SEPARAÇÃO DE FATO: CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E PATRIMONIAIS.

 

O procedimento da separação de fato acaba se revelando um tema bastante interessante dentro do direito de família, mas quase nunca é bem entendido por quem está vivenciando a situação. E isso não é culpa das pessoas, mas da confusão entre os termos: muitas vezes confunde-se “divórcio”, “separação” e “término”, como se esses termos no dia a dia fossem sinônimos.

A questão começa no mundo do direito. No juridiquês, cada um destes termos tem um significado específico, com implicações e resultados diferentes entre si. É exatamente por isso que compartilho este artigo dissertando sobre a separação de fato.

O principal objetivo é explicar o significado do que seja – separação de fato -, sua definição, suas diferenças em relação ao divórcio e suas consequências na vida prática.

Além das explicações possíveis, no final do artigo aparecem umas perguntas e respectivas respostas. Ademais, o meu escritório está à disposição para esclarecimento de dúvidas ou conversa sobre interesses específicos de cada caso. Espero que a leitura do artigo seja útil. Vamos lá!!!

SEPARAÇÃO DE FATO – A separação de fato é a designação dada à situação em que um casal já não convive em uma relação conjugal propriamente dita, mas ainda não se divorciou oficialmente. Em outras palavras, o nome é bastante literal: trata-se da situação em que as pessoas estão, na prática, já separadas, mas ainda estão oficialmente sob a determinação e compromisso de um casamento.

Pode parecer um detalhe simples, mas o casamento é uma instituição oficial. Para que um casamento ocorra, basta que ele seja válido e registrado. Se um casal deixa de se entender como casal, vivendo como se não estivesse mais em vida conjugal, mas ainda não se divorciou, segue oficialmente casado. Porém, neste cenário, estará separado de fato, pois é um fato incontroverso, que não mais vivem como casal.

FATORES QUE TIPIFICAM A SEPARAÇÃO DE FATO – Há que se distinguir as duas situações, estabelecendo desde já que um casamento é uma situação de direito, enquanto a separação de fato é uma situação prática. Nesse sentido, os fatores que definem esta modalidade de situação são o fato de o casal não mais se considerar “junto”, um com o outro. Esta é uma situação importante de ser esclarecida, pois existem casos de muitas pessoas separadas de fato, que continuam morando sob o mesmo teto até se estruturarem adequadamente para seguirem vidas separadas ou mesmo para adaptação dos filhos. Porém, factualmente, isso não impede que a separação esteja em vigor. É importante também levar em consideração, que, no caso de uma disputa litigiosa, será imprescindível demonstrar o momento da separação, por meio de provas.

DIFERENÇA ENTRE SEPARAÇÃO DE FATO E DIVÓRCIO – Vamos aqui criar um exemplo para facilitar o entendimento. Imaginemos que duas pessoas estavam casadas e decidiram se separar no dia 1º de julho de 2020, com isso passando a organizar todo o processo, conversando com seus filhos e, mutuamente, tratando de questões da casa ou da moradia de cada um. Com estas questões já discutidas e definidas, o casal recorreu a um escritório de advocacia para encaminhar o divórcio no dia 1º de novembro de 2020, ou seja, quatro meses depois. O processo de divórcio demorou seis meses para chegar ao fim e ser declarado oficialmente como divórcio. De forma que, esse casal está sob separação de fato desde o dia 1º de julho, e só estará divorciado no dia 1º de maio de 2021. Neste lapso temporal, o casal estava casado, mas separados de fato e sem as obrigações características de um matrimônio.

EFEITOS JURÍDICOS DA SEPARAÇÃO DE FATO – Vale observar que o principal efeito jurídico de uma separação de fato diz respeito à interrupção dos deveres e responsabilidades típicos de um matrimônio, sem que se altere o estado social daquelas pessoas até a obtenção do divórcio definitivo. Trocando em miúdos, a separação de fato cessa os deveres estabelecidos, incluindo aqueles patrimoniais. No caso de um casamento sob o regime de comunhão de bens, por exemplo, isso significaria deixar de compartilhar estes bens de forma integral a partir do momento da separação – e não a partir do momento do divórcio. Logo, aplicando o exemplo do tópico anterior, os bens que passassem a pertencer a cada um dos indivíduos no período de dez meses corridos entre a separação e o divórcio não fariam parte da partilha dos bens aplicada no divórcio, mesmo que a comunhão fosse plena. E vale lembrar que a separação de fato se dá de maneira que a separação de corpos seja uma premissa e os deveres e obrigações de um casal tenha chegado ao fim.

