ADVOGADOS SE MANIFESTAM CONTRA PLENÁRIO VIRTUAL DO STF.


Um seleto grupo de mais de cem advogados enviou uma carta pública ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, se manifestando contra o plenário virtual da Corte, instalado sob alegação de prevenção à propagação do coronavírus.

Conforme os termos da carta, um dos problemas é que os julgamentos não são públicos e os advogados não podem participar, o que não é muito democrático.

Vejamos, portanto, o inteiro teor da carta pública assinada por advogados e advogadas, a saber:

“Excelentíssimo Senhor Ministro Dias Toffoli, DD. Presidente do Colendo Supremo Tribunal Federal

Os abaixo-assinados, todos advogados militantes perante essa Suprema Corte, vêm, com o devido respeito, manifestar preocupações a propósito da ampliação da competência do assim chamado “plenário virtual”.

É sabido que essa augusta Casa vem, há algum tempo, realizando julgamentos de casos menos complexos, nessa nova modalidade. Tais julgamentos não são públicos e não contam com a participação dos advogados.

Em razão da atual crise sanitária, essa Corte aprovou a Emenda Regimental nº 53/2020 e a Resolução 669/2020, que ampliaram consideravelmente a competência do plenário virtual. A rigor, todo e qualquer processo, inclusive os de maior relevo, tais como as ações que viabilizam o controle concentrado de constitucionalidade e recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, podem ser julgados em tal ambiente.

Para viabilizar a participação do advogado, estipulou-se a possibilidade da realização de sustentação oral gravada, que deverá ser encaminhada por meio eletrônico. A participação do advogado, portanto, ficou limitada a um documento eletrônico, que será incorporado aos autos. Mesmo nos casos mais relevantes, o advogado só poderá encaminhar a sustentação dessa forma, muito equivalente a um memorial, embora em audiovisual.

Essa nova forma de julgamento, embora recentemente criada, tem sido largamente utilizada pelos eminentes Ministros da Corte. Ações diretas de inconstitucionalidade, ações de descumprimento de preceito fundamental, entre outras classes processuais, estão sendo submetidas a essa modalidade.

É evidente que a tecnologia deve ser utilizada em favor da celeridade processual e da eficiência na prestação jurisdicional. Não podemos ficar aferrados ao passado, ignorando as possibilidades que os avanços, especialmente na área da comunicação à distância, proporcionam.

Deve-se, entretanto, promover alterações na forma da prestação jurisdicional, sem ignorar os princípios da ampla defesa, do devido processo legal, do contraditório e da publicidade. Não se deve olvidar, também, que o artigo 133 da Constituição afirma que o advogado é indispensável à administração da Justiça. Um julgamento que não pode ser acompanhado pelo advogado enquanto se realiza; que não admite a interferência do advogado, seja para realizar sustentação oral ao vivo, seja para pedir a palavra para realizar esclarecimentos sobre matéria de fato, certamente não atende, data venia, aos princípios citados, nem prestigia o artigo 133 mencionado.

Por outro lado, o artigo 93, X, da CF, determina a publicidade de todos os julgamentos do Poder Judiciário. A simples divulgação do resultado do julgamento, a toda evidência, não atende a essa imposição constitucional.

Cabe salientar que o julgamento, feito na forma tradicional do direito brasileiro, isto é, presencial e público, permite a formação do convencimento dos julgadores mediante debates. Muitas vezes, desses debates orais resultam a modificação da opinião dos ministros.

Essa Augusta Corte, que sempre tão bem acolheu os advogados, está acostumada a esclarecimentos prestados da tribuna, que influenciam as discussões e culminam, amiúde, na alteração de um posicionamento do Tribunal que parecia certo.

Há, ainda, o problema da transparência, sempre tão caro a essa Egrégia Corte. Julgar questões de grande relevância, como, por exemplo, declarar a inconstitucionalidade de uma lei, sem que os advogados e a sociedade em geral possam acompanhar a formação da decisão, além de desprestigiar o princípio da publicidade, cria um sério embaraço à atividade advocatícia.

Registre-se, nesse diapasão, que não se trata apenas de respeitar as prerrogativas dos advogados, expressamente previstas em lei, como a de esclarecer, em qualquer julgamento, matéria de fato. As prerrogativas aludidas têm como destinatário não o advogado em si, mas protegem o Estado de Direito. Conferem-se, aos advogados, certas prerrogativas, para que as pessoas em geral, naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, possam relacionar-se com o Estado-juiz de forma equilibrada e clara, evitando-se o engrandecimento deste em face dos direitos daquelas.

Assim, tem essa por objeto solicitar à Vossa Excelência, eminente Presidente, a submissão do tema novamente ao plenário dessa Corte.

Pede-se que a ampliação da competência do plenário virtual seja revogada. Os casos que demandem julgamento colegiado e que não se encontravam na competência anteriormente definida para o plenário virtual, poderiam ser analisados na sessão virtual, por videoconferência, também prevista na resolução citada. Em tal modalidade de sessão, o julgamento se processa com a devida publicidade e ao vivo, com a presença simultânea dos eminentes julgadores, do Ministério Público e dos advogados da causa, que poderão se manifestar, com observância das normas processuais.

É o que, respeitosamente, se pede.

Esclarecem os peticionários que, em razão da pandemia, não foi possível colher as assinaturas. Confirmam, contudo, que estão de pleno acordo com o texto ora submetido a esta egrégia Corte.

Brasília-DF, 14 de abril de 2020. José Paulo Sepúlveda Pertence; Carlos Mário da Silva Velloso; Francisco Rezek; Nelson Jobim; Ellen Gracie Northfleet; Antônio Cezar Peluso; Pedro Gordilho; Nabor Bulhões; Aristides Junqueira Alvarenga; Antônio Fernando Barros e Silva de Souza; Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite; Nilson Naves; Eduardo Ribeiro; Fernando Gonçalves; Aldir Passarinho Júnior; Gilson Dipp; Hamilton Carvalhido; José Eduardo Cardozo; Eugênio José Guilherme de Aragão; Torquato Jardim; Grace Mendonça; Luiz Carlos Bettiol; Cândido Rangel Dinamarco; José Manoel Arruda Alvim; Roberto Rosas; Técio Lins e Silva; Marcus Vinicius Furtado Coelho; Eduardo Ferrão; José Alberto Couto Maciel; José Roberto Batochio; Reginaldo Oscar de Castro; Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior; Cezar Britto; Celso Mori; Antônio Cláudio Mariz de Oliveira; Rita Cortez; Paulo César Pinheiro Carneiro; Nélio Machado; José Eduardo Alckmin; Fernando Neves da Silva; Luiz Carlos Lopes Madeira; Carlos Eduardo Caputo Bastos; Marcelo Ribeiro; Henrique Neves; Luciana Lóssio; Admar Gonzaga Neto; Antônio Carlos de Almeida Castro – Kakay; Alberto Toron; Antônio Meyer; Francisco Caputo Neto; Marco Antônio Mundim; Eugênio Pacelli; Marcelo Ferro; Daltro de Campos Borges Filho; Paulo Sérgio Leite Fernandes; Paulo Penalva Santos; Délio Lins e Silva Júnior; Luiz Alberto Bettiol; Luiz Antônio Bettiol; Marcelo Lavocat Galvão; Ticiano Figueiredo; Pedro Ivo Velloso; Luiz Vianna Queiroz; Teresa Arruda Alvim; Luiz Cláudio de Almeida Abreu; José Roberto dos Santos Bedaque; Carlos Augusto Sobral Rolemberg; Anna Maria da Trindade dos Reis; Joaquim Eugênio Goulart; Rodrigo Rocha de Souza; Cláudio Loureiro; Roberto Caldas Alvim de Oliveira; Aref Assreuy Júnior; Elias Mattar Assad; Denílson Fonseca Gonçalves; Mariana Moutella; Francisco Mussnich; Gustavo Tepedino; Renato de Mello Jorge Silveira; Márcio Vieira Souto Costa Ferreira; José Francisco Siqueira Neto; Marcelo Nobre; Maurício Dieter; José Diogo Bastos; Dora Cavalcanti; Flávia Rahal; Ana Teresa Basílio; Pierpaolo Bottini; Augusto de Arruda Botelho; Fábio Tofic Simantob; Leonardo Sica; Gustavo Fleichman; Sérgio Tostes; Fernando Serec; José Roberto de Castro Neves; Renato de Moraes; Cláudia Pavan; Gustavo Schmidt; Eduardo Schmidt; Marilda de Paula Silveira; Maria Cláudia Bucchianeri; Vicente Coelho Araújo; Alexandre Kruel Jobim; Alberto Pavie; André Silveira; José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro; Eduardo Uchôa Athayde; Carlos José Santos da Silva – Cajé; Cândido da Silva Dinamarco; Fernando Teixeira Abdala; Fabrício Juliano Mendes Medeiros; Rodrigo Badaró; Ângela Cignachi Baeta Neves; Jorge Lavocat Galvão; René Rocha Filho; Sidney Neves; Raquel Bezerra Cândido; Paulo Maurício Braz Siqueira; Evandro Pertence; Pedro da Silva Dinamarco; Wagner Rossi Rodrigues; Afonso Arantes de Paula; Cláudio Demczuk de Alencar; Márcio Silva; Guilherme Batochio; Daniela Teixeira; André Callegari; Sávio de Faria Karam Zukim; Cristiane Damasceno; Eduardo Arruda Alvim; Celso Sanchez Vilardi; Iran Machado Nascimento”.

Essa é a carta patrocinada por cem advogados e advogadas no sentido de chamar o STF à realidade do devido processo legal, com obediência aos requisitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Também e, da mesma forma, alertar o STF quanto às prerrogativas do advogado, autêntico e legítimo partícipe da administração da justiça.

De fato, a adoção por parte do STF dos julgamentos virtuais, a propósito da ampliação da competência do assim chamado “plenário virtual”, compromete o princípio da publicidade e retira do advogado o direito à sua sempre necessária intervenção por sustentação oral na defesa dos interesses do jurisdicionado.

A rigor, no Estado de direito, o equilíbrio é peça fundamental, não se devendo sobrepor uns aos outros e muito menos colocar o Estado-juiz acima da cidadania ou da advocacia. Não há que se impedir à sociedade acompanhar os votos da decisão do plenário nem obstar a participação dos advogados por manifestações que, muitas vezes, têm mudado o entendimento da Corte, de forma positiva. Mas, com o uso reiterado do plenário virtual, nada disso é possível.     

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).



Comentários

  1. Caro colega Dr. Wilson Campos, o senhor está correto, no seu arremate do artigo, e os cem advogados também estão porque essa atitude de julgar virtualmente é um dano à defesa da causa. O que está acontecendo é que os ministros estão decidindo sem o aparte do contraditório e da defesa, além de ficar prejudicado o fato da publicidade à sociedade do que acontece no Supremo . Está virando casa do esconde-esconde. As prerrogativas dos advogados estão sendo violadas como o senhor bem alegou, pois os advogados são indispensáveis à adm. da Justiça. Abração nobre colega e parabéns pelo artigo e pelo excelente blog. Carlos Cunha - adv.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas