ENCHENTES GERAM INDENIZAÇÕES, CAUSAM DANOS E PROVOCAM MORTES.
Os danos causados a
residências e veículos, em razão das enchentes, quase sempre podem ser cobrados
das seguradoras e do poder público, desde que os bens estejam segurados e o
município tenha agido com negligência.
Vejamos dois casos
concretos:
No primeiro caso, os
autores alegaram falha na manutenção de piscinões localizados em determinado
município, construídos como forma de controlar enchentes no ribeirão que
atravessa a cidade. A falha alegada teria sobrecarregado o curso fluvial, gerando
a inundação no respectivo município onde reside o casal (autores da demanda
judicial).
Consta nos autos que os
moradores tiveram sua casa invadida pela inundação, que alcançou dois metros de
altura e que, além de não saberem nadar, ficaram expostos à água com
presença de esgoto, dejetos e lixo. Na justiça, o casal pediu indenização por
danos materiais e morais, sustentando a omissão do município na prevenção da
enchente.
Ao analisar a ação, o
juiz de Direito apontou que o município tem legitimidade para figurar no polo
passivo, uma vez que está vinculado à manutenção das estações elevatórias
que foram a causa do sobrecarregamento do ribeirão no município vizinho.
De acordo com o
magistrado, a região alagada é cenário de diversos episódios como este desde
1960 e, portanto, não há como os municípios alegarem que a situação não poderia
ser prevista. Veja-se que o juiz considerou como réus dois municípios vizinhos,
responsáveis pelos piscinões.
“Não
há como os correqueridos eximirem-se de sua responsabilidade pelo fato
sucedido, tendo em vista a clara omissão destes entes em adotarem todas as
medidas necessárias a evitar a inundação do local, eis que já era fato notório
a exposição da região a constantes alagamentos”, afirmou o magistrado.
No entendimento do juiz,
quando a Administração Pública autoriza a ocupação de determinado espaço
público, é de sua responsabilidade oferecer infraestrutura básica, provendo
planejamento adequado.
Com este entendimento,
condenou os municípios a indenizarem o casal em R$ 13 mil por danos morais e em
R$ 13,8 mil por danos materiais (processo nº 1002588-53.2019.8.26.0565).
No segundo
caso, os estragos são em relação a veículo, uma vez que, com as chuvas, chegam as enchentes e também uma
série de problemas. Quem tem seguro fica menos vulnerável à perda, porém, em
casos específicos a responsabilidade pode ser atribuída ao motorista imprudente
ou até mesmo à prefeitura.
Em geral o seguro
costuma cobrir danos causados por alagamento, desde que o segurado não tenha
incorrido no chamado “agravamento de risco”, onde o motorista acaba forçando a
passagem em um local com grande volume de água, por exemplo.
Nesses casos, as
seguradoras acabam por investigar as circunstâncias em que o carro ficou no
alagamento e podem negar a cobertura. Se a seguradora se recusar a indenizar o
segurado, ele tem um ano para entrar com a ação judicial onde se deve provar
que não houve o comportamento considerado como sendo de risco.
Se o automóvel estava em
estacionamento pago ou de algum estabelecimento comercial, como shoppings,
existe a responsabilidade da empresa que tinha o dever de guarda e zelo pelo
bem entregue. O mesmo acontece se o veículo estiver numa oficina para conserto
e lá for atingido pela inundação, sendo que nesses casos, a oficina responde
pelos danos. Já se a enchente decorre do mau serviço de limpeza municipal, a
prefeitura é responsável e pode ser acionada pelos prejudicados.
Dispõe o art. 30, inciso
V, da Constituição, competir aos municípios organizar e prestar, direta ou
indiretamente, serviços públicos de interesse local, dentre os quais se
encontra o de escoamento das águas pluviais.
