MP 936/20, STF, SINDICATOS, REDUÇÃO SALARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA EM TEMPOS DE PANDEMIA.


Lamentavelmente, sempre aparece alguém das instituições oficiais para complicar mais o que já estava complicado. Ora, em plena situação de guerra contra uma doença invisível, devido ao surgimento da pandemia do coronavírus (Covid-19), vem o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, impor dificuldades e burocracia ao comando da MP 936/20.

Vejamos:

Acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho previstos na MP 936/20 somente serão válidos se os sindicatos de trabalhadores forem notificados em até 10 dias e se manifestarem sobre sua validade. Assim decidiu o ministro Lewandowski.

Estabeleceu ele ainda que, a não manifestação do sindicato, na forma e nos prazos previstos na legislação trabalhista, representa anuência com o acordo individual.

A ação foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade contra dispositivos da MP 936/20, que institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” e introduz medidas trabalhistas complementares para enfrentar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Entre elas está a possibilidade de redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.

No exame preliminar da ação, o ministro salienta que a celebração de acordos individuais com essa finalidade, sem a participação das entidades sindicais, parece afrontar direitos e garantias individuais dos trabalhadores, que são cláusulas pétreas da Constituição Federal. Ele destaca que o constituinte originário estabeleceu o princípio da irredutibilidade salarial em razão de seu caráter alimentar, autorizando sua flexibilização unicamente mediante negociação coletiva.

Segundo Lewandowski, a assimetria do poder de barganha que caracteriza as negociações entre empregador e empregado permite antever que disposições legais ou contratuais que venham a reduzir o equilíbrio entre as partes da relação de trabalho “certamente, resultarão em ofensa ao princípio da dignidade da pessoa e ao postulado da valorização do trabalho humano” (artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, da Constituição). “Por isso, a norma impugnada, tal como posta, a princípio, não pode subsistir”.

O ministro ressalta que, diante das graves proporções assumidas pela pandemia da Covid-19, é necessário agir com cautela, visando resguardar os direitos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, evitar retrocessos. Sua decisão, assim, tem o propósito de promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação, "especialmente necessária nesta quadra histórica tão repleta de perplexidades”.

Para Lewandowski, o afastamento dos sindicatos das negociações, com o potencial de causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores, contraria a lógica do Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral. Ele explica que é necessário interpretar o texto da MP segundo a Constituição Federal para que seja dado um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato na negociação e com sua aprovação.

Para Almir Pazzianotto Pinto, no entanto, a decisão “ignora a realidade”.

O despacho rebaixa o trabalhador à condição de incapaz, tutelado pelo dirigente sindical de plantão. As entidades sindicais estão, também, em regime de quarentena. Não dispõem de recursos para dar conta de tantos pedidos.

O conselho do ex-presidente do TST e ex-ministro do Trabalho aos micro ou pequenos empresários do país é para ignorarem a decisão cautelar do ministro Lewandowski: “Não espere que o negócio pereça. Adote as medidas que o bom senso e a experiência lhe recomendam.

Para Pazzianotto, uma vez superada a pandemia, “milhares de horas serão consumidas em debates sobre o passado”.

Cabe-nos, agora, pensar no futuro. Se a preservação do emprego se condiciona ao ajuste da folha salarial às imposições da crise, não pensem duas vezes. A liminar será cassada. Vamos pensar nas empresas, pois da sua sobrevivência dependerão milhões de empregos.”

A decisão cautelar foi incluída pelo ministro Toffoli na pauta de julgamentos do plenário, na sessão do dia 16 de abril.

A meu ver, o ministro Lewandowski acertou apenas quanto à necessidade de preservar a segurança jurídica. Entretanto, no momento atual, razão não assiste à sua decisão, posto que seja importante observar que o texto constitucional prevê regras para a negociação coletiva, visando hipóteses de redução salarial para situações de suposta normalidade. Acontece que não é essa a situação atualmente vivida no país, face o estado de calamidade e pandemia. Ademais, cumpre também notar que o histórico recente de uma grande parcela dos sindicatos não favorece muito a outorga de poderes garantida pela concessão da liminar em debate. Deixar esses sindicatos agora na função de balizadores da verdade pode trazer ainda mais insegurança. Ou seja, parece que o tiro do ministro saiu pela culatra.

Outro detalhe relevante a considerar é o fato de que as contribuições sindicais deixaram de ser, recentemente, obrigatórias. Daí o entendimento regular de que a dependência desse aval sindical, além de prejudicar o timing na tomada de decisão pelas empresas, cria uma barreira adicional para a reorganização interna, podendo gerar nos empregadores o viés de demissões com o pagamento (ou não) das verbas rescisórias, deixando eventuais discussões vinculadas aos direitos dos empregados para debates judiciais futuros. É isso que o ministro Lewandowski quer?

Entendo que o ministro possa ter tido boa intenção ao proferir sua decisão, protegendo possível paridade de direitos, mas a negociação poderá ficar prejudicada se o sindicato se manifestar no sentido de desejar assumir a negociação diretamente com o empregador. Aí o embate será certo e o caos retornará às relações justrabalhistas. Com certeza!

Ao contrário do que queria o ministro, com a inserção dos sindicatos, restará estabelecida a insegurança jurídica para todos os envolvidos no processo. Essa suposta necessidade de comunicação ao sindicato dos trabalhadores permitirá a deflagração de uma negociação coletiva, mesmo após a composição direta das empresas com seus empregados, e isso poderá gerar um grande impasse, que não interessa a ninguém nesse momento de calamidade pública. 

De sorte que, a decisão liminar do ministro, causa ainda mais incertezas em tempos tão difíceis, pois, se por um lado, privilegia o que está disposto na Constituição, no sentido de impossibilitar a redução salarial, sem a prévia negociação com os sindicatos, por outro, causa insegurança jurídica, no momento em que empregadores e empregados mais precisam de apoio para manterem negócios abertos e empregos garantidos, respectivamente. 

Não bastasse tudo isso, o país inteiro vive hoje uma situação atípica. Os empregadores não têm certeza se conseguirão cumprir com suas obrigações. Em tempos duros de pandemia, com mortes aumentando todos os dias e negócios fechando, o que menos se cogita no momento são mais incertezas, independentemente da preocupação com penalidades e cumprimento de dispositivos legais, que ficam para outras ocasiões menos trágicas ou desesperadoras para todos. 

Atenção, portanto, para o seguinte: também poderá gerar entreveros e empecilhos às negociações o fato de os sindicatos resolverem cobrar certo valor por essa participação, o que não será de se estranhar, dada a voracidade pecuniária conhecida de determinadas entidades sindicais. Se acontecer, não haverá negociação pacífica e patrão e empregado acabarão perdendo.

Em suma, de toda forma, o Pleno do STF deverá analisar a questão no próximo dia 16 de abril, podendo surgir divergência em relação ao posicionamento monocrático do ministro Lewandowski. Resta aguardar e torcer pelo equilíbrio, tão necessário em momentos de enormes dificuldades para todos.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).  

Comentários

  1. Em tempos de pandemia o sacrifício tem de ser de todos porque ninguém tem garantia de nada, nem de emprego nem de empresa sadia nem de impostos pagos. Nada é certo, porque tudo está parado. Hora de muito juízo e calma. O ministro Lewandowski, eita nome difícil, deveria ter ficado quieto e somente se manifestar quando a hora fosse mais tranquila. Juízo ministro, juízo senhor juiz. E ao meu dileto escritor e colunista Dr. Wilson Campos meus parabéns pelos artigos sempre atualizadores para todos nós. Abrs. Prof. e Mestrando Armando França.

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