TRABALHADORES BRASILEIROS A SERVIÇO DE NAVIOS ESTRANGEIROS.
Independentemente da legislação, seja pela Lei 7.064/1982 ou pela Convenção 186 da OIT, o tema é controverso, embora razoável que o trabalhador contratado no Brasil para atuar tanto no território nacional como no exterior seja amparado por lei brasileira. Mas comentarei a respeito no meio e ao final do presente artigo.
Pergunta-se: Os trabalhadores brasileiros com atividades e serviços a bordo de navios de cruzeiros estrangeiros em percursos em águas nacionais e internacionais devem ser protegidos por legislação brasileira?
Vejamos alguns casos concretos:
Em 07/12/2023, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou entendimento de que a contratação de trabalhadores brasileiros para desenvolver atividades a bordo de navios de bandeira estrangeira em percursos em águas nacionais e internacionais deve seguir a legislação do Brasil, por ser norma mais favorável.
No caso, prevaleceu o voto do ministro Cláudio Brandão, que validou a incidência da Lei 7.064/1982, a qual prevê a aplicação da norma mais favorável aos trabalhadores recrutados no Brasil para trabalharem embarcados em navios de cruzeiros. A referida lei trata de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior.
Em seu voto, o ministro frisou que a Lei do Pavilhão ou da bandeira do navio não incide nesses casos, devendo-se “aplicar a legislação trabalhista de acordo com a norma mais favorável ao empregado contratado no Brasil para prestar serviços no exterior”, nos termos da referida lei. Conclui o magistrado: “quando, no direito interno, houver norma mais benéfica, o direito internacional cede-lhe passagem”.
Na análise de um caso concreto, o TST ressaltou que a convenção 186 da OIT sobre Direito Marítimo, incorporada ao Direito Brasileiro através do Decreto 10.671/2021, seria inaplicável ao tal caso, “pois a sua vigência no Brasil iniciou-se após o encerramento do contrato de trabalho em questão”.
Os advogados que atuaram pelos trabalhadores neste citado caso concreto, ressaltaram o seguinte: “A decisão adotada pela SDI-1 do TST, em sua composição plena, é de extrema relevância, pois reafirma uma jurisprudência histórica da Justiça do Trabalho, que determina a incidência da norma mais favorável a esses contratos, conforme regra prevista em lei e consagrada pela Constituição da Organização Internacional do Trabalho. Significa que esses trabalhadores não ficarão desamparados, pois estão inseridos no âmbito de proteção do Direito do Trabalho”.
Particularmente, penso que a decisão fortalece uma posição universal nas relações trabalhistas, mas haveria de se perguntar aos trabalhadores se preferem essa ou aquela legislação, desde que nenhuma delas lhe tire a oportunidade de emprego. Isso, sim, é razoável – preservar o emprego dessas pessoas interessadas nas atividades em navios de cruzeiros estrangeiros. Daí minha defesa de que deva prevalecer um acordo, uma negociação, um entendimento, uma conciliação que seja boa para as partes e, principalmente, para a preservação do emprego do trabalhador brasileiro.
Mas voltemos aos casos concretos.
A respeito do assunto, o STF também já se pronunciou em recentes decisões proferidas pelos ministros Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Nunes Marques. Em todos os casos, os ministros concluíram que a discussão não possui alcance constitucional, já que o debate está relacionado à incidência da Lei 7.064/1982, cuja aplicação a esses contratos de trabalho foi reconhecida pelo TST.
Em outro caso, o TST decidiu que a contratação de trabalhadores brasileiros para desenvolver atividades a bordo de navios estrangeiros em percursos em águas nacionais e internacionais deve seguir a legislação do Brasil, naquilo que for mais favorável. A decisão é do órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das turmas do TST.
Em sua composição plena, o órgão julgou oito processos envolvendo o tema, que vinha sendo objeto de entendimentos divergentes entre turmas. Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Cláudio Brandão.
De acordo com o ministro, a chamada “Lei do Pavilhão” - segundo a qual a legislação aplicável é a do país da bandeira da embarcação - tem sido relativizada, principalmente nos casos de “bandeiras de conveniência ou de aluguel”. Nessa prática, a empresa ou proprietária registra a embarcação em outro país, a fim de se submeter a leis e controles mais brandos.
“As consequências são gravíssimas e de diversas ordens, sobretudo no que tange à violação de direitos humanos e da dignidade dos trabalhadores. Num caso julgado em 1964, o TST já tratava da possibilidade de atribuição de bandeiras de países sem tradição em navegação a fim de burlar a aplicação da lei mais protetiva. Esse cenário permanece atual”, afirmou o ministro relator.
No caso relatado pelo ministro, as próprias empresas afirmaram que os navios em que o trabalhador havia prestado serviços usavam bandeira do Panamá, embora uma tenha sede na Suíça e a outra na República de Malta. Segundo o ministro Brandão, o Panamá figura na lista de países associados a “bandeiras de conveniência” elaborada pela ITF - Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes, entidade sindical internacional.
Nos casos julgados, as pessoas foram recrutadas no Brasil e, de acordo com a Lei 7.064/1982, que trata de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, prevê a aplicação da lei brasileira quando for mais favorável que a legislação territorial.
Essa orientação, segundo Brandão, está na Convenção 186 (CTM - Convenção sobre Trabalho Marítimo) da OIT - Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao direito brasileiro pelo decreto 10.671/2021.
O ministro rejeitou a alegação de que a existência de trabalhadores num mesmo local submetidos a legislações diferentes geraria um caos na gestão das empresas. Nessa abordagem, segundo ele, a repercussão econômica se sobreporia ao respeito aos direitos dos trabalhadores. Ele citou como exemplo a construção civil, à qual se aplica a lei do trabalho no estrangeiro.
O voto do relator foi seguido pelas ministras Kátia Arruda, Delaíde Miranda Arantes e Maria Helena Mallmann e pelos ministros Augusto César, José Roberto Pimenta, Hugo Scheuermann, Alberto Balazeiro e Lelio Bentes Corrêa, presidente do TST.
A corrente divergente foi liderada pelo ministro Aloysio Corrêa da Veiga, para quem, no caso de empregado contratado por empresa estrangeira para prestar serviço no exterior, incide a Lei do Pavilhão, prevista no Código de Bustamante (Convenção de Direito Internacional Privado de Havana, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 18.871/1929).
“A legislação brasileira não é aplicável ao trabalhador brasileiro contratado para trabalhar em navio de cruzeiro, devendo incidir ao caso a lei do local da prestação de serviço, uma vez que as embarcações são consideradas prolongamento de seu território", afirmou o ministro divergente, relator de seis dos oito processos julgados. Seu voto foi seguido pela ministra Dora Maria da Costa e pelos ministros Breno Medeiros, Alexandre Ramos e Evandro Valadão.
Vejamos outro caso:
Um empregado contratado no Brasil para atuar em navio de cruzeiro estrangeiro, que pleiteou horas extras, FGTS, entre outras verbas na Justiça do Trabalho, obteve julgamento de acordo com as leis brasileiras com base na Lei 7.064/1982. O diploma legal dispõe sobre trabalhadores contratados para prestar serviços no exterior e assegura a competência da Justiça brasileira.
A empresa tentou afastar o regimento nacional, mencionando normas e convenções internacionais. Uma delas é a Lei do Pavilhão, que dispõe que as relações de trabalho da tripulação de navios regem-se pelas regras do local de matrícula da embarcação.
Entretanto, de acordo com o juiz Ramon Magalhães Silva, que atua na 11ª vara de Trabalho de São Paulo, a aplicação não é absoluta, devendo ser afastada com base no princípio do centro de gravidade, pelo fato de o profissional ter sido contratado no Brasil.
Prova testemunhal comprovou que o tripulante atuou no Brasil e no exterior. Além disso, durante a audiência, o representante da empresa afirmou desconhecer informações específicas sobre o empregado, o que equivale à confissão quanto aos fatos.
Com isso, o magistrado reconheceu dois vínculos de emprego por prazo determinado firmado entre o trabalhador e a firma contratante. Para cada vínculo, ele deve receber férias e 13º proporcionais e multa do art. 477 da CLT (pagamento intempestivo de verbas rescisórias).