Nas hipóteses de
enchentes, desabamentos, alagamentos, enxurradas decorrentes das chuvas, deve o
Poder Público ser responsabilizado diante de um ato omissivo na consecução do
serviço. Trata-se do exemplo clássico, e atual em algumas cidades brasileiras,
das enchentes provocadas pelas chuvas que poderiam ter sido evitadas com a
devida limpeza de bueiros e galerias pluviais ou fiscalização e alertas nas
áreas de encostas de morros.
Esta responsabilidade é
objetiva, ou seja, a vítima não precisa provar a culpa do poder público, apenas
o fato (enchente) e os danos.
Nesse sentido:
“Enchentes.
Transbordamento de córrego. Insuficiência da seção de vazão. Obras de
canalização não concluídas. Demora. Ineficiência da administração municipal.
Indenização apurada em perícia. Obrigatoriedade do ressarcimento com base nesta
Ação julgada improcedente. Decisão reformada. A responsabilidade da
municipalidade ré deflui de sua ineficiência administrativa, demorando na
realização das obras necessárias e, assim, permitindo que as inundações se
repetissem. Tanto assim é que, concluída a canalização, cessaram os
desbordamentos”. (TJ/SP, processo 153.680-1/89).
“Indenização —
Municipalidade de São José do Rio Preto — responsabilidade civil — veículo
arrastado por enxurrada formada por águas de chuva de grande intensidade
pluviométrica - responsabilidade objetiva da administração, consubstanciada no
fato que tais chuvas sempre foram previsíveis no local, ante a comprovação de
que obras contra enchentes estavam sendo realizadas e ainda, ante a comprovação
de que chuva de intensidade pluviométrica maior havia ocorrido no ano anterior,
mesma época - procedência da ação - sentença reformada - valor da indenização a
ser apurada em liquidação de sentença por arbitramento, tendo em conta que o
valor pedido é bem maior que o valor do mercado do veículo envolvido, devendo
prevalecer, portanto, este último - recurso provido”. (TJ/SP, apelação cível
94.906-5-São José do Rio Preto, 4ª Câmara de Direito Público, relator: Eduardo
Braga, julgado em 27/4/00, v.u.).
Além dos casos
apresentados acima, a realidade nos centros urbanos é triste. Vejamos:
O número de acionamento
de seguros por enchentes sobe a cada ano, segundo dados divulgados. O número de
mortos no Estado de Minas Gerais por causa das chuvas também aumentou, sem que
as autoridades públicas adotassem medidas de prevenção e precaução, o que se
revela desumano e inadmissível. Daí a necessidade da judicialização, colocando
o município ou outrem para responder perante os tribunais.
Em Belo Horizonte, as
regiões de alagamentos estão crescendo, mas nem assim os responsáveis pela
administração ou gestão municipal resolvem o problema, deixando apenas para
lamentar quando o pior acontece.
Cumpre observar que a
primeira grande enchente em BH foi em 1923, com o transbordamento do Ribeirão
Arrudas. De lá para cá ocorreram centenas de inundações sem que providências
sérias fossem tomadas. O sistema de drenagem é péssimo e nada é feito para
melhorá-lo.
A impermeabilização do
solo, a canalização dos córregos, o asfaltamento das ruas, os pisos de cimento nos
quintais das residências e o absurdo corte irracional de árvores contribuem
muito para as enchentes em BH, haja vista os fortes impactos e os riscos
severos para a drenagem.
Em novembro de 2018 as
chuvas inundaram a região norte da capital mineira, causaram mortes e
provocaram destruição. O prefeito Alexandre Kalil chegou a dizer que a responsabilidade
era dele e que as obras seriam feitas. No entanto, já estamos em outubro de
2019, quase um ano após a sua fala e as obras nem começaram. As chuvas virão e
com elas as enchentes e as inundações, arrastando carros, inundando casas e
lojas e matando pessoas. O que espera a população de BH é o desespero, sempre
que chove forte, pois a cidade se transforma em rio, lama, sujeira e lixo por
todo lado. Ou seja, a vítima é sempre a
população. A cidadania fica relegada a segundo e terceiro planos.
Lamentavelmente!
Wilson Campos (Advogado/Presidente
da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da
OAB/MG).
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