido oposto.

Assim, no caso, ficou estabelecido que as empresas envolvidas deverão recolher, retroativamente, o CSLL, desde 2007, quando reconhecida a validade da lei que instituiu o tributo.

Os ministros negaram a modulação de efeitos da decisão para que as empresas só recolhessem a partir de 2023, data do novo entendimento. A não modulação foi defendida pela maioria dos ministros.

Quanto à interposição de embargos de declaração, o ministro Barroso, relator do caso, entendeu que os embargos dos amicus curiae não deveriam ser conhecidos, reforçando a jurisprudência de que estes não têm legitimidade para opor embargos em processos de repercussão geral. O ministro também argumentou pela inexistência de erros no acórdão questionado, destacando o papel do STF na definição da constitucionalidade e marcando a decisão de 2007 como o ponto de início para a cobrança do tributo em questão.

Já quanto aos efeitos da modulação, o ministro Luiz Fux, acompanhado dos ministros Nunes Marques, Edson Fachin e Dias Toffoli, propôs que os efeitos deveriam iniciar a partir da ata de julgamento de fevereiro de 2023, ressaltando o compromisso do STF com a segurança jurídica. O ministro André Mendonça, a seu turno, seguiu o entendimento da não modulação, mas entendeu pelo afastamento das multas tributárias. A modulação não prosperou.  

Após declararem que a modulação dos efeitos não seria acolhida, os ministros passaram a votar a isenção, ou não, das multas punitivas e de mora às empresas que não pagaram o tributo.

O ministro André Mendonça reforçou posicionamento de que mora e outras sanções não poderiam ser imputadas às empresas que tinham, a seu favor, decisão transitada em julgado. Isso porque a legítima confiança de que o tributo não seria devido deve ser considerada. O ministro afirmou que, ainda que não seja uma solução “ortodoxa”, o judiciário tem uma carga de responsabilidade pelo que aconteceu.

O ministro entendeu necessário ponderar critérios de Justiça à luz dos §§ 12 e 13 do art. 525, do CPC, que afirmam:

“§ 12 - Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso”.

“§ 13 - No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica”.

Assim, votou pela modulação dos efeitos para não incidência de multas às empresas que tinham título judicial garantido para não pagamento do tributo.

O ministro Barroso seguiu o entendimento de Mendonça, no sentido que o não pagamento do tributo deu uma vantagem competitiva às empresas ao longo do tempo, não podendo prevalecer, no mérito, decisão que as beneficiem em detrimento de outras. No entanto, puni-las, como se tivessem agido de má-fé, não seria correto. Além do ministro, acompanharam Mendonça os ministros Luiz Fux, Edson Fachin, Dias Toffoli e Nunes Marques.

De modo diverso, os ministros Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e ministras Rosa Weber (atualmente aposentada) e Cármen Lúcia entenderam que não caberia o afastamento da cobrança de multas.

Segundo manifestação em plenário, os pares afirmaram que as empresas deveriam ter agido de forma diversa ao analisar o cenário jurídico do caso. Isso porque o STJ, ao decidir que entendimento diverso do STF acerca do CSLL não alteraria a situação da coisa julgada, não resolveu a questão debatida.

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que não é possível tratá-las como ingênuas e que o não pagamento da CSLL afetou sobremaneira a concorrência.

Enfim, depois desse imbróglio todo, restou que o STF decidiu isentar as empresas de multa em quebra da coisa julgada tributária. A maioria da Corte entendeu que não incide multa no caso de empresas que não recolheram a CSLL.

A MEU SENTIR, data venia, no caso concreto, a segurança jurídica foi para o espaço. O STF derrubar a coisa julgada (decisão definitiva), assim, sem mais nem menos, apenas para marcar território, trata-se de um retrocesso imenso no campo jurídico-jurisprudencial e uma derrota para as doutrinas que até então entendiam a coisa julgada como decisão inatacável, definitiva, eterna.  

Assim, é importante que os tribunais tenham a consciência de que eles não podem construir o direito sozinhos. Por certo que existem áreas do direito em que o Judiciário é mesmo o protagonista, mas há certas áreas do direito orientadas por princípios menos flexíveis, em que o respeito à legalidade estrita é mais relevante porque se sobressaem os valores da segurança jurídica e da previsibilidade. É exatamente o caso do direito tributário, por exemplo.

Portanto, o espaço para a inovação judicial e a possibilidade do afastamento das regras sobre as quais, tradicionalmente, se manifesta a doutrina, não são aceitáveis, sob pena de gerar uma indesejável perturbação social e uma grave instabilidade jurídica. Ninguém em sã consciência entendeu até agora o interesse do STF em mudar a regra do jogo e alterar a interpretação da coisa julgada ao seu talante.  

Sinceramente, a segurança jurídica é um valor a ser levado muito a sério. As Cortes superiores deveriam se preocupar mais em manter sua jurisprudência estável. Mudar com frequência, a toque de caixa, a interpretação das normas de direito tributário, como se deu nesse caso específico, equivale a alterar as regras no meio do jogo. E isso não se mostra razoável e muito menos legal.

O ideal seria que a jurisprudência não fosse alterada com frequência nesses ramos do direito em que a previsibilidade é absolutamente imprescindível, para gerar tranquilidade social.

Encerro dizendo que, dos males o menor, posto que o STF negou o pedido de modulação dos efeitos da decisão sobre os limites da coisa julgada tributária, mas decidiu pela isenção das empresas de multas punitivas e moratórias. Ou seja, nesta recente decisão, de 4 de abril de 2024, o STF isenta as empresas de multa em quebra da coisa julgada tributária. A maioria da Corte entendeu que não incide multa no caso de empresas que não recolheram a CSLL. As empresas que não pagaram o tributo estão isentas das multas punitivas e de mora.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Ainda bem que as multas não passaram porque isso iria inviabilizar o funcionamento de muitas empresas. Pagar a CSLL retroativa já vai ser uma dureza e imagina se tivesse de pagar as multas e a mora. Pelo amor de Deus, querem acabar com as empresas brasileiras e isso é coisa do PT e do STF juntos. Arrecadar muito e sempre para pagar as mordomias dos 3 poderes e que as empresas se danem. Dr. Wilson Campos obrigado pelo artigo e valeu mesmo pela ajuda nesse sentido e sempre que o consultamos. Abrs. RSTV Ltda.

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  2. Flávia M. Diniz Albano5 de abril de 2024 às 14:42

    Até a segurança jurídica já enterraram. Acabou agora a confiança nas decisões judiciais. Tudo pode ser mudado a qualquer momento e depende apenas dos deuses do STF. Leis pra quê? CF pra quê? Códigos tributário pra quê??? Jurisprudências pra quê??? Dr. Wilson gratidão e copio e compartilho este excelente texto. Ser empresária neste país é pagar em dobro ou em triplo. Att: Flávia M.D. Albano.

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  3. Damião Alcântara D. F.6 de abril de 2024 às 15:25

    Um absurdo derrubar uma decisão judicial transitada em julgado. Ninguém merece passar por tanto autoritarismo da toga suprema. Recorrer a quem agora? Dr Wilson, a justiça é cega e erra feio, o senhor concorda? At. Damião Alcântara.

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