ELEIÇÕES MUNICIPAIS, CONSULTA POPULAR E EMENDA CONSTITUCIONAL (EC) Nº 111/2021.

 

As eleições municipais de 2024 estão se aproximando e até o momento não se percebe nenhuma alusão ao cumprimento da Emenda Constitucional (EC) 111/2021.

A EC 111, promulgada em 28 de setembro de 2021 pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, alterou a Constituição Federal para disciplinar a realização de consultas populares concomitantes às eleições municipais.

Segundo o parágrafo 12 do artigo 14 da Constituição Federal brasileira, poderão ser realizadas concomitantemente às eleições municipais as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 dias antes da data das eleições, observados os limites de quesitos.

O parágrafo 13 do mesmo artigo dispõe que as manifestações favoráveis e contrárias às questões submetidas às consultas populares nos termos do parágrafo 12 ocorrerão durante as campanhas eleitorais, mas sem a utilização de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

Vejamos tais dispositivos legais, no seu inteiro teor:

Art.14, § 12 - Serão realizadas concomitantemente às eleições municipais as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 (noventa) dias antes da data das eleições, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos; § 13 - As manifestações favoráveis e contrárias às questões submetidas às consultas populares nos termos do § 12 ocorrerão durante as campanhas eleitorais, sem a utilização de propaganda gratuita no rádio e na televisão.

De sorte que, nas eleições de 2024, os eleitores de alguns municípios poderão ter que responder a certa consulta popular na urna eletrônica. Ou seja, além de eleger os representantes que comandarão as prefeituras e que ocuparão as vagas das Câmaras Municipais, o eleitorado poderá ter que opinar sobre algum assunto de relevante interesse dos habitantes do município.

No primeiro turno das eleições deste ano, em 6 de outubro, os eleitores poderão ver nas telas das urnas eletrônicas questionamentos que tratem de algum aspecto do dia a dia do município. No entanto, depende da Câmara Municipal a aprovação da consulta popular. Pergunta-se: será que esse mecanismo de participação social estará disponível nessas eleições de 2024?  

Vale considerar que, além da escolha do prefeito e do vereador para o mandato de 2025 a 2028, os eleitores de determinado município provavelmente poderão se posicionar sobre outras questões que afetarão o destino do local onde moram e votam, desde que o Legislativo municipal aprove a consulta, defina os temas e encaminhe as perguntas à Justiça Eleitoral dentro do prazo legal estabelecido.

A rigor, políticas públicas como creches, postos de saúde, escolas, saneamento básico, moradia, transporte, cultura, lazer, meio ambiente, inclusão social, segurança, tecnologia e inovação, por exemplo, são questões relevantes para a consulta popular na urna eletrônica, entre outros regramentos de interesse da municipalidade, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos. O importante, evidentemente, é que os eleitores possam falar o que preferem para a sua cidade.

Cabe observar que é no município que são aplicadas as políticas públicas que mais influenciam a vida da coletividade. Ora, é no município que as pessoas vivem, moram, trabalham, fazendo-se necessárias as garantias de uma gestão democrática da cidade, com medidas que propugnem pelos debates, audiências e conferências sobre assuntos de interesse urbano. Daí a necessidade da escolha correta do candidato, seja para prefeito ou vereador, que contribua para a inclusão de instrumentos que priorizem a iniciativa popular, de forma que o cidadão se sinta inserido na discussão de um lugar melhor para viver.

Independentemente da EC 111, cumpre evidenciar que, enquanto a fiscalização dos atos do prefeito cabe aos vereadores, a fiscalização da gestão de ambos cabe ao povo, uma vez que o padrão de probidade deve ser exigido de todo e qualquer agente político. Daí que as eleições municipais exigem esforço intelectual e cívico do eleitor, que deve fazer valer a faculdade do exercício pleno da cidadania, com destaque para o momento de saber escolher entre todos aquele que represente melhor a ética, a honestidade, a competência e, principalmente, esteja disposto ao diálogo e saiba escutar os clamores e reclamos da população.

Chegou a hora de o eleitor valorizar o seu voto, mas não pela troca de favores e sim pela cobrança de um mandato probo e íntegro, na defesa intransigente da qualidade de vida e dos investimentos, principalmente nas áreas da educação, saúde, transporte, segurança, trabalho e moradia, com ênfase na proteção do meio ambiente e com olhares voltados para a erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, tendo por fundamento a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Voltando à importância do cumprimento da EC 111, além de não gerar custos financeiros adicionais, o acréscimo de questões a serem submetidas ao povo não dificultará e nem retardará o procedimento de votação, já que nessas eleições vota-se em apenas dois cargos eletivos (prefeito e vereador).

Para este ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou em seu site, a informação de que, nos termos dessa inovação constitucional, as Câmaras Municipais poderão submeter questões locais à Justiça Eleitoral para que constem das urnas no dia das eleições. Todavia, no calendário eleitoral de 2024 (Resolução TSE nº 23.738/2024), não há previsão expressa dessa data como fazendo parte do processo eleitoral, embora a Resolução TSE nº 23.736/2024 (que dispõe sobre os atos gerais do processo eleitoral para as eleições municipais de 2024), em seu artigo 3º, preveja a realização das consultas.

De todo modo, pelo sim, pelo não, a questão permanece sendo regida pela Lei nº 9.709/1998 e pela Resolução do TSE nº 23.385/2012. Interpretadas à luz da Emenda Constitucional nº 111/2021, as principais regras são no sentido de que as consultas populares sobre questões locais serão convocadas por decisão das Câmaras Municipais, notadamente nos termos das leis orgânicas municipais, sendo comunicadas com 90 dias ou mais de antecedência à Justiça Eleitoral. Repito a pergunta: será que esse mecanismo de participação social estará disponível para o eleitor nessas eleições de 2024?  

Diante de um cenário sombrio como o atual, o que mais se vê por parte dos candidatos são promessas que nunca poderão ser cumpridas. O jogo está sendo mal jogado e os eleitores já percebem quem são os oportunistas. De maneira que as consultas populares em 2024, previstas na EC 111, são providencialmente necessárias, embora até agora nem sequer tenham sido cogitadas nessa campanha eleitoral municipal. Essa lacuna pode ser proposital e pode significar um engodo e uma fantasia, em prejuízo para o eleitor. E o aprimoramento da democracia brasileira restará mais uma vez negado e postergado.

Lamentavelmente, é público e notório que no Brasil a cultura política não é portadora de muitos exemplos de utilização desses mecanismos de participação social. Note-se que, segundo alguns levantamentos sobre referendos e plebiscitos ocorridos no país, eles foram poucos e praticamente restritos a questões de divisão política de estados e municípios.

Não obstante, há experiências interessantes de um maior engajamento da sociedade no exercício do poder político. Há na história brasileira algumas referências sobre participação social no processo de tomada de decisão municipal ou estadual. São poucas, mas existem registros.  

Isso mostra que há espaço para inovação e experimentos em termos de participação social nas atividades do poder público e a Emenda Constitucional nº 111/2021 é mais um elemento dessa história e uma grande oportunidade de se fortalecer a cultura política para o aumento da participação social na democracia brasileira, especialmente a partir das atividades das Câmaras Municipais.

Encerrando, a meu sentir, as consultas populares têm um grande potencial deliberativo que pode e deve ser explorado para o reforço dos laços políticos entre representantes e representados na democracia brasileira. E as próximas eleições municipais são a oportunidade para a realização desse evento de relevante importância para a participação social. Neste sentido, cumpra-se a Emenda Constitucional (EC) 111/2021.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Heraldo Marcolino F. G. Lins3 de setembro de 2024 às 16:27

    Eu só vejo candidato falando abobrinha no horário eleitoral e saindo na rua e abraçando criança e cumprimentando pessoas que não conhecem. Não falam nada de programa de governo que possa ser cumprido de fato e sem meias verdades. Essa consulta popular deveria ser feita agora já e não depois, e já passou da hora de atrelar a vontade do eleitor com a eleição do candidato. Vamos pressionar para essa consulta ser feita nessa eleição municipal de 2024 já e com os quesitos que Dr. Wilson falou - saúde, educação,segurança, transporte,meio ambiente, moradia, saneamento básico, situação de morador de rua, trânsito congestionado dia e noite, etc. Cadê o TRE e o TSE para exigir o cumprimento dessa EC 111???? Dr. Wilson Campos - advogado - parabéns mais uma vez pelo seu belo e super útil trabalho de advogado e patriota brasileiro e mineiro da gema. Abrs. - Heraldo Marcolino.

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  2. Lucimara Guerra Q. P.3 de setembro de 2024 às 16:30

    Eu destaco essa parte que acho que deveria ser escolhida e exigida pelo eleitor e pela eleitora: ... (Chegou a hora de o eleitor valorizar o seu voto, mas não pela troca de favores e sim pela cobrança de um mandato probo e íntegro, na defesa intransigente da qualidade de vida e dos investimentos, principalmente nas áreas da educação, saúde, transporte, segurança, trabalho e moradia, com ênfase na proteção do meio ambiente e com olhares voltados para a erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, tendo por fundamento a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária)... Parabéns ao adv Wilson Campos pelo texto e pela cidadania na defesa da nossa amada BH. Att: Lucimara Guerra.

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  3. Guilherme H. S. Santos3 de setembro de 2024 às 16:35

    Meu caro Dr. Wilson eu duvido que essa câmara municipal tenha feito essa inclusão de consulta popular na hora da votação do eleitor nessas eleições municipais de 2024 em BH. Eu duvido porque esse pessoal é preguiçoso e só quer se eleger e depois ficar passeando e recebendo dinheiro de salário sem fazer nada pela cidade. Dr. Wilson eu acho que essa EC 111 é muito boa e precisa ser produzida na verdade na hora do voto mas essas câmaras municipais não fazem o dever de casa. E eu também pergunto cadê o TRE e oTSE para mandar cumprir a EC???? Att: Guilherme H.S. Santos.

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  4. Cleudemir J. Fuchal A. F.5 de setembro de 2024 às 09:44

    O TSE e o TRE deveriam exigir que isso já estivesse pronto para ser colocado na urna hámais de 60 dias atrás e o eleitor escolher a sua opção do que a cidade mais precisa. Mas parece que TSE e TRE não tiveram tempo porque estão muito ocupados com outras coisas da política e não do Judiciário ou das eleições. Não sei quem é mais negligente na função - se a câmara municipal ou se TRE ou TSE. Meu prezado dr. Wilson Campos de nada adianta uma EC se não é cumprida nem sequer levada ao conhecimento do povo/eleitor. -.- Brasil muda sua cara. Cleudemir J.Fuchal A.F.

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  5. Todos os órgãos citados tem culpa mas o mais culpado e mais negligente é a câmara municipal de BH que deveria ter se proposto a executar a EC 111 e disponibilizado para o eleitor votar em qual prioridade para o município - escola, cadeia, estrada,creche, upas, postos de saúde, praças, limpeza urbana, morador de rua, violência, criminalidade, moradia, transporte público decente, etc etc. O troco do eleitor será agora não votar nessa cambada que aí está pedindo voto e não fez o dever de casa quando estavam na câmara recebendo salário gordo,gabinete cheio de aspones e gastando com mordomias. Tenho dito.
    Dr. Wilson parabéns pelo artigo e pelo blog. Excelentes. Att: Janaína Mercês.

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