A jornada de trabalho informada pelo empregado, das 0h às 14h, também foi presumida como verdadeira, dando a ele o direito de receber adicional de 50% pelas horas extraordinárias, 100% para feriados e domingos, hora noturna reduzida a 52 minutos e 30 segundos, adicional noturno de 20% e reflexos.
AO MEU SENTIR, data venia, o risco é de os brasileiros não poderem contar mais com essa oportunidade de trabalho, que já está com jurisprudência firmada, valendo, portanto, a decisão do tribunal pátrio de proteção ao trabalhador brasileiro, em que pese ser possível recurso ou entendimento de mediação para que seja preservada a contratação de brasileiros para trabalhos em navios de cruzeiros estrangeiros.
Em tempos bicudos de desemprego e dificuldades múltiplas no mercado de trabalho e na economia, a decisão do TST pode dificultar a contratação de trabalhadores brasileiros por empresas de cruzeiros internacionais, que terão que se adequar à legislação brasileira, que é muito mais protetiva do que a legislação de outros países.
Sinceramente, preocupa-me o fato de que o número de brasileiros trabalhando em cruzeiros internacionais possa ser reduzido imensamente. Daí o óbice, porquanto seja anunciado um retrocesso para os trabalhadores brasileiros, que possivelmente perderão oportunidade de emprego e de crescimento profissional.
Com reiterado pedido de venia ao TST, entendo que, de fato, é indispensável a proteção dos trabalhadores brasileiros, mas isso não deve ser feito de maneira que impeça a sua contratação por empresas internacionais. A solução poderia vir por meio de negociações, acordos ou entendimentos nestes sentidos. E reitero: isso, sim, é razoável - preservar o emprego dessas pessoas interessadas nas atividades em navios de cruzeiros estrangeiros. Daí minha defesa de que deva prevalecer um acordo, uma negociação, um entendimento, uma conciliação que seja boa para as partes e, principalmente, para a preservação do emprego do trabalhador brasileiro, de forma justa, livre e bem remunerada.
Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).
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Eu tenho amigos trabalhando em navios de cruzeiros nacionais e internacionais, cruzando pelo Brasil e pelo mundo, aprendendo linguas diferentes, vivenciando costumes e outras coisas mais de outros países. Isso é importante para essas pessoas e é isso que alimenta as famílias destas pessoas destes brasileirinhos. Ficar criando normas e leis vão atrapalhar porque as empresas vão contratar outros trabalhadores de países menos exigentes do que o Brasil que tem uma CLT muito paternalista e eu sei disso porque sou economista e sempre estou lendo essa lei trabalhista brasileira na empresa em que trabalho. Concordo com Dr.. Wilson Campos e acho que o acordo, a negociação e o entendimento é o melhor caminho para preservar o emprego desses trabalhadores brasileiros, que são muitos espalhados pelos navios que chegam e saem todos os dias dos portos brasileiros rumo a destinos os mais diferentes possíveis e são meses e anos nessa ida e vinda mas que garante um som salário e um bom conhecimento do mundo inteiro.
ResponderExcluirEu falo porque meus amigos já me falaram que gostam dessa atividade e precisam desse emprego nos navios de cruzeiros estrangeiros. Parabéns dr. Wilson por este artigo de muita utilidade e por sua opinião de advogado experiente e de grande saber. At: Dárcio A. H. Justiniano
Gostei e vou repassar para amigas que tem amigas que trabalham muito tempo nesses navios e adoram o trabalho. É um bom emprego, dizem elas, que dizem também que o salário é razoável e melhor do que ficar aqui desempregada ou recebendo migalha do governo ou tendo subemprego. Meus parabéns advogado Dr. Wilson pelo ótimo texto. Júlia Noema Karla P. de O.
ResponderExcluirEu sou de opinião que o emprego hoje é tudo porque sem dinheiro ninguém vive. A ideia de acordos entre os envolvidos no emprego é a melhor solução e pode ser até judicial, mas o acordo tira o preconceito de que a JT é muito paternalista e só protege o trabalhador. Essa ideia precisa mudar, mas o trabalhador não pode ficar sem proteção legal. Emprego para todos JÁ nos navios de cruzeiros e em todas as empresas possíveis. Emprego é dignidade e comida na mesa. Doutor Wilson Campos, parabéns e continua firme aí ajudando a todos. Stella D.L. S.
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