PERGUNTAS E RESPOSTAS – VEJAMOS:

Como é possível estar separado, mas ainda casado?

                Como foi mencionado ao longo do texto, o casamento é um reconhecimento oficial, uma espécie de contrato público entre duas pessoas frente ao Estado, tratando especialmente de questões patrimoniais. Raramente o fim de um casamento é imediatamente seguido de um divórcio. Costuma haver tempo entre o momento em que duas pessoas decidem não mais viver juntas e o momento em que elas oficializam este rompimento por meio do divórcio. A separação é a maneira encontrada de determinar este período e seus efeitos, sem que a lei precise pressionar o desgaste e o custo tipicamente envolvidos em um divórcio.

Como o regime de bens afeta a separação de fato?

                Na realidade, é a separação quem afeta a aplicação do regime de bens, e não o contrário. Isso porque uma separação de fato interrompe a aplicação do regime que vigora sobre aquele casal. Quando os cônjuges se separam de fato, é até esta data que será considerado o regime de bens para fim de partilha do patrimônio na hora do divórcio judicial.

Qual a diferença entre separação de fato e separação de corpos?

                Na prática, a única diferença entre os dois termos é a escolha de palavras, pois ambas representam precisamente a mesma situação. É comum que se encontre a expressão “separação de corpos” em práticas judiciais mais antigas, pois a prevalência da situação fática é um pouco mais contemporânea. Porém, ambas expressões se referem à mesma situação.

É possível estar separado de fato, mas continuar vivendo na mesma casa?

                Sim, é possível e bastante comum, na realidade. A separação de fato é determinada pelo fim da intenção de ser uma família na condição de casal, e não pelo local da moradia. Ao decidirem se separar, muitos casais que tomam a decisão de forma amigável ainda convivem por um certo período de tempo sob o mesmo lar, com o objetivo de estruturar quais são os próximos passos, sem a necessidade de acelerar nenhuma etapa pela simples pressão do término daquela relação.

Como comprovar o momento de início da separação de fato?

                A comprovação de fato pode se dar de várias maneiras. Desde um documento declarado e assinado pelo casal, referenciando em concordância a data da separação, até testemunhos de pessoas próximas ou demonstrações de estarem vivendo como se estivessem solteiros servem para demonstrar qual é a realidade dos fatos. Esta comprovação será necessária em momento posterior, na ocasião do divórcio, para determinar a data de interrupção da contagem da partilha dos bens, se houver.

A separação pode se converter em divórcio?

                A separação é uma etapa anterior ao divórcio. Ela não precisa ser, necessariamente, convertida, justamente por não se tratar de uma circunstância oficial, que tenha reconhecimento direto no estado civil de uma pessoa. É natural entender, por outro lado, que a separação eventualmente evolui para um divórcio, como em uma evolução sequencial da situação.

O que acontece se o casal retomar a relação após a separação de fato?

                Em várias ocasiões, a decisão de se separar não é tão definitiva quanto parecia no momento em que ocorreu. Como consequência, alguns casais retomam sua relação após um período de separação. Neste caso, é possível determinar que o período separado realmente tenha acontecido, ou simplesmente não o considerar. Como nunca houve um divórcio oficial, o casamento permanecerá em vigor, sem a necessidade de refazer qualquer tipo de procedimento oficial.

É possível existir necessidade de pensão durante a separação de fato?

                Via de regra, a separação fática não admite espaço para pensão de ex-cônjuge, uma vez que ainda não se trata de uma situação de reconhecimento oficial do Estado. É por isso que é essencial buscar o divórcio rapidamente, quando há necessidade alimentar para ex-cônjuge. Pode-se, porém, recorrer a uma ação alimentar não relacionada ao divórcio em si, demonstrando-se a separação por algum meio viável para tal.

Há um limite de tempo para a separação de fato, e pode casar de novo?

                Não há limite máximo de tempo para a separação de fato, uma vez que casais separados não têm a obrigação de se divorciar. Porém, caso um dos indivíduos do casal se recuse a fazer o divórcio para evitar a divisão patrimonial, é importante saber que o divórcio não depende da concordância dos dois ex-cônjuges para acontecer. Se um decidir se divorciar, é o bastante. Mas, atenção, porque uma pessoa separada, mas não divorciada ainda tem o estado civil de casada. Desta forma, por não ser permitida a bigamia na legislação brasileira, esta pessoa estará impedida de se casar novamente, até que esteja oficialmente divorciada.

A meu sentir, os tribunais pátrios agem acertadamente quando a maioria entende e decide que é a separação de fato, e não o divórcio, que enseja a cessação do regime de bens. Muitos juízes relatores têm ponderado que esse entendimento decorre de interpretação da lei civil, que prevê a possibilidade de decretação da separação judicial ou do divórcio independentemente da realização da partilha de bens do casal. Em casos de aquisição de bens após a separação de fato, comprovada, não prevalece o reconhecimento do direito à meação, eis que o bem móvel ou imóvel foi adquirido após o fim da vida em comum, não tendo o outro cônjuge contribuído para a sua aquisição.

Em suma, embora não exista previsão legislativa para solucionar as questões patrimoniais dos separados de fato, mas baseados em argumentos diversos, a doutrina e a jurisprudência, majoritariamente, se posicionam no sentido de defender a incomunicabilidade dos bens a partir da separação de fato. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), já se posicionou pela incomunicabilidade dos bens, entendendo que os bens adquiridos por apenas um dos cônjuges, após a separação de fato, não integram a partilha (REsp nº 40.785/RJ - Relator Ministro Menezes Direito).

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Letícia R. S. Mascarenhas11 de outubro de 2024 às 16:41

    Dr. Wilson Campos eu tive um problema parecido quando me separei de fato e enquanto esperava o divórcio oficial, eu comprei um carro de luxo zero, e meu ex resolveu pedir a metade do carro pelo regime de comunhão parcial de bens. Ele perdeu porque os magistrados disseram que depois da separação de fato, os patrimônios não mais se comunicavam ou seja quem estava separado de fato podia comprar um bem qualquer e este seria só de quem comprou e pagou por ele, e o outro cônjuge não tinha direito a nada. O seu artigo bateu com minha situação há cinco anos. Mas amei o artigo e vou aprendendo mais e mais com o senhor e seus artigos nota 10! Att: Letícia R.S. Mascarenhas (advogada e empresária).

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  2. Em 2022 eu comentei num artigo do senhor sobre esse assunto mesmo e na época eu fazia faculdade no 8º período de Direito e fiz uma dissertação sobre o tema e o pau quebrou na sala porque alguns colegas discordaram e quando o professor começou a falar e ler jurisprudências de alguns tribunais, a coisa mudou de figura. De fato a separação de fato não permite mais a meação dos bens adquiridos após a separação de fato, de corpos ou de casa. A partir da separação de fato cada um segue seu caminho até sair o divórcio definitivo. Parabéns mestre Wilson e mais uma vez o assunto desperta interesses e é polêmico mesmo, mas a Justiça já tem decidido bem porque o Legislativo não criou ainda uma lei para resolver essa questão de uma vez por todas. Abração doutor. Petrônio L. T. Villela.

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  3. Super bem explicado. Não tenho mais dúvidas. O principal efeito jurídico de uma separação de fato diz respeito à interrupção dos deveres e responsabilidades típicos de um matrimônio, sem que se altere o estado social daquelas pessoas até a obtenção do divórcio definitivo. Trocando em miúdos, a separação de fato cessa os deveres estabelecidos, incluindo aqueles patrimoniais. Corretíssimo doutor Wilson Campos e seus dois últimos parágrafos no seu artigo estão pontuais e consagrados pela maioria dos tribunais, mas como o senhor mesmo disse requer provas da separação de fato para comprovar a separação de corpos, de casa e de compromissos matrimoniais. Abr./At: Daniel Leite S. Ramos.

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