VÍNCULO DE EMPREGO DE MÉDICO CONTRATADO COMO PJ POR HOSPITAL.

 

Já vem de muito tempo o entrevero particular entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça do Trabalho. Enquanto o STF decide de uma forma, a Justiça do Trabalho decide de outra, a respeito do mesmo tema e objeto. Ou seja, a Justiça do Trabalho, reiteradamente, descumpre jurisprudência do STF.

Eis um caso concreto:

O ministro Alexandre de Moraes anulou decisão da Justiça do Trabalho que havia reconhecido o vínculo de emprego entre uma médica e um hospital.

Na decisão, o ministro aplicou o entendimento do Tribunal acerca da validade de formas de relação de trabalho que não a regida pela CLT.

A médica pretendia, na ação trabalhista, que fosse reconhecido o vínculo de 2014 a 2019, quando trabalhou na casa de saúde por meio de contrato de prestação de serviços.

Ela alegava ter sido contratada com carga horária fixa e estar sujeita às imposições do hospital, em flagrante fraude à legislação trabalhista, pois era obrigada a emitir nota fiscal como pessoa jurídica.

A 1ª instância reconheceu o vínculo de emprego, e o entendimento foi mantido pelo TRT da 2ª Região (SP) e pelo TST.

No STF, o hospital alegou que a PJ da médica fora criada em 2002, mais de uma década antes da prestação de serviços, e que sua contratação se dera sem demandas pré-estabelecidas, a partir da solicitação de outras equipes para participação complementar no atendimento médico.

Segundo a casa de saúde, as relações de trabalho não se baseiam em um único modelo rígido, e as partes podem decidir a melhor forma de organizar a prestação de serviços.

Ao acolher o pedido da casa de saúde, o ministro Alexandre de Moraes explicou que a interpretação conjunta de precedentes do STF, como o RE 958.252 e a ADPF 324, reconhece a validade de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT. Assim, a conclusão adotada pela Justiça do Trabalho contrariou esse entendimento.

Alexandre de Moraes lembrou, ainda, que em casos semelhantes envolvendo a chamada pejotização, a 1ª turma tem decidido no mesmo sentido. (Processo: Rcl. 65.011).

Como visto, existe uma peleja entre o STF e a Justiça do Trabalho. Vejamos, portanto, partes da decisão do Supremo:

[...]

“Por oportuno, vale salientar que em casos análogos, também envolvendo discussão sobre ilicitude na terceirização por pejotização, a Primeira Turma já decidiu na mesma direção, de maneira que não há falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante. Trata-se da Rcl 39.351 AgR (Rel. Min. ROSA WEBER, Relator p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020) e da Rcl 47.843 AgR (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 7/4/2022), esta última assim ementada”.

[...]

“Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, pareceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação.”

[...]

“Diante do exposto, com fundamento no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE o pedido para cassar a decisão reclamada por ofensa ao Tema 725-RG (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX) e à ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), julgando improcedente a Ação Trabalhista 100081141.2019.5.02.0342 e o Cumprimento Provisório de Sentença 1000711-47.2023.5.02.0342. Nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispensa-se a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República. Publique-se. Brasília, 11 de janeiro de 2024. Ministro ALEXANDRE DE MORAES – Relator”.

DE SORTE QUE, em diversas decisões recentes, a Justiça do Trabalho tem ignorado a jurisprudência do STF, que data de 2018, no que tange à licitude de toda forma de terceirização de serviços, até mesmo as de atividade-fim. Por esse motivo, os ministros do Supremo vêm sistematicamente derrubando o vínculo de emprego reconhecido na Justiça do Trabalho, inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

AO MEU SENTIR, cada caso é um caso. A decisão do STF diz que a exceção é que “não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação”. Daí ser importante o depoimento de testemunhas que digam se existiam ou não subordinação, cumprimento de horário e execução de obrigações mediante hierarquia.

TAMBÉM vale considerar os requisitos para o vínculo empregatício: pessoa física, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. Mas, enfim, no caso concreto acima transcrito deverá prevalecer a decisão do STF, e os desencontros entre o Supremo e a Justiça do Trabalho continuarão, uma vez que essa desinteligência e esse antagonismo são antigos.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. José Marcius P. Nunes19 de janeiro de 2024 às 11:45

    Dr Wilson, no meu escritótio eu tive um caso parecido de um médico que era PJ e prestava serviço com subordinação, horário rígido, obrigações fiscalizadas por superiores e exigências de responsabilidade diuturnas com os pacientes, ou seja, o médico era era um empregado do hospital e não PJ. Mas quando chegou no STF nós perdemos a ação porque aconteceu o mesmo que o senhor tratou no seu artigo. Quem entende uma coisa dessa? Um tribunal decide de uma forma (TST) e outro tribunal decide de outra forma (STF). Virou uma bagunça sem tamanho e realmente essa briga do STF e tribunais do trabalho é de longa data e vai durar. Abraço doutor. José Marcius P. Nunes (adv.).

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  2. Eu acho que o STF deveria olhar melhor isso porque PJ não pode ficar recebendo ordens diárias e tendo que cumprir tarefas determinadas por superiores de um hospital como é o caso contado, ou deixa de ser PJ e passa a ser um subordinado, um empregado. Dr. Wilson Campos, seus artigos são sempre atualizados com o dia a dia das pessoas e são equilibrados, corretos e sempre compartilho com colegas de profissão. Agradeço muito. Att: Marilene Pinho.

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  3. Cláudio J. S. Aguiar19 de janeiro de 2024 às 12:05

    Como bem disse o adv dr. Wilson o que vai prevalecer é a decisão do STF (decisão da instância máxima) e o PJ não terá direitos trabalhistas previstos na CLT. O médico sendo PJ e com emissão de NF deveria cobrar mais caro para compensar as perdas trabalhistas tipo 13º salário, férias + 1/3, FGTS, etc. Se é PJ tem de cobrar mais para não ficar abaixo do médico que é CLT. Abração dr. Wilson e é sempre um prazer ler seus textos nos jornais e no blog. Cláudio J.S. Aguiar.